Desci do balcão sendo guiada por Nathaniel pelos corredores do castelo até chegarmos a um pequeno jardim de rosas que ficava isolado por uma estufa de vidro.

O lugar parecia muito bem cuidado mas não me parecia um ponto do castelo visitado com frequência.

—Vamos comer aqui hoje,o clima esta ótimo e as rosas vão nos fazer companhia.

Ele me soltou, levou a pequena cesta até uma mesa de bronze com três cadeiras em volta e me chamou com a mão.

Comemos em silêncio enquanto eu sentia seus olhos me sondando atentamente.

—Tem algo te incomodando hoje,o que é? -Perguntei me levantando e me aproximando de uma rosa carmesim.

Dei a volta pelo lugar sentindo seu olhar em minhas costas enquanto eu tocava as rosas.Num instante de imprudência cortei a ponta do dedo num espinho.

Em segundos Nathaniel estava ao meu lado com um lenço envolvendo meu dedo.Hoje aqueles olhos azuis estavam fundos,cansados e ansiosos.

Por um lado eu não tinha nada a ver com ele e não deveria me apegar a alguém que não fará parte da minha vida,mas por outro lado eu o queria bem, não o via como inimigo até onde tínhamos convivido.

— Sua...a mulher que te criou teve muitos motivos pra te tirar daqui.Ela salvou sua vida. Nosso pai recebeu essa manhã várias cartas escondidas e certos documentos em que nossa mãe falava com ela pedindo que levasse você daqui e a salvasse.Não foi por loucura ou qualquer outra coisa.Ela tinha uma missão que era cuidar de você até receber o sinal e te devolver,mas nossa mãe nunca deu o sinal por que morreu antes de poder fazer isso.

Minha cabeça zunia enquanto eu respirava fundo tentando por as coisas no lugar.

Eu era alvo de alguém,fui tirada daqui pra que ficasse segura.Minha mãe estava numa missão comigo e mesmo depois de não ter retorno ela se manteve fiel a rainha e ao seu propósito.

Até que depois de tanto tempo ela se apegou a mim e se tornou minha mãe.

Coisas ali não se encaixavam.

—Vocês são mais idiotas do que eu pensava -Falei soltando minha mão e me afastando.

Minha cabeça trabalhava acelerada enquanto tudo ,todas as mudanças que fiz ao longo dos anos com minha mãe,toda a discrição e todas essas informações que eu agora tinha formavam um quadro.

—Se sua mãe me tirou daqui por que eu corria risco de vida ficando,o que garante a vocês que eu não volte a correr esse mesmo risco,se não pior?

Ele me encarava sério tentando se aproximar mas eu recuei olhando no fundo dos seus olhos.

—Eu preciso sair daqui,preciso ver minha mãe e saber o que aconteceu.Se ela me ajudou então ela também corre risco.

Caminhei até a porta da estufa abrindo a porta e respirando fundo antes de me voltar a ele.

—Nathaniel,a coisa aqui é muito maior do que o sonho de seu pai de me ter por perto como uma família.Eu fui criada fora daqui por uma razão e se vocês forem inteligentes deveriam ter me deixado exatamente onde eu estava.

Fechei a porta e saí andando a passos rápidos pelos corredores até chegar no grande salão dos escudos em que tinha me encontrado com o rei encontrando-o ali coçando a cabeça e rodeado de pessoas com papéis,computadores e um incessante toque de celulares que eram atendidos nervosamente.

— A situação é muito delicada aqui senhor,talvez se ela fosse levada a um outro castelo seu,se ficasse um pouco distante daqui enquanto procuramos os culpados.

Um homem forte e grisalho com cumprimentos terno preto falava duramente enquanto soltava o nó da gravata.

— A mulher que a criou fez um ótimo serviço a mantendo fora do radar por todo esse tempo.Agora que está livre da tarefa nós devemos libertá-la pelos serviços que prestou a rainha meu senhor.

Outro homem falava em tom conciliador dando voltas com seu anel de sinete no mindinho.

—Ela foi liberada esta manhã Charles,concordou com o que oferecemos e hoje já está partindo.Vamos vigiá-la para que não corra riscos,mas não aconselho que a princesa a veja por que isso deixaria tudo mais complicado,talvez a exporia a um risco maior ainda e a mulher poderia até ser morta pelo inimigo.

Respirei fundo me apoiando numa pilastra e processando as informações.Até que vi o rei levantando-se cansado e bagunçando seus cabelos dourados pra todas as direções.

