Dessa vez ele estava irritado. Furioso, na verdade. Sua impaciência estava deixando-o louco. Olhava o relógio de bolso (que roubara do mordomo mais cedo) a cada cinco ou seis minutos. Normalmente não fica tão irritado em situações desse tipo, mas dessa vez é diferente. Desta vez há sentimento mútuo! Enfiou o punho em uma das paredes. Queria tirar aquelas cenas vindas do fundo de sua maldita imaginação, aquelas falsas cenas que o torturavam ainda mais, todavia não conseguia bani-las de sua cabeça. Só podia ser masoquista. Afastou o braço da parede de pedra, tinha que manter o centro ou derrubaria a mansão aos murros. Escondeu os buracos da parede com uma cortina de veludo vermelho próxima, não pode deixar de evitar a interrogação: Para que uma cortina se não havia janelas no porão? Sacudiu a cabeça voltando a andar em círculos com os punhos fortemente fechados.

Rosnou alto quando o assunto voltou a atormentar-lhe. Quem diabos é esse tal de Louis? O que ele queria com SUA mestra? E o pior: o que ela tem com ele para ter aceitado seu convite sem fazer cara feia, de bom grado, logo de primeira? Estava ficando mais impaciente. Queria estrangular o rapaz com apenas uma mão, até podia ouvir o barulho dos ossos se quebrando entre seus dedos. Estava com raiva de Integra também, não acreditou na historinha de que eles eram grandes amigos na infância. Quis gritar um enorme “foda-se” quando a Hellsing lhe deu essa vaga ‘explicação’.

Jogou-se na cadeira que mais parecia um trono de um rei vencido. Rodava o relógio entre os dedos. Alguma coisa tinha ai. Ela nunca aceitou um convite de qualquer maldito que seja. Tirou do bolso do sobretudo a carta destinada à sua mestra (a conseguiu da mesma forma que o relógio), releu só para se torturar mais um pouco, só para ter certeza que aquilo era de fato um convite, um convite para o que os humanos dessa época chamam de ‘encontro’. Amassou o papel com ira. Merda! Aquele maldito francês que escrevera milhões de ‘Ma Cherie’ em um único texto teria a chance de vê-la em um belo vestido social, um vestido comprado pela própria Integra especialmente para a ocasião. Se houvesse um tipo de medidor de ciúmes, Alucard o estouraria.

Se pelo menos pudesse espioná-los naquele maldito restaurante! Mas fora proibido de sair da mansão em suas ‘noites de folga’. Olhou o relógio de novo. Era preciso quatro horas para comer três minúsculos pratos em um restaurante caro? Seus olhos arregalaram, suas narinas dilataram e sua mente insana fez questão que cogitar algo até agora impensável: e se aquele maldito tiver conseguido algo mais do que uma conversa durante o jantar? Faria todo o sentido e alimentaria seu ciúme como querosene em um incêndio. Profanou vários palavrões e xingamentos em romeno. Voltou a andar em círculos quando cenas no mínimo indevidas invadiram-lhe a mente.

Aquilo era cruel. Poderia entrar na mente de Integra, ou até a do rapaz e acabar com isso naquele momento. Mas não tinha coragem de fazê-lo, talvez porque tivesse medo de estar certo. Às vezes a dúvida é melhor do que a certeza do pior. Olhou o relógio novamente. Rosnava e rangia os dentes afiados a cada três passos. Sua mente teimosa não parava de questionar o maldito hotel que poderiam estar agora. Não conseguia parar de pensar em coisas profanas, queria enfiar a cabeça no Tâmisa para parar com aquela seção de tortura.

Estava cogitando espancar o primeiro soldado que estivesse à paisana na mansão quando aquele cheiro invadiu-lhe as narinas. Atravessou uma das paredes, queria sentir de mais perto, certificar-se, ter absoluta certeza. Escondeu-se nas sombras do quarto enquanto a Hellsing entrava no banheiro. Fechou os olhos sentindo-se deliciado e aliviado com o cheiro de sangue puro, mas junto dele sentiu um diferente, o maldito aroma que provavelmente vinha do francês intrometido. Adotou a expressão séria quando Integra voltou sua atenção para o espelho da penteadeira e sorrindo discretamente.

“Por que está fedendo à aquele imprestável?” Vociferou, um pouco mais contido, sem sair das sombras. Mas não resistiu ao medi-la naquele vestido negro até um palmo acima dos joelhos.

“Boa noite para você também, Alucard” Ignorou a pergunta tirando os brincos.

“Já é madrugada” Ele alertou finalmente revelando-se e tendo melhor vista da pernas cobertas por uma fina meia calça da mesma cor que o vestido.

“Percebi” respondeu sem olhá-lo.

“Por que demorou tanto? Por que esse cheiro esta impregnado em você?” chegou mais perto.

“Se esqueceu que é o servo?” Levantou uma sobrancelha.

“O que estavam fazendo?” Não conseguia parar de descobrir os detalhes do traje da outra. Jurou em sua mente que só encarava o tecido transparente no colo e ombros da moça porque procurava ‘pistas’.

“Você só sabe fazer perguntas?” cruzou os braços perdendo a paciência.

“As faço porque quero respostas, Ma Cherie” Foi irônico na última parte, mas ainda estava sério, bravo e enciumado.

“Leia minha mente então” Desafiou vitoriosa “Não é o que costuma fazer?!” se aproximou mais.

Aquilo o pegou. Não o faria dessa vez, de maneira nenhuma, ainda tinha medo do que poderia ver.

“Quero ouvi-las...” Foi frio, diferente dos lábios que tocaram os seus. Fingiu-se gélido e indiferente por meros segundos, para depois quase implorar por mais quando ela se separou.

“Não se preocupe” Sorriu vitoriosa “Ainda é meu favorito”