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Velma corria para fazer seus afazeres. Tinha que visitar o mortuário para pegar a análise dos corpos encapsulados com seu amigo, possuía uma tarefa de casa para o outro dia e hoje era o dia que havia combinado de sair com Peter. Não havia encontrado os amigos ainda com toda a pressa que tinha. Pouco antes do sinal tocar, ela já estava com a mochila na mão, pronta pra sair. Pegou o ônibus e foi direto a seu primeiro destino.

A entrada do mortuário era tenebrosa. Ficava no subsolo do Hospital de Crystal Cove, após uma escada de paredes frias em um corredor estreito. A porta de metal estava sempre fechada quando alguém estava dentro e por isso Velma estranhou a porta escancarada quando desceu.

— Josh? - era o nome do seu contato no mortuário. Chamou enquanto caminhava em direção ao laboratório cautelosamente.

Conforme seu corpo passava pela fresta ela percebia o que havia acontecido. Os corpos ainda estavam lá, não somente os que haviam encontrado. O garoto, seu amigo, portava a mesma expressão de desespero que os outros cadáveres. Sua pele estava pálida e desidratada, seus olhos, esbugalhados. Não pôde evitar que uma lágrima escorresse. Josh não merecia aquilo. Trabalhava havia 1 ano já ali para poder pagar a mensalidade da faculdade.

Correu em direção ao telefone e ligou para a polícia. Não era preciso chamar ambulância; já estava no hospital.

***

O grupo reuniu-se mesmo sem Velma na casa de Fred. Planejavam naquele dia mesmo investigar a Fruitmeir's e, quem soubesse, pegar o suspeito pelos mortos. Deveriam entrar disfarçados durante a noite e Fred já havia a ideia perfeita em sua mente.

— Você dois, - apontava para Salsicha e Scooby - irão entrar como atendentes no último horário. Quando o Sr. Fruitmeir for embora, vocês abrem a porta e entramos. Digam que ainda não terminaram os afazeres. Provável que ele entregue a chave da loja.

— Parece fácil. - falou Salsicha enquanto olhava para Scooby, que concordava acenando a cabeça. - O que iremos vestir?

Foi então que Daphne tirou do armário dois uniformes, listrados laranja e verde de cima a baixo, com um avental e uma saia. Esse último item foi o que mais intrigou Salsicha e Scooby até que perceberam ali o que deveriam fazer.

— Não, não, não!

— Por que não, gente? É só de vestir por um pouco. Uma peruca e um pouco de maquiagem. A masculinidade de vocês é tão frágil assim? - sugeriu Daphne. Ela sabia convencer as pessoas; a persuasão era seu talento.

Ficaram pensando. Não poderiam voltar a trás e parecerem covardes. Mas já não eram covardes? Foi então que Daphne sugeriu algo mais.
"Eu pago um almoço para vocês."

Essas 6 palavras foram a decisão entre o funcionamento do plano e o seu fracasso. Scooby e Salsicha concordaram na hora, a boca já se enchendo de água com o pensamento do que poderiam comer de graça.
Daphne e Fred sorriram um para o outro. Estava tudo arranjado. 20 horas, em frente ao Fruitmeir's.

***

Velma chegou bastante abalada em casa. Havia algo preso em sua garganta. Ainda combinou de sair com Patrick naquele dia. Enquanto se maquiava, pensava se seria uma pessoa ruim por não ter tempo para lamentar a morte do amigo. Mas havia passado a tarde inteira na delegacia! Ela realmente se importava. Já vestida, olhava-se no espelho enquanto colocava o colar que ele havia lhe entregue; era estranho porque não pertencia a ela.

— Foco, Velma! - ela falou para si, olhando-se no espelho.
Engoliu o choro, desceu as escadas e saiu de casa, indo caminhando até o restaurante onde se encontraria com Patrick.

Ao chegar, pegou uma mesa, pediu uma água e começou a esperar. Faltavam 8 minutos para a hora combinada então não se apressou. Ficava observando os outros casais sentados nas mesas vermelhas, enfeitadas com arranjos de flores. Observava o lustre de cristal que pendia do teto e chamava a atenção logo na entrada. E ia cuidando os detalhes enquanto o tempo passava.

Entretanto, foram-se os 8 minutos, e então 40 minutos, até que se tornaram em uma hora e 10 minutos. Todos os casais que haviam entrado já haviam saído 3 vezes. Os atendentes olhavam para ela com um ar de pena mas também de impaciência, já que ocupava a mesa sozinha a tanto tempo. Velha bebeu um gole do copo de água que pediu, olhou para a janela e suspirou. Aquele definitivamente estava no top 5 dos piores dias da sua vida.

