Crimsontale (cancelada)

Capítulo 2: Ruínas de um Mundo Monstruoso Parte II


Agora, com a companhia de meu novo amigo flamejante — que circundava acima de minha cabeça, rodopiante e alegre —, passo a olhar os arredores, nesse momento iluminados pela luz incandescente da chama azul.
Eu analisava o ambiente do local onde me encontrava. Pilares com uma arquitetura semelhante a grega se erguiam até o topo do teto cavernoso, enquanto outros, que já haviam desistido de se sustetar a tempos, despedaçados sobre o caminho de pedra pelo qual caminhava, descansavam em seu eterno sono.
Quase tudo ali estava tomado pelo verde da natureza, que cobria o ambiente como um macio e quente cobertor, preparado pela mãe natureza para aconchegar aquilo que seus filhos deixaram para trás, abandonado.
Caminho mais adentro, atravessando de forma rápida, porém cuidadosa, o pequeno corredor ali presente. No final do mesmo, acabo por dar de cara com um grande portão cinza, bastante único ao meu ver. Chegando um pouco mais perto para dar uma rápida análise naquela estrutura, noto no topo de seu arco um estranho e chamativo símbolo esbranquiçado. Estava um pouco danificado, porém, se comparado a seus arredores, ainda se podia distinguir muito bem sua aparência peculiar. Era uma composição bastante simples, de três triângulos brancos — que pareciam estranhamente formar um sorriso — juntos a uma esfera de mesma cor, que se elevava acima deles, com asas angelicais estendendo-se ao seu redor. Era como se fosse um anjo ou coisa do tipo.
"O que isso significa?" Eu me perguntava. Parecia simbolizar algo importante, interessante, mas o que seria? Se eu pudesse descobrir, seria uma ótima adição para o meu conhecimento da história dos monstros. Afinal, quanto mais eu saber sobre eles, melhor — apesar de que nem todos concordem comigo nessa questão.
Continuei a me perguntar por mais um tempo, porém, mesmo com minha curiosidade se opondo, tive que deixar todas aquelas questões de lado. Eu não podia perder meu foco com aquilo, pelo menos não naquele momento. Quem sabe em um outro momento, se o futuro não fechar suas portas para isso na minha cara.
Retornava assim a caminhar, passando de forma atenciosa pelo portão já degradado pela ação do tempo, enterrando os pensamentos sobre aquele símbolo bem no fundo de minha mente ao fazê-lo.
A mudança de cenário era clara para os olhos de qualquer um, ainda mais quando em comparação ao anterior. A caverna escura havia se transformado em uma cidade — que, para falar a verdade, também estava relativamente escura, mas não tanto quanto o cenário anterior —, ou pelo menos no que havia restado dela.
Um sentimento frio de tristeza e solidão pairava sobre aquilo que antes deveria ter sido um lar para muitos, ganhando força a cada um de meus passos. Foi provavelmente aqui onde os monstros se instalaram após serem banidos para o subsolo deste monte. Sua primeira casa após perderem tudo o que haviam conquistado lá em cima. Após sua guerra tola contra a humanidade.
Enquanto andava através da cidade, eu a observava com olhos atenciosos. Construções de pedra antes bem estruturadas, estavam reduzidas a apenas sombras daquilo que já foram um dia. As memórias que consigo carregavam, lentamente se apagando da história. Monumentos, que antes deveriam representar muito para os Risæ, nesta época se deixavam consumir por rachaduras e musgos, colapsando sobre si mesmos quando já não se havia mais força para obter sustento. Almas que ali viviam, pelo que se poderia ver, haviam ido embora, para provavelmente nunca mais voltar. "Para onde eles teriam ido?" eu me perguntava enquanto continuava cuidadosamente com meu caminho através daquelas ruínas.
Era tudo muito silencioso por ali, nada mais podendo ser ouvido além do som de minhas botas batendo contra o solo a cada passo que dava. Sentia contudo, uma estranha sensação de observação a medida que avançava por aquele lugar. Teria alguém, por algum motivo, ficado para trás aqui? Ou minha mente havia simplesmente decidido pregar peças em mim agora?

— Uma humana… — Em baixo tom, quase inaudível, uma fina voz chegava as portas de meus ouvidos.

