Edgar chegou em casa desolado, deprimido. Nunca pensou que pudesse sair daquele baile tão magoado, devido à suposta fuga da tal moça que conhecera. Estava um trapo quando caiu na cama e por isso, foi um alívio quando finalmente conseguiu adormecer.

De manhã, acordou com sua mãe entrando no quarto:

— Edgar… – disse ela ao abrir a porta em voz baixa.

Porém, de nada adiantou. Por isso, Margarida entrou e se chegou ao pé da cama de seu filho, onde aí falou em voz alta:

— Edgar!!

Ele sussurrou qualquer coisa e se mexeu, mas mesmo assim teimava em não acordar. Sua mãe o tocou e disse:

— Filho!

— Laura… - sussurrou Edgar.

— Laura?! – questionou Margarida, surpresa. — Filho, acorda!

Ele teimava em não acordar e por isso Margarida decidiu abrir as cortinas para a luz entrar. Um raio de luz bateu nos olhos de Edgar e aí ele adordou:

— Filho, acorde! Precisamos de ir para a missa. - disse Margarida, que logo a seguir saiu e bateu a porta.

Edgar foi assim aos poucos despertando, depois do pesadelo pelo qual tinha passado na noite anterior. Revigorado depois do um bom sono, se levantou e se vestiu.

Durante o café-da-manhã, pouco ou nada falou com seus pais, estando ainda pensativo e perplexo com o que lhe tinha acontecido no dia anterior. Os três saíram em direção à Igreja. No caminho, Edgar continuava pensativo e a imagem de Laura não lhe saía da cabeça. Que mistério era aquele, meu Deus? Teria ela mesmo fugido dele?

Quando Edgar e seus pais entraram na Igreja, a Missa estava prestes a começar. Era uma igreja que costumava encher muito em suas celebrações e quem chegasse em cima da hora, ou ficava de pé, ou arranjava lugar nos bancos de trás. Foi o que aconteceu nesse dia com os Vieiras: Bonifácio e Margarida ficaram sentados num banco de trás, enquanto Edgar ficou atrás de pé.

Cá atrás o herdeiro Vieira ficou assistindo à cerimônia, entediado e triste, ainda revoltado com aquilo que lhe acontecera. Todo o mundo lhe parecia igual: todos os fiéis de costas, as mulheres de vestido comprido e de mantilha e os homens de paletó e de chapéu. “Que vidinha mais chata!” – pensava ele.

Tudo estava sendo realmente chato para Edgar até ao momento que ele teve uma surpresa: no momento da comunhão, ele viu Laura se dirigindo para um banco do meio. Uma palpitação gigantesca se iniciou em seu coração, mal ele viu a moça e era ela, ele tinha a certeza!

Uma mistura de raiva, medo e alegria o comovia naquele momento: alegria, pois ele tinha gostado da moça, raiva, pois se sentiu traído por ela e medo, pois inconscientemente temia se magoar de novo. Tudo dentro dele tremia de ansiedade, de nervosismo. A missa finalmente acabou e Edgar cá fora esperou ansiosamente que Laura saísse. Foi aí que então ele finalmente a viu; era realmente ela. Mal seus olhares se cruzaram, ambos se comoveram. Edgar a olhava, parado, petrificado e Laura, envergonhada, resolveu ir ao seu encontro:

— Me perdoe! – disse ela com humildade.

— O que aconteceu? Porque fugiu ontem, sem me dizer nada?! – perguntou Edgar, um pouco zangado.

— Eu não fugi... – respondeu ela um pouco ofendida. — Simplesmente me obrigaram a ir embora… - respondeu ela em voz baixa.

— Quem?! – questionou Edgar.

Laura ficou um pouco inibida com a questão que o rapaz lhe colocara. Foi aí que sua mãe saiu da Igreja, Dona Filomena Camargo, a tal dama autoritária e antipática. Laura a olhou e logo de seguida olhou para Edgar. Ela comunicou com ele através de seu olhar, o que o fez entender o motivo de sua “fuga”.

Dona Filomena olhava sua filha desconfiada, como se a estivesse vigiando dos perigos.

— Tenho de ir andando. Me perdoe, mais uma vez!

— Espere! – pediu Edgar. — Preciso de vê-la novamente… quero vê-la novamente. Onde a posso encontrar?

Dona Filomena que estava falando com umas amigas não gostou da companhia de sua filha e por isso, decidiu chamá-la:

— Laura!

— Tenho de ir… - disse Laura.

— Onde posso encontrá-la?

Laura ficou um pouco indecisa, sem saber o que responder, até porque se sentia observada por sua mãe, mas subitamente, ela decidiu lhe responder:

— Amanhã às 15h00, aqui mesmo. Adeus. – disse Laura discretamente.