***

Do outro lado da cidade, Salsicha e Scooby limpavam desordenadamente o chão da Fruitmeir's. Tropeçavam em tudo e acabam mais por espalhar a sujeira do que se livrar dela.

— Boa noite, garotas. - o dono falou enquanto ia para a saída. Os outros dois responderam com uma voz fina encenada "boa noite, senhor Fruitmeir" - Não esqueçam de trancar a porta quando saírem.

Quando a porta bateu, Salsicha logo sacou o telefone e ligou para Daphne, com Scooby colado em seu rosto querendo ouvir também.

— Ele saiu! Vocês podem vir.
— Fred foi no banco logo em frente daí. Ele precisava usar o banheiro e sacar dinheiro. - falava a menina ao telefone virando a esquina, em direção à loja.

Chegou, bateu na porta e nem precisou esperar. Já abriram e após ela entrar, fecharam-na à chave. Daphne largou a bolsa grande colorida que carregava as lanternas, lupas e frascos pra coleta além de outros utensílios e da roupa de Salsicha na mesa.

— Troquem-se enquanto eu vou sondando o local - ela disse, jogando a roupa do menino em suas mãos. Ele foi com o cachorro para a dispensa e ela começou a procurar por pistas.

Ouviu um clique. Uma porta sendo trancada. Por que Salsicha trancaria a dispensa? Não era como se ela fosse querer olhar. Porém não deu muita boa e seguiu a investigar. Começou olhando pelas estantes cheias de potes, separados por ordem de tamanho. Tinha que subir em uma cadeira para conseguir visualizar bem. Nada ali. Foi então para perto dos freezer, recheados do iogurte congelado. Nada parecia fora dos conformes. O sorvete suspeito estava ali mas nenhum indício de anormalidade. Voltou para a entrada então para perto da caixa registradora. Era esquisito por que o ambiente seguia frio e Salsicha ainda demorava para se trocar. Falando em demora também não via Fred. Digitou seu número mas nem chamou.

— Sem bateria como sempre. - a menina suspirou, desapontada mas não supresa. - Salsicha, anda logo!

Foi então que notou o avental pendurado atrás do balcão e em seu bolso pendia uma carta. Com o feição de dúvida e curiosidade, Daphne pegou-a com todo cuidado e um crachá veio junto. Era uma carta de demissão, e como o cartão confirmava, pertencia ao amigo de Velma, aquele do mortuário. Ela não sabia o que pensar: ele trabalhava em dois lugares então? Por que ele havia se demitido? E ainda por cima, depois faleceu (soube na hora quando seus pais ligaram a informando e pedindo que tomasse cuidado; toda informação em Crystal Cove girava rápido).

Sentiu uma respiração em sua nuca. Era quente mas parecia úmido também. Assimilou ali que era o cão.

— Ainda bem que você está aqui,Scooby! O seu amigo vai demorar muito ou o q - perdeu o ar então. Quando virou o corpo, deu de cara com o monstro verde desfigurado.

Ele estava muito perto para correr. Só havia uma opção. Fechou os olhos e desferiu um chute na figura e acelerou para a porta, empurrando, no caminho, uma mesa nele, procurando retardá-lo. Quando chegou à porta começou a força-la. Girava a maçaneta euforicamente e ia virando a cabeça a cada giro para ver o monstro de aproximando. Foi nesse momento que ela lembrou: não adianta tentar, a porta estava trancada e a chave com Salsicha na dispensa.

— Merda! - ela rogou, em um tom choroso, ainda forçando a porta, implorando a Deus que ela cedesse.

Tarde demais. A coisa verde gosmenta já está ali. Colou as costas na porta, virou o rosto, fechou os olhos e começou a chorar. Ele ia trancando seus lados com os braços cheios do que pareciam ser ligamentos, os olhos vermelhos brilhavam ao mesmo tempo que ele rosnava em sua direção.

De súbito, ouve um estouro,e ele voou para longe. Antes de abrir lentamente os olhos fechados, Daphne soltou um grito. Viu então que Fred estava lá, a camiseta branca de gola V que ressaltava seu físico completamente suja com a substância verde, a porta da dispensa estava destruída e Salsicha agachado com as mãos nos joelhos respirando rapidamente, sem ar. Quanto a criatura, ela estava jogada na parede, um pouco abalada mas ainda não imobilizada.

— Rápido antes que ele levante! - avisou Scooby, jogando as chaves para Daphne, que prontamente saíram pela porta.

***

Levou um susto. Caminhava de volta para casa, cabisbaixa,depois de uma noite que fora um total fracasso. Um por um, Velma via a gangue sair correndo da Fruitmeir's, um tropeçando em cima do outro. Mal o último membro saiu, ela pegou seu tazer na bolsa.

— O que está acontecendo? - falou sem receber uma resposta.