Esse som, que atravessou o ar sombrio de forma suave e silenciosa, fez meus passos cessarem assim que chegou aos meus ouvidos. Era uma voz. Uma fina e baixa voz.
Parada em meio aquelas antigas ruínas, como se houvesse sido congelada no tempo e no espaço, eu apenas pensava se meus ouvidos realmente tinham ouvido aquilo. "Uma humana…" foi isso que ouvi, não? Podia estar baixo, mas tenho certeza que ouvi algo dentre essas linhas. Tenho bons ouvidos, tão bons quanto os de meu falecido tio. Não tem como eu estar enganada sobre isso. Não, não tem. Ou pelo menos, eu espero que não tenha.
O foguinho acima de mim parecia não ter escutado nada e estranhava minha parada repentina. Em frente à meu rosto, ele se inclinava de um lado para o outro, com uma expressão confusa em sua face. Era como se ele estivesse me perguntando por que havia parado tão de repente.
Continuei parada por um pouco mais de tempo — ignorando a chama, que ainda queria uma resposta minha — para ver se ouvia mais algo em relação aquela voz. Entretanto, para meu azar, tudo que obtive foi um silêncio vazio em meus ouvidos. Seja lá o que estiver escondido aqui — se é que realmente há algo aqui além de mim e o espírito de fogo —, é inteligente o bastante para saber quando se calar.
Passo a olhar para as laterais, passando depois a todas as direções possíveis. A chama repetia minhas ações, a expressão confusa porém, ainda permanecendo em sua face. Eu procurava por um local de onde poderia ter vindo aquela voz, e surpreendentemente não demorou muito para que meus olhos batessem frente a frente com algo chamativo — Sorte? Muito provável, mas isso não importa agora.
Era uma construção simples, bem pequena. Estava próxima a mim, a praticamente apenas alguns metros de distância. Os danos eram perceptíveis até para alguém a beira da total cegueira, o mais severo de todos sendo o presente no lado esquerdo da casa. A estrutura ali havia desabado por completo praticamente. Contudo, deixando tais detalhes de lado, o que nela me atraia era a sua pequena janela quadradica — que por mais estranho que possa parecer, estava incrivelmente conservada em meio a tal cenário de destruição —, em principal o que se poderia ver espreitando na parte inferior, atrás de si.
Estavam ali, cintilando em meio a umbra do local, pétalas douradas, praticamente idênticas aquelas que vi quando aqui cheguei. Poderiam elas serem parte de um monstro ali escondido? Ou apenas simples pétalas pertencentes a uma flor normal? Bem, acho que não vou descobrir se ficar aqui parada apenas pensando em possíveis cenários para uma só situação. Chegou a hora de agir.
Naquele momento, virada totalmente na direção da janela, o corpo reto e a expressão séria, eu iniciava minha aproximação.
A música do silêncio continuava a tocar através do ambiente, agora com notas mais tensas postas sobre a melodia. Um frio súbito de tensão subia por minha espinha, como se a mesma fosse ser congelada por completo e logo depois se partir em mil pedaços. Com o coração um pouco acelerado, eu tentava manter a calma durante o caminho, afim de não se deixar consumir pelo nervosismo que vagarosamente se atrelava a meu corpo naquele momento. Odeio ter que admitir isso, mas estava realmente com medo do que poderia encontrar ali.
As pétalas continuaram estáticas como uma pedra apesar de minha aproximação, que mesmo vagarosa, poderia ainda ser facilmente percebida pelo simples fato de eu não ter me abaixado ou feito alguma outra coisa para sair do raio de visão do suposto monstro, que naquela casinha estaria escondido. Claro, minha cabeça sempre poderia estar com algum problema e aquilo talvez fosse apenas uma simples flor, contudo, prefiro acreditar na minha quase perfeita sanidade mental por agora — apesar de que, se realmente estivesse enganada, talvez fosse até algo melhor para mim. Um perigo a menos, quero dizer.
A pequena chama esférica continuava a me acompanhar, sua luz azulada afastando a escuridão do caminho adiante. Ela parecia já ter percebido por completo o que eu estava tentando fazer, e por isso seus olhos haviam se tornando os de alguém determinado, pronto para o combate, algo que mostrava sua prontidão caso algo acontecesse — não que eu achasse que ele seria de muita ajuda em um combate, mas isso não era algo que iria o dizer. Espíritos como ele também tem um coração afinal de contas.
O caminho trilhado foi curto apesar de minha cautela ao se aproximar, a janela agora a minha frente. Eu só precisava dar um ou dois passos a frente e me inclinar um pouco para ter um vislumbre completo daquela flor. Simples. Rápida. Uma ação que iria me mostrar se meu pensamento estava correto ou incorreto naquele exato momento. Loucura ou monstruosidades, não importa. Eu vou enfrentar o que puserem em meu caminho até que meu irmão esteja seguro ao redor de meus braços novamente.

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