Dia 3

O alfaiate alisou a barra da calça e enfiou mais um alfinete na dobra que havia feito. Era difícil manter a calma e a precisão com a confusão ao seu redor.

O príncipe Liam mantinha-se em pé na plataforma enquanto meia dúzia de funcionários giravam ao seu redor e ele tinha dificuldade em acompanhar tudo. Era a sua primeira prova do traje que usaria para a recepção das selecionadas que seria na próxima semana.

—Qual combina mais? A azul-celeste ou a azul-esverdeada? – Indagou uma mulher, aproximando duas gravatas de seu rosto.

—William. – Bradou outro funcionário, em tom imponente que fez o príncipe olhar para ele, assustado. – É um belo nome. Muito sonoro. Digno de realeza. Além disso, é maior que Liam. Podemos alterar isso, pregar que Liam é o diminutivo de William.

—Quer mudar meu nome? – O jovem se inclinou inconscientemente e o costureiro que media a largura de seu tronco perdeu a medida.

—É como vender um livro. – O homem disse, rabiscando coisas numa prancheta. – A capa é que vende primeiro.

Liam apertou os olhos, tentando entender o raciocínio do seu produtor – ele sequer lembrava do nome dele.

—Não há algum ditado que diz que... Não devemos julgar um livro pela capa? - O príncipe tentou lembrar.

O produtor o olhou de cima a baixa com o nariz franzido.

—Ainda bem que não, né, criança? Porque se não, eu ein!

O príncipe achou que deveria julgar aquilo como uma ofensa. Antes que algum dos dois pudesse dizer qualquer coisa, a mulher com as gravatas voltou a falar.

—Acho que a azul-esverdeada é a melhor escolha! Combina com seus olhos.

—Meus olhos são castanhos. – Observou Liam, sentindo-se sufocado.

—Então será a celeste.

Sentindo que o mundo não mais fazia sentido, o príncipe abriu espaço e se afastou de todos. Desceu da plataforma e saiu do quarto com as agulhas ainda enfiadas no terno e o a camiseta aberta, cheia de fios soltos da costura, sob protestos dos funcionários.

Antes de sair, ele parou à porte e disse, atrapalhado:

—Vocês podem querer ter um livro diferente, com uma capa mais bonita. Mas vão ter que se contentar com o que têm.

Foi embora pensando que aquela deveria ser a frase mais sem sentido já dita por um príncipe da Nova Irlanda. Pelo menos nisso ele era o primeiro.

♕♕♕

O Conde Douglas caiu sentado no sofá como se pesasse uma tonelada. Sua esposa se aproximou dele, e sorriu ao vê-lo tão cansado.

—Difícil? – Perguntou. Apenas uma palavra, mas cheia de entonações inusitadas.

Ele observou a Condessa Maire como se aquela mulher tivesse vindo de um outro planeta e possuía um espírito que ele ainda tentava entender.

Quando Liam ainda era uma criança, Maire sofreu um acidente de carro e perdeu quase totalmente a audição. A família permaneceu ao seu lado em todos os momentos, mas ela tinha uma força de vontade e empenho própria que quase dispensava ajuda. Insistiu em aprender linguagens de sinais e fazer terapia toda semana, o que permitiu que ela continuasse exercitando a atenção aos poucos sons que conseguia ouvir e que continuasse se comunicando, ao menos minimamente, com a sua voz.

O conde não sabia de onde vinha tanta força. A Condessa Maire era dona de uma alegria e positividade imensa e teimosa ao extremo não havia quem a dissuadisse de suas ideias.

Douglas tocou o rosto dela com a mão.

—Você existe mesmo? – Ele questionou.

Ela franziu as sobrancelhas, tentando entender, mas logo ele repetiu com gestos, e fez um coração no final.

Maire revirou os olhos e assoprou a franja para longe do rosto. Cutucou o peito do marido e ergueu os ombros.

Fale de você, ela pedia.

Douglas suspirou outra vez ao lembrar-se do seu dia.

—É bem diferente de casa. – Ele disse e fez os sinais necessários.

Ela lhe lançou um olhar solidário, de quem concorda e em seguida lhe perguntou se tinha visto o filho, pois sentia falta dele.

—Não o vejo desde o café da manhã.

—É o príncipe. Agora. — Ela completou a frase com outros gestos.

—Tem razão. – Ele apoiou a explicação sugerida por Maire, tentando evitar outro suspiro pesado. Com a apresentação de seu filho como Príncipe Herdeiro de Nova Irlanda, eles o viam menos do que as vezes que ele desaparecia pelos campos de Wicklow Hills. O próprio Conde agora tinha outras obrigações e funções, que nunca desejou ter em sua vida.

De qualquer forma, ele ainda precisava ficar atento às notícias.

Reclinou-se mais no sofá e abriu o jornal que estava em seu colo, mas ele foi logo retirado de suas mãos pelo olhar furioso da esposa.

Ela balançou o dedo para ele e cutucou-o novamente no coração. O dia de Douglas já fora pesado demais para ele se preocupar com as notícias do jornal também.