Não conseguia entender o porquê de tanta anarquia até que viu o monstro saindo da loja e caminhando para seus colegas. Instintivamente apertou o botão. A arma lançou os cabos eletrificados e transmitiu uma onda de choque que eletrificou a substância e conduziu a todo o cadáver embalsamado, que caia de joelhos e depois com o rosto na calçada, em frente ao grupo caído, assustados, suados e tremendo.

— Ligue para a polícia. - falou Fred para a amiga, olhando a de baixo, lambendo o lábio cortado.

Pegou o celular e ligo para o número de emergência. Com ele no ouvido, Velma olhava em volta agitada.

***

— O que aconteceu aqui? - perguntou o Xerife, o bigode se movendo de um lado a outro, o chapéu e o distintivo imponentes no vestuário.

Não havia 4 minutos e a rua já estava completa de ambulâncias, carros de polícia e os típicos passantes curiosos. O resto dos garotos eram examinados e o monstro estava dentro da viatura, a máscara ainda não removida.

— Eu não sei explicar muito bem, xerife. Eu estava voltando para casa depois de um encontro (ele não precisava saber como ele acabou) e resolvi passar pela Fruitmeir's para encontrar meus amigos. Quando cheguei, ele - Velma apontava para o criminoso na viatura, que a olhava de volta. - estava tentando atacá-los e então eu usei o tazer nele. - terminou jogando os ombros para baixo e olhando fixamente o oficial confuso.

Daphne então veio na direção dos dois. Foi a primeira a ser atendida, estava com a mão enfaixada e um curativo no supercílio e caminhava lentamente com os braços fechados em torno do corpo.

— Eu posso explicar melhor, xerife. Eu, Salsicha e Scooby estávamos investigando a loja. Tínhamos suspeita que poderíamos achar pistas sobre o monstro aqui. Velma descobriu que a substância que tem no corpo dele era muito semelhante ao iogurte. Porém, não encontramos nada e ainda fomos atacados- sentiu um toque caloroso no seu ombro. Virou e viu o garoto loiro ao seu lado. - Por sorte, Fred nos salvou do pior que poderia ter acontecido.

— E como é que vocês entraram? Invasão é crime, garotos. Acho que terei que prendê-los pela noite. Segundo que essa é o que? A décima vez que vocês tentam fazer o meu trabalho?

O xerife Stone era um idiota. Além de ineficiente, ele não se cansava de tentar estragar com a vida do grupo. Todo o problema era reduzido à "imprudência" deles. Felizmente, essa não foi a vez que ele conseguiu se dar tão bem.

— Qual a necessidade disso, Bronson? - o senhor Fruitmeir apareceu, trajando um sorriso na face. Era um homem baixo, de voz estridente. Sempre se vestia de palhaço para alegrar a criançada que visitava a loja mas naquele instante vestia apenas um roupão verde e pantufas. - Tudo o que importa é que o criminoso foi pego e esses jovens estão bem. Eu mesmo contratei aquele jovem magricelo e seu cachorro. Não espere de mim fazer uma queixa.

Os 3 jovens pareciam um pouco surpresos ao ver o dono. Parecia ele ser o único e maior suspeito de ter cometido os crimes. Afinal, ele tinha acesso fácil à matéria-prima. Embora não saberiam dizer bem o motivo, já era o bastante.

— Fred, como que você entrou na loja? Eu fechei ela e estava trancado na despensa e você havia ido ao banco. - Salsicha falou, o grupo agora já reunido enquanto o pessoal especializado analisava os estragos.

— Ah! É mesmo! Eu esqueci de contar para vocês - o garoto começou. - Eu fui no banco sacar um dinheiro e usar p banheiro, né? Mas quando eu cheguei estava fechado. Eu notei algo estranho se movimentar lá dentro então resolvi olhar. Peguei um grampo que tinha e entrei pela porta de trás. Aí a coisa mais louca aconteceu! Praticamente no meio do banco estava uma cratera assim como a do estacionamento. Ainda tinha o mesmo rastro! Então eu pulei pra dentro e vi o grandão. Ele não percebeu que eu estava ali e comecei a seguir ele. Aí que dei na Fruitmeir's e encontrei vocês. - terminou com um sorriso no rosto, olhando para a garota ruiva com as sobrancelhas levantadas e um olhar desorientado.

— Hum... Outra cratera subterrânea, agora da loja ao banco... - foi apenas o que ela acrescentou. O resto dos 5 continuou em silêncio, olhando para o asfalto.

***

Meia hora se passou e eles se mantinham em silêncio. Daphne sentada no chão, destacadamente mais pensativa que os outros, com uma mão na cabeça. Nesse momento, foram chamados por uma enfermeira, que notou que eles gostariam de saber quem estava por trás dos crimes tanto quando qualquer um ali. Se dirigiram para perto do carro da polícia, nervosos (Salsicha e Scooby roíam as unhas ansiosamente).

