Dia 4

—Será apenas uma entrevista sobre a Seleção. O assunto da sua coroação sequer será mencionado.

O Rei Donavan andava lado a lado com Liam pelos corredores do Palácio, guiando-o em direção a sala que faria sua primeira entrevista com a imprensa.

—O contato com a mídia é de extrema importância. Já discutimos isso. – O rei o lembrou, mas Liam estava assustado demais com a ideia de que, pela primeira vez, sua opinião teria uma repercussão gigantesca. Quando adolescente, gostava das discussões dentro da escola e sempre pensava que, como filho do Conde, deveria aprender a se posicionar melhor e lutar por direitos. Mas a sua visão sobre isso incluía brigar com a monarquia, a qual ele agora fazia parte. Como responderia, então, as perguntas pessoais sem ser pessoal demais?

Ele parou quando Donavan também o fez. O rei o olhou de cima abaixo com um olhar cético demais.

—Não há como errar.

Liam engoliu em seco e entrou na sala.

Era uma jornalista da região e não a polêmica e manipuladora Mirela Fitz-Gerald e isso foi um alívio inicial para começar a entrevista. Entretanto, as mãos de Liam suavam e ele notou que a jornalista não havia se curvado a sua presença como deveria ter feito. Trocaram apenas um aperto de mão, mas a autoridade que o rapaz esperava usar caso as coisas dessem errado, já havia desaparecido.

—Irei começar com algumas perguntas simples. – Ela explicou, acomodando-se melhor em sua poltrona do que Liam na dele. Ela ligou o gravador, que acendeu uma luz vermelha, e colocou-o sobre a mesa de centro. – As garotas serão sorteadas ao vivo no Jornal Oficial do Reino hoje, o que Vossa Alteza está achando dessa ideia de incorporar a tradição de Illéa aos nossos costumes?

Ele olhou amedrontado para o gravador, antes de limpar a garganta e responder:

—É uma ideia interessante. – Disse devagar, medindo as palavras. – Acho que devemos estar mais abertos a diferentes culturas. E inclusive adaptar aquelas nas quais mais nos afeiçoamos. – Ele não impediu um suspiro de alívio ao ter conseguido concluir a resposta com perfeição.

—Por que acha que Nova Irlanda se “afeiçoou”, como o senhor mesmo colocou, pela Seleção?

Ele empalideceu. Definitivamente não poderia falar que o motivo da Seleção ter sido incorporada ao país era devido a sua baixa popularidade. Sentiu as mãos ainda mais suadas ao pensar que a pergunta estava a um passo de cair no assunto da coroação.

—Bem, eu comecei a ser príncipe há pouco tempo e, portanto, não há ninguém que eu conheça bem o suficiente para estabelecer um relacionamento. Então é interessante a ideia de trazer as meninas de todo país para virem me namo... Conhecer.

Foi por pouco, ele pensou segurando um suspiro de alívio. Foi por pouco que a tudo não desandou.

Mas ele não parava de pensar em como os jornalistas eram cruéis e manipuladores. A mulher a sua frente, de aparência simples e calma, havia construído uma introdução perfeita para encaixar a abordagem que tentava obter detalhes sobre a popularidade e do novo príncipe.

Liam apenas não conseguia parar de pensar nisso e quando a jornalista perguntou como ele achava que a chegada das selecionadas afetaria a vida no Palácio, ele respondeu:

—Sim. – Depois de dois segundos longos demais ele percebeu que não fora uma pergunta de sim e não. – Perdão, é... Ahn... Acho que será uma mudança diferente.

—Diferente do que alteza? – A jornalista perguntou concentrada.

—Das mudanças que o país está passando. Mas essa será uma mudança melhor.

—Desculpe, está se referindo a troca de dinastias e a sua condição de Príncipe Herdeiro? Não acha que essas são mudanças boas ao reino?

Aí estava. O assunto polêmico que ele deveria evitar, e ele mesmo que havia provocado isso.

—Não, eu não disse isso. – Ele se apressou em dizer, perdendo toda a postura para o desespero. - Pode parecer... A palavra “melhor” depende do ponto de vista não é mesmo? O que é “melhor” para você não é necessariamente o paraíso para mim. Não que eu me refira à Seleção... Digo, à coroação... O termo correto não é "coroação", mas... Nenhum dos dois se aplicam no caso! – Liam decidiu fechar a boca depois de tanta confusão em uma mesma resposta. Ele mordeu a língua e respirou fundo.

A jornalista o olhou assustada, não sabendo ao certo se deveria continuar com a entrevista.