Maire continuou olhando de cara feia para ele, mas então o conde logo ergueu as mãos, finalmente rendido. Ela sempre vencia.

♕♕♕

Trombaram um com o outro. Quando andavam pensando apenas em si mesmos.

—Desculpe. – Disse Liam. Ajudou Lady Sienna a se equilibrar, e achou uma brecha para fazer uma piada com a jovem que ainda não tinha sido devidamente apresentado. – Quem diria, o novo herdeiro e a antiga herdeira que renunciou.

Não foi a melhor piada e ele percebeu isso logo depois que a disse.

A lady se esquivou do toque dele e arrumou o próprio cabelo de volta ao lugar, profundamente irritada.

—Quem você pensa que é para falar essas coisas? Sinto informar, mas você é o Príncipe Herdeiro e não o maldito bobo da corte!

Ele achou engraçado. Ergueu os braços para tentar acalmá-la e se desculpou apressadamente.

—Calma. O meu dia também está sendo bem ruim.

—É claro! – Ela exclamou. - Olhe para as suas roupas, sem contar com o fiasco de sua aula de equitação ontem! Um caipira que tenta cavalgar como um príncipe... Só deve ter mulas em sua fazenda! – Ela reclamou, cheia de ironia e desajeitada com a situação que fugiu de seu controle.

Liam sentiu-se insultado, então.

Ela mal o conhecia e já o taxava com tamanho desprezo e repulsa. Se ela estava tendo um dia ruim, ele também, ora. Talvez ainda, mil vezes pior que o dela, já que ela renunciara o trono e deixara todas essas obrigações para ele.

Ignorando toda a classe que lhe fora ensinada quando chegou ao Palácio, e todo o respeito que aprendeu durante toda a sua formação como indivíduo, ele respondeu, fazendo uma reverência:

—O fazendeiro caipira que sabe reconhecer uma vaca quando vê uma.

A boca de Lady Sienna se abriu num perfeito “o”, ela apontou para a cara dele, mas não soube o que dizer.

—Muuuuuu! – Fez o príncipe, dando-lhe adeus.

Sienna deu meia volta e saiu pisando duro, furiosa.

Ele suspirou e virou-se para continuar seu caminho, quando viu uma mulher de cara feia.

—É assim que pretende agir com suas selecionadas? – Ela disse e se aproximou dele.

—Eu... Eu tive um dia ruim. – Liam tentou se explicar, sentindo-se pressionado pela mulher que não conhecia.

—Ela também pode ter tido um dia horrível! – Respondeu com uma voz cheia de entonação e energia. – O pai dela faleceu há menos de um mês. É necessário ter um pouco de consideração pela situação.

O príncipe olhou pelo lugar que Lady Sienna Hibernia saíra.

—Ela parecia bem para mim. Disse que eu era o bobo da corte.

—Uma mulher pensa mil coisas por segundo. Enquanto ela te xinga, está preocupada com as outras pessoas, revisando as últimas instruções que recebeu, analisando a sua fisionomia e lidando com os próprios sentimentos!

—Uma mulher é capaz de sentir tudo isso ao mesmo tempo? – Liam não conseguiu manter a pergunta no fundo de sua mente.

—Consegue até mais! – Ela divertiu-se com a reação do príncipe. – Mal posso esperar pela chegada das Selecionadas! Serão apenas quinze, mas valerão por trinta.

Liam realmente não conseguia sentir essa mesma positividade que a mulher transbordava.

Ele então se lembrou que não perguntara seu nome.

—Eu sou Caitlin Dublin. – Ela sorriu e fez uma reverência. – Produtora, agente, assistente e organizadora das meninas da Seleção. Assessora, essa é a palavra mais específica. É a minha função vos alertar, Vossa Alteza, de qualquer briga que aconteça entre elas e até mesmo se a cor da sua gravata estará combinando com o vestido de alguma menina, caso o senhor especificamente não queira que isso aconteça. Sabe como a mídia pega pesado com detalhes.

O príncipe ainda estava surpreso pela figura carismática que era aquela mulher, anos mais velha que ele.

Caitlin se inclinou e pegou uma linha da camisa dele entre o indicador e o polegar. Ela apertou as sobrancelhas.

—Não é meu dever lhe informar o que deve usar ou não, nem como será visto pela mídia, mas permita-me dizer, Alteza, que esse traje não deve ser visto em público. Sob hipótese alguma.

Liam riu, saindo do transe.

—Por favor, senhorita Dublin, continue me informando desses detalhes.

-Oh! – Ela ficou novamente surpresa e um pouco ruborizada. Mas se recuperou rapidamente. – Se é assim, sua calça está cheia de alfinetes, Alteza. E o mínimo derramamento de sangue que o senhor possa provocar se acabar se espetando com um deles será um escândalo aos olhos de Mirela Fitz-Gerald.

—Eu odeio essa jornalista.

—Uma bruxa! – Concordou Caitlin enfaticamente. – Agora venha. Vamos procurar esse costureiro que salvará toda a pátria.