O xerife Bronson chegou, todo pomposo, como se tivesse ajudado em alguma coisa.

— Veremos agora quem é o palhaço que está por trás dessa máscara. - e a puxou.

O choque foi geral. Todos puxaram o ar e mantiveram. Todavia, não era como se todos realmente conhecessem quem estava debaixo da máscara. Velma era a mais surpresa, a mais decepcionada. Ela conhecia o homem (ou melhor, o garoto); o conhecia muito bem.

— Josh? - perguntou, meio vacilante.

Não teve nem tempo de agir: entre chorar ou pular em cima do garoto. Algo clicou em Daphne e uma chuva de palavras começou a sair da boca dela.

— Claro! - deu um pequeno pulo, batendo as mãos uma vez. - Josh trabalhava em turno duplo. De manhã e de tarde, no mortuário, que permitiria ele esconder evidências dos corpos das vítimas, e, de noite, na Fruitmeir's, o que facilitaria o acesso dele ao material sem grandes suspeitas. Ele planejava cometer o crime final hoje e por isso se demitiu, o que resultou na vaga livre que conseguimos para hoje. A carta e o crachá que ele deixou na loja foram o que que entregaram. - ia apontar para Scooby pegar seu casaco mas ele já estava ali. Mexeu nos bolsos e expôs para todos a carta aberta e o crachá .

— E deixe-me adivinhar. Você planejava roubar o banco e por isso aproveitou as cavernas subterrâneas da cidade para se mover rapidamente sem ser notado. Eu aposto que as entradas no banco e na loja ambas ligariam ao estacionamento na próxima quadra, e aposto, de novo, que há um carro de escape prontinho para a sua fuga. - parou, batendo um pé no chão, com as mãos na cintura e sorrindo.

— Nossa! Que garota esperta! - falou debochado, olhando com raiva para ela. Uma das jornalistas ali perguntou qual era o motivo para tudo aquilo. - Talvez se sua geração não tivesse quebrado a nossa economia, eu poderia entrar em uma faculdade sem trabalhar dois turnos e dever milhares para o financiamento do banco.

Todos com mais de 35 anos ali arregalaram os olhos, no entanto, Scooby e Salsicha apenas olharam um para o outro, balançando a cabeça, concordando com o que o garoto algemado.

— Mentira ele não disse. - o cachorro arfou.

Josh foi posto de volta na viatura. Seu rosto era a imagem da ira.

— Não foi hoje, hein garoto. - o xerife falou antes de pisar no acelerador e sair iluminando a rua com as luzes vermelhas e azuis da sirene.

***

Esperaram todos irem embora antes de saírem da cena do crime. Iam caminhando, sorrindo e discutindo sobre o quão agitada e estranha aquela noite tinha sido.

Exceto, Velma. Ela andava cabisbaixa e pensativa, acompanhando os amigos lentamente. Ia olhando as casas do outro lado da rua, ignorando o que os amigos falavam com a sua própria voz falando na sua cabeça, até que algo chamou seu olhar. Do outro, estava Patrick, escorado na parede de um prédio amarelo antigo, conversando com uma garota loira, com olhar de malícia.

Algo dentro de Velma que estava guardado e acumulado explodiu. Não havia lágrimas por que praticamente toda água do seu corpo foi transformada em saliva para ela poder gritar todos as ofensas e palavrões possíveis ao garoto. A pequena veia na sua testa vermelha pulsava. Ela correu em direção a Patrick e socava e chutava e empurrava e batia. Seus amigos a seguiram mas sem segurá-la. Alguém que tocasse nela naquele momento não sairia ileso.

O garoto que ela tanto sonhava era um babaca. Após chamá-la de louca, entrou em seu carro, ligou à chave e acelerou, mas nem isso foi suficiente para salvar o veículo de ser atingido.

— E leve essa merda com você, escroto! - ela berrou enquanto arrancou o colar que ele havia lhe dado e atirou na direção dele. Ele já estava longe então o colar apenas caiu na calçada

As lágrimas começaram a escorrer nas bochechas redondas de Velma quando ela já estava no chão. Os colegas a consolavam com abraços, tapinhas nas costas e lambidas no rosto (no caso de Scooby). E, rapidamente, Daphne se deslocou do grupo sem ser percebida e foi buscar o colar que a amiga desolada atirou. Podia ouvir a amiga chorando. Pegou com carinho o acessório, uma expressão de ansiedade em sua face, e o colocou na bolsa. Ela não estava pronta para se livrar daquele colar. Não ainda.

—---- fim da 1ª parte -----