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Era grotesco. Um cadáver desmembrado, seus braços conectados ao corpo por restos de ligamentos; o rosto, um crânio quebrado com o cérebro saltando por rachaduras, dentes e unhas grandes e afiadas, olhos vermelhos brilhando, todo o corpo flutuando em uma substância com formato de homem, o monstro olhava diretamente para eles, como uma cobra pronta para dar seu bote.

— Muita calma nesse momento. Façam qualquer coisa menos entrar em pânico. - advertiu Fred

— Fácil dizer, difícil fazer. - retrucou Salsicha, os lábios e pernas tremendo de medo.

— Vamos fazer o seguinte, então: cada um corre em um sentido. Isso vai desorientá-lo . Não parem, nem olhem para trás. - falou - No três! 1, 2... 3!

Quando a contagem de Fred terminou, pulou em ataque mas não acertou ninguém; todos haviam fugido em disparada um para cada lado.

***

Os sapatos Oxford de Velma batiam no piso de cimento e o som fluía pelo estacionamento vazio. Os carros parados eram sombras na sua visão, com os óculos balançando em seu rosto, a garota tentava focar nos setores marcados nos pilares, em busca da Máquina de Mistério, parada na seção E9. No entanto, ela tropeçou em uma rachadura e caiu no chão e, junto com ela, seus óculos, a única fonte de clareza para seus olhos.

— Meus óculos! Não consigo ver sem meus óculos! - exclamou Velma, incomodada com a regularidade com que isso acontecia.

Passos lentos começaram a ecoar, cada vez mais barulhentos conforme algo se aproximava. À mercê de sua audição, Velma começou a ficar com medo. A garota esperta e astuta estava amedrontada, esse era seu fim.

— Aqui está, senhorita. - uma bela voz masculina comentou enquanto segurava os óculos da garota na mão.

Quando Velma colocou os óculos ela pôde ver seu salvador. Analisar seria a melhor palavra. Ela não tirava seus olhos dele, aquele charmoso garoto, cabelo castanho, olhos azuis como o mar, alto, perfeito aos olhares da adolescente, que agradeceu acanhada pela ajuda.

— Será sempre um prazer ajudar uma donzela em perigo. A propósito, meu nome é Patrick Wisley. - o garoto acrescentou - Acho que isso aqui é seu, mademoiselle.

Donzela indefesa? Qualquer outro garoto que dissesse isso levaria um soco. Mas ele fala francês, pensava Velma, suspirando. Na mão de Patrick estava um encantador medalhão de ouro. Ela ia explicar que não pertencia a ela, mas quando ele começou a prender a corrente em seu pescoço, ela não pôde resistir, ela o queria, era tudo que sempre quis, como se ele fosse desenhado sob medida para ela.

— Você quer sair algum dia desses? - perguntou Velma, sem pestanejar.

— Eu adoraria. - Patrick respondeu - Terça-feira, por volta das dezenove horas?

— Perfeito falou.

Trocaram números de telefone e se despediram. Alguns preferem não aceitar doces de estranhos, mas será que os pais de Velma incluíam garotos lindos e com um ar de inteligente nessa categoria? A garota não haveria de saber. Tampouco se importava.

***

O resto do grupo continuou correndo. Scooby e Salsicha se esconderam perto de uma caminhonete e ficaram lá. O monstro, graças a Deus, passou por eles. Entretanto, ele foi atrás de Daphne. Parecia não importar o quanto corria, ele sempre estava chegando mais perto. Foi então que avistou o elevador aberto, no fim do corredor de carros. Desamarrou os tênis rosa de cano alto agilmente e disparou, as meias brancas tocavam o chão sujo.

Conseguiu chegar e apertou qualquer botão. Contudo, a criatura continuou se aproximando e a porta não fechava logo.

— Por favor! - implorava Daphne ao teto, a ponto de chorar, batendo o pé no chão como uma criança fazendo birra.

Felizmente, no momento em que ele recém penetrava o elevador com as mãos, as portas se fecham em seu braço e ele o retira, grunhindo de dor e raiva. Quando chegou no andar ( percebeu que havia apertado no 5º andar), Daphne estava sentada no chão, a cabeça apoiada na parede de metal frio, respirando forte e suada. Aí que pegou seu telefone e mandou uma mensagem. Estava bem. O mostrei possivelmente tinha ido embora. Deveriam se encontrar perto da Máquina. Terminou, bloqueou a tela do telefone, deixando-o ao seu lado e desatou a chorar.

***

— Por onde você andava? - exclamou Daphne, preocupada com a amiga e estressada por sua demora. Logo ela pôde perceber o ornamento dourado em volta do pescoço da outra menina. Subindo o tom um pouco, falou - E aonde você achou esse colar?

O resto da turma estava esperando em frente a van fazia 10 minutos, o monstro que os perseguia, misteriosamente desaparecido.

— Eu encontrei esse garoto, Patrick, e ele me deu esse medalhão. Não é romântico? - Velma falou, a cabeça nas nuvens.

— No caso de um estranho, isso está mais para "bem problemático" - caçoou Salsicha.

— Perigoso. - acrescentou Scooby com uma expressão de desaprovação. O amigo concordou com um " é".

Daphne se segurou muito para não discutir com a amiga. Ela assustou todos eles e por um garoto! E aquele colar! De aonde veio?

Velma manteve uma cara emburrada. Por que não entendiam ela? Não é como se Daphne não faria isso se fosse Fred.

