Crimsontale (cancelada)

Capítulo 3: Dualidade


Ótimo. Muito ótimo. Agora ela sabe que estamos aqui, e é tudo por causa da boca grande do Asriel. "Mas como eu ia saber que ela podia ouvir a gente daqui?" Deus, faça me o favor. Não é óbvio a resposta? Nenhum humano que cai aqui é normal, absolutamente nenhum! É por isso que sempre digo para ele ter o mais absoluto cuidado quando estiver perto de algum. Para que coisas assim nunca aconteçam!
Aquele pistoleiro com a alma da justiça, a maga de óculos com a da perseverança, e até mesmo eu, com o que sobrou da minha determinação, já são prova o suficiente para mostrar o quão poderosos e perigosos nós — os humanos — somos. Mas, aparentemente, isso é algo que ainda não se fixou direito na cabeça de bode do Asriel. De qualquer maneira, é melhor não ficar tão irritada com isso nessa situação, eu posso dar uma lição nele outra hora afinal. Isso é, se essa "outra hora" vier a existir.

— Chara… — a voz inocente e medrosa do espírito de Asriel surgia em minha mente. — o- o que vamos fazer agora? — o frio do terror emanava de suas palavras. — eu estou com medo Chara…
— Bem, podemos ficar aqui paradinhos para ver o que acontece com a gente... — eu dizia, a ironia sendo mais do que óbvia. — ou podemos fugir daqui e nos esconder em outro lugar, bem longe da dama de vermelho ali.
— Fugir? — ele parecia se acalmar um pouco — c- como?
— Ah… eu ainda estou pensando nessa parte. — dizia, coçando a parte de trás de minha cabeça com uma de minhas vinhas, dando uma risada curta com um pingo de nervosismo. — Mas está tudo bem, só confia em mim tá? e vê se não atrapalha.
— Hmm… tudo bem…

Bem, fugir era o plano desde o começo dessa situação, agora como fugir, isso, meu amigo, é uma história bem diferente — até porque esse tipo de coisa nunca foi algo que tive o costume de fazer.
Eu até poderia tentar lutar com a garota lá fora — ênfase em "poderia" —, mas esse corpo frágil de flor não me ajudaria muito nesse quesito — nem em nenhum outro na realidade — e eu provavelmente acabaria morta mais uma vez — é, isso mesmo, mais uma vez! —.
Se ao menos ainda tivesse minhas facas e parte dos meus poderes mágicos, sair disso seria bem mais fácil, e também bem mais divertido. Porém, como não quero morrer antes de quitar algumas contas por aqui, vou ter que trabalhar com aquilo que tenho agora. Espero que a sorte deseje ficar do meu lado dessa vez.

— Chara… — a voz já rotineira de Asriel sussurava dentro de minha cabeça. — ela… — sua fala hesitava em se concluir.
— Ela…? — meus olhos viravam para sua direção, meu corpo permanecendo estático.

Eu podia ver o seu espírito cinzento flutuando próximo da janela cujo qual estava logo abaixo. Observando o cenário lá fora, ele parecia mais assustado do que antes, seus claros olhos verdes destacados, estando fixos em algo, ou em, muito provavelmente, alguém.
Enquanto esperava por sua resposta — apesar dela estar praticamente escrita na cara dele —, fiquei o encarando por alguns segundos. Sua expressão. Sua personalidade. Sua alma. Era impressionante como praticamente tudo nele, mesmo após todo esse tempo, ainda continuava o mesmo de antes. Ele continuava a ser aquela criança de 6 anos atrás. Uma criança que, apesar de tudo, quis virar meu amigo. Eu, uma humana que os próprios humanos não quiseram acolher, que foi rejeitada, jogada por eles na sarjeta, sendo acolhida por um monstro, um monstro com um sorriso inocente e sincero.
É realmente irônico, não acha? Aquilo que um dia foi sinônimo de destruição e carnificina, pedindo inocentemente por sua amizade.

— Vamos. Só diz o quão perto ela está. — dizia de forma direta, pondo os pensamentos sobre o passado de lado.

As palavras agora dançavam por minha mente, o tom imaginário ditando o ritmo de seus passos até que, através da ligação entre nossos espíritos, chegassem a mente de Asriel. Ele poderia estar assustado, porém isso não é algo que vá o impedir de me responder, ou pelo menos é o que espero.
Ele vira seu rosto cinzento para mim, os olhos esmeralda amendontrados me encarando por poucos segundos. Dependendo de qual fosse sua resposta, a situação poderia ir de mal a pior em instantes. E aí, toda nossa história chegaria a seu fim, provavelmente.

— Frente. E- ela já está a- aqui na frente!

Suas palavras me fizeram imediatamente olhar acima, em direção ao cenário fora da casa em ruínas. Não era uma mentira, não era uma alucinação criada pelo terror. Era a mais pura realidade, e isso fez meu coração parar por um instante.
A garota estava mesmo a frente da janela, e junto dela estava uma bola flamejante azul, de expressão curiosa. Não era um monstro de verdade, e com isso quero dizer que não era um que realmente estava vivo. Era um espírito do Mundo Astral, um mundo para o qual os espíritos dos mortos vão ao se despedirem da vida, mas isso não importava no momento. O que realmente importava, era qual seria o meu próximo passo para escapar daquela situação.

「 Contínua... 」