—Alteza?

Liam coçou a nuca e olhou para a luz vermelha do gravador ligado.

— Ahn... Há alguma chance de você cortar essa parte? Se... Se eu pedir por favor?

♕ ♕ ♕

Era a vigésima vez que lia aquela carta. Mas ainda não conseguia acreditar que isso estava acontecendo com ela.

Lady Sienna ergueu o olhar do papel por alguns segundos, para refletir sobre as consequências da decisão de seu noivo.

“Ex-noivo.” Ela se corrigiu nos próprios pensamentos. “Você foi chutada. Levou um pé na bunda." Ela revirou os olhos. "Isso nunca aconteceu antes, mas garotas comuns já passaram por isso várias vezes. O que elas costumam fazer nessas situações? ”.

Ah, elas afogam as mágoas com comida.

Ela logo entendeu os fundamentos dessa atitude e relaxou todos os músculos do corpo ao comer a primeira colherada de sorvete, com um longo suspiro.

Depois de ter o noivado rompido e ter escondido isso da própria mãe - sem contar com os insultos que recebera do Príncipe Liam na tarde anterior àquela - aquele monte de açúcar era simplesmente o paraíso.

Largou-se em um sofá que encontrou no meio do caminho – literalmente, pois seria levado ao novo espaço reservado às selecionadas. E encheu a boca com fartas colheradas que deixavam o seu coração ainda mais gelado.

Mesmo assim não conseguiu se impedir de olhar para a carta, jogada no assento ao seu lado.

—Argh! Caleb idiota. – Reclamou, largou o pote de sorvete no braço do sofá e pegou o envelope.

Se as pessoas pensassem que ele não a comunicou sobre o fim do noivado, o Príncipe Caleb seria visto como insensível e essa era a única vingança que ela conseguia pensar no momento. Enfiou outra grande colherada de sorvete na boca, colocou as mãos no alto do papel e se preparou para rasga-lo.

—Lady Sienna!

Ela pulou quando dois criados apareceram em sua frente para levar o móvel. Eles se curvaram numa reverência e ela jogou a almofada em cima da carta que, sem ela perceber, escorregou para o buraco entre o encosto e o assento.

A Lady foi tentar falar, mas ela babou o sorvete da boca.

Os funcionários não souberem o que fazer ou como reagir. E ela ficou vermelha de vergonha. Passou as mãos pelo queixo e pelo pescoço, tentando se limpar urgentemente.

—Querem me matar do coração? Aparecendo desse jeito!

Ainda envergonhada e irada por tal vexame, ela foi embora dali com pressa, sentindo-se pegajosa com o sorvete que grudava em sua pele e roupa.

♕ ♕ ♕

Novamente, Liam queria estar em qualquer lugar menos ali. O quarto de provar roupas continuava cheio de tensão, mesmo que Caitlin Dublin, no dia anterior, tentara amenizar o clima entre o príncipe e os costureiros, depois que ele fez uma saída dramática em que gritou algumas coisas sem sentido.

Mas era necessário terminar os últimos ajustes em seu terno para a recepção das selecionadas – com uma gravata ridícula que combinaria com a cor do vestido delas. (Pelo menos, aquela discussão sobre qual azul combinava mais com seus olhos castanhos estava finalizada).

—É sério que você não pode ficar no lugar dele? – Liam perguntou fazendo uma careta de sofrimento para Caitlin, que estava parada ao seu lado com uma prancheta nas mãos. Ela ergueu o olhar para ele e o príncipe gesticulou na direção de seu produtor e estilista, que ele descobrira se chamar Kevin.

O homem erguia dois pedaços de tecido na altura dos olhos, concentrado em distinguir as cores que, para qualquer outra pessoa, eram idênticas.

O príncipe virou-se para Caitlin quase suplicando.

—Desculpa, mas terei trabalho o suficiente com as Selecionadas e não tenho autoridade para tirar o cargo de alguém. – Ela se explicou, mas depois de uma olhada em Kevin, nem mesmo ela pode impedir uma careta. – Talvez eu tenha uma ideia melhor, Alteza.

—Pode dizer. – Liam empertigou-se.

—Kevin como estilista, cabeleireiro e maquiador é excelente. Quando se trata de trabalhar a fisionomia, ele é o melhor! O senhor mal imagina o tamanho do talento dele, mas precisa de um pouco mais de confiança e paciência primeiro. – Ela disse tentando soar o mais delicado e menos invasivo possível. – Quanto as habilidades dele