Enfim, eles precisavam assimilar as suas ideias, um novo mistério havia começado. Então, como geralmente faziam com seus deveres escolares, a gangue deixou tudo para o outro dia.

— Qual o seu problema, Salsicha?

— Só acho que a gente deveria esquecer isso e seguir em frente, Velma.

Faltavam 15 minutos para acabar a aula e a gangue ainda não havia copiado nada em seus cadernos. Todos estavam muito preocupados com a aparição do outro dia que não saia de suas cabeças. Mas, principalmente, na cabeça de Daphne algo a mais a aflijia. Não era que ela negasse a possibilidade de um garoto chegar em Velma mas estava tudo muito estranho. O colar que a amiga havia "ganhado" (já não sabia se era a palavra certa) parecia esconder muito mais do que somente os olhos poderiam ver. E ela havia decidido que essa tarde iria investigar sobre o assunto. Por isso, durante o almoço, pegou o colar sorrateiramente da mochila de Velma e guardou na bolsa.

— Tudo bem, Daph? perguntava Fred, incomodado com o silêncio da amiga.

— Tudo bem. Eu acho que vocês deviam voltar ao estacionamento, sim, e inspecionar o local. Podem haver pistas sobre o monstro.

— E, tipo, passar no Frutmeir's antes pra pegar um sorvete! De qualquer jeito, é no caminho. -sugeriu Salsicha.

O sinal toca e eles saem da sala. Os corredores lotam de pessoas indo e vindo. O Colégio de Crystal Cove era o maior da cidade e não surpreendia que toda cidade andasse por lá. Ainda mais com o gigante acervo da Biblioteca pública que ficava logo ao lado. E era pra lá que Daphne iria.

— Eu amaria ir com vocês, pessoal. Mas eu tenho um trabalho enorme para amanhã que vai me segurar na biblioteca toda a tarde. So sorry. -a menina ia falando enquanto se afastava do grupo até se virar e partir pelo corredor.

— O que é que deu nela?

— Meninas, Salsicha. Meninas. -fala Fred colocando a mão no seu ombro.
Velma revira os olhos e eles se direcionam à saída.

***

Chegando na sorveteira, a gangue se depara com uma fila gigantesca.

NOVO SABOR DE SORVETE: GELATINA DE MAÇÃ VERDE.

— Nós realmente teremos que esperar pra isso? - Velma reclamava, sem muita paciência para as manias de Salsicha e Scooby.

— Claro que sim! Tipo, é uma experiência única e imperdível na vida! - falou o amigo

— É mesmo! - concordava seu cão.

Uma hora e meia na fila e a recompensa era uma pasta molenga e verde clara em um potinho de 150 ml. Não que fosse uma sobremesa ruim, todas as crianças e adolescentes de Crystal Cove amavam mas os sobrepreços do Fruitmeir's unido a sua recém chegada à cidade era estranha.

O grupo, após comerem (Velma pediu apenas uma água mineral) então se dirigiu ao estacionamento, o real objetivo desde o começo. Aquela investigação iria até tarde, pelo visto.

***

Já faziam 2 horas que Daphne estava na biblioteca. Resolvera observar os anuários do colégio por que se aquele colar pertencia a alguém, essa pessoa teria de ter estudado ali. Quando chegou na quinta leva (ela ia pegando os anuários de 10 em 10, começando na década de 30), algo estranho. No anuário de 1983, diversas fotos haviam sido recortadas. Judy Reeves, Brad Chiles, Cassidy Williams e Richard Owens. E enquanto folhava em busca de mais jovens sem identificação, algo clicou em sua mente: e se houver uma ligação entre esses quatro? Então pulou direto para as páginas de grupos e clubes e lá estava. MISTÉRIO SOCIEDADE ANÔNIMA. BRAD, CASSIDY, JUDY, RICKY E SEU MASCOTE DR. PÉRICLES. Contudo, mais uma vez, a foto havia sido retirada.

— Quem não quer que vocês sejam encontrados?- sussurrava Daphne pra sim mesmo.

Um ruído. As luzes se apagam.

— Ei! Eu ainda estou aqui! Ei!- sua voz ecoava pela larga biblioteca. - Tem alguém aí?

Mais um barulho. Pés caminhando. Ela não estava sozinha ali.

— Quem for que seja é melhor parar com essa palhaçada!- a garota era corajosa mas uma ponta de medo tomou seu corpo naquele momento.

Ela se vira e se joga para a esquerda a tempo de evitar uma estante de madeira inteira vindo em sua direção. A porta da biblioteca abre, deixando uma brecha de luz entrar no recinto. Ela pega sua bolsa da mesa rápido e sai correndo atrás de quem quer que fosse que havia deixado a biblioteca (e provavelmente empurrado a estante sobre ela).

Daphne atravessa os corredores vazios do colégio, contornando cada esquina, seguindo a sombra do suspeito. Até que... PUF! Ela tropeça e cai em cheio no chão de azulejos xadrez.

— Droga! Pra onde você foi?- ela levanta calmamente e espana a sujeira da roupa.

Estava estressada. Horas perdidas para não descobrir a origem do pingente e ainda ficar com outra dúvida na cabeça: quem seriam aqueles jovens? Não bastasse, também quase machucou-se e feio. Ela se dirige pra saída quando percebe que a porta do banheiro feminino estava entreaberta. Estranho, no mínimo. E só havia uma pessoa ali que poderia e, por uma questão de honra, deveria investigar. Ninguém assustava Daphne Blake.