—Ela será protegida pela coroa e recompensada por sua fidelidade,mas minha filha fica aqui comigo,apenas agiremos com a estratégia contrária ao que qualquer um pensaria.Ela será exibida ao povo para que não haja dúvidas de que a princesa retornou a seu trono.E eu não proibi que ela visse minha filha,mostrei misericórdia apesar de achar um erro e ofereci um encontro entre as duas mas ela dispensou dizendo que finalmente poderia seguir a vida.

Minha cabeça girou e eu dei um passo em falso revelando minha presença.

Todos ali me olharam espantados enquanto o rei vinha em minha direção preocupado.Virei o corpo e disparei correndo e passando por todos os criados nos corredores até chegar ao meu quarto.

—Saiam daqui!-Ordenei apontando pra porta.

Jenna e Nelli se entreolharam confusas enquanto tentavam se aproximar.

—Que inferno! Mandei sairem daqui estão surdas? - Gritei atirando um vaso contra a porta.

As duas saíram em silêncio e eu fechei as portas. Tomei fôlego e arrastei o sofá da frente da cama até a porta para bloquear a passagem de quem quer que fosse.

Meu peito queimava com todas as informações formando um doloroso quebra cabeças na minha frente me mostrando tudo o que vinha acontecendo pelas minhas costas.

Eu estava ameaçada de morte desde muito jovem,o rei queria me usar como um peão pra mostrar a não faço ideia de quem que ele não tinha medo,mas o que mais estava me machucando era o fato de que ela não queria me ver.Por que?Ela tinha medo do risco?Tinha se cansado de mim?

A realidade me atingiu.

Em todos esses anos ela nunca se casou ou viu alguém,sempre andando com medo de ter amizades,de chamar a atenção pra nós.Sempre isoladas dos bairros onde vivíamos,sempre só nós duas.

Fazia sentido ela estar cansada disso,mas a informação não fazia com que doesse menos.

Engoli em seco abraçando minhas pernas enquanto eu sentava no chão frio de pedra.

Eu era um fardo.

Pra ela por que teve que abdicar da vida por mim e pro rei por que eu estava na mira de alguém.

Ninguém gostava de mim,eu era apenas uma missão,um brinquedo sendo jogado de um lado pro outro.

Enquanto eu estava absorta em pensamentos alguém chacoalhava o trinco da porta sem parar.Me pus em pé num salto segurando um longo vaso de cristal que estava apoiado na mesa.

—Senhorita abra a porta agora,seu pai está pedindo que desça pra conversarem durante o jantar.- Jenna insistia.

Atirei o vaso na porta vendo a explosão de cacos de cristal ,água e pétalas de rosas que estourava diante de mim.

—Saiam daqui!Eu não quero ver ninguém,falar com ninguém,ouvir ninguém! Só quero que me deixem em paz nesse inferno!

Gritei ouvindo suspiros de surpresa enquanto derrubava a penteadeira em frente ao sofá pra criar uma resistência maior caso alguém tentasse entrar a força.

—Mande seu rei e todos vocês junto pro inferno!Eu não tenho nada o que discutir .Me deixem em paz!

O trinco parou de chacoalhar e um silêncio mortal se instaurou no corredor enquanto eu ouvia passos rápidos ficando distantes.Sequei o suor da testa e me atirei na cama me enrolando por debaixo das cobertas.

Muitas horas se passaram enquanto da janela eu via o sol raiar por detrás dos sufocantes muros de pedra branca que circundavam o jardim.

Durante todo o dia felizmente ninguém tentou me incomodar ou forçar a porta.

Se eu quisesse água eu poderia beber da banheira,se tivesse fome tinham chocolates e frutas numa cesta sob a mesma.

Mas não era o caso.

Felizmente Nico ficou pra fora do quarto então eu não tinha com quem me preocupar.

Eu não tinha mais lágrimas pra derramar,não tinha por que me manter firme aqui se não tinha motivo nenhum pra me manter em pé.

A tarde caía laranja e o azul da noite tingia o céu quanto ouvi os inconfundíveis passos de David ecoando pelo corredor.Pouco antes da porta eles pararam e o ouvi sentar-se no chão.

Uma gaita então começou a soar com uma melodia triste e longa que enchia meus ouvidos e incomodava meu coração vazio.Por longos minutos ela se estendeu ecoando no ar enquanto o frio da noite entrava.

—Boa noite Annie,quando quiser conversar vou estar aqui.

Abracei minhas pernas vendo a lua despontar no céu.Não havia o que falar,não havia propósito ou vontade pra isso.