Ela foi ter com sua mãe, deixando Edgar com um sorriso na cara de uma orelha a outra.

Ela se afastou e ele a ficou olhando, encantado, feliz com aquele reencontro.

Edgar ao voltar para casa parecia outra pessoa; vinha agora rejuvenescido, leve, com um ar esperançoso, a total antítese do estado em que se encontrava antes. Era tão bom sentir que estava sendo correspondido: “Ela não me é indiferente!!” – cogitava ele.

Mal chegou em seu quarto se deitou na cama, completamente eufórico, sorridente, parecendo que estava nas nuvens. Porém todos esses pensamentos paradisíacos foram subitamente interrompidos por uma sombra: se lembrara de uma maluqueira que tinha feito durante a sua estada em Portugal, ao que se poderia chamar um devaneio de juventude; a suposta loucura envolvia uma mulher que ele conhecera, por quem se apaixonara e com quem ele teve um caso que terminou em casamento. Todavia, a união de fato não chegou a durar uma semana, pois como se diz em linguagem popular, a marafona lhe pôs os chifres, ainda a cama da noite de núpcias estava quente. Ele se separou dela e nunca a mais a quis ver.

Depois daquela má experiência, conhecer uma moça como Laura foi um tónico. Porém, segundo a lei de Deus, ele ficaria para sempre unido à marafona, até que a morte os separasse. Seria aquilo correto? Teria aquele casamento alguma validade? De certo que se Edgar se tivesse casado no Brasil, ele teria com certeza pedido a nulidade do casamento. No entanto, dado essa união ter sido celebrada no outro lado do Oceano, durante uma permanência temporária, isso seria muito mais difícil.

Edgar se encontrava dividido, constrangido com tal preocupação. Estaria ele condenado a nunca mais poder casar, a constituir uma família ao lado de uma moça exemplar, como esta lhe pareceu? Preocupado, decidiu partilhar suas angústias junto de Carlos, o amigo que tinha presenciado a maluqueira dele em Portugal. Ele saiu de casa e foi então em direção à residência de seu amigo, que como era habitual, o recebeu de braços abertos:

— Então campeão! Não esperava tua visita tão cedo… - disse Carlos que reparou na cara de angustiado de Edgar. — O que é que houve? Você está com uma cara tão estranha.

— Posso entrar? – perguntou ele.

— Claro que sim, entra.

Edgar entrou e os dois se dirigiram até a sala do apartamento de Carlos.

— Então me fala. Sou todo ouvidos.

Edgar se levantou, começou a andar pela sala e disse:

— Carlos, conheci ontem uma moça encantadora…

— Não!

— Sim!

— Ela também te acha encantador? – perguntou Carlos.

— Pela atitude que teve comigo, ela não me é indiferente! – respondeu Edgar, sorrindo.

— Então, vá em frente! O que você está à espera?

Edgar se sentou no sofá, olhou seu amigo e lhe disse com uma expressão séria:

— Você por acaso se esqueceu da maluquice que eu fiz em Portugal?

— Exatamente, maluquice, como você diz e sendo uma maluquice, não tem qualquer valor algum!

— Mas eu me casei com aquela…

— Seu casamento foi uma farsa, uma anedota, sem qualquer validade. – retorquiu Carlos com convicção.

— Eu devia ter ficado mais tempo em Portugal para conseguir a nulidade de meu casamento! – disse Edgar com as mãos na cabeça.

— Edgar, esqueça isso. Seria praticamente impossível com a marafona fora. Para além do mais, uma anulação demora tempo.

— Que é que eu faço então? – perguntava Edgar desesperado.

— Já te disse. Vai em frente! Primeiro, porque como lhe disse seu casamento foi falso e segundo, porque ninguém saberá dessa maluqueira. Esqueça! Você é um homem livre!

— Não me sinto nada livre, muito pelo contrário. – disse Edgar entristecido. — Ante-ontem tive um sonho que expressava a minha sensação de prisão.

De fato, Edgar se sentia preso, assombrado por um estúpido erro seu do passado, que como Carlos lhe tinha dito, não teria validade nenhuma, dadas as circunstâncias em que se realizou. Porém, a sua angústia permanecia, temendo de alguma forma estar a ser desonesto em dar continuidade ao novo relacionamento que tanto desejava. Seria correto estar a ocultar um segredo destes a Laura, que canonicamente impediria sua união com ela? Edgar se encontrava dividido. Que deveria fazer ele: dar continuidade ao seu desejo de felicidade ao lado de mulher, esquecendo no entanto os cânones da Igreja, ou então, respeitar esses mesmos cânones e abdicar da felicidade ao lado dela. Naquele momento eram os dois cenários que se colocavam na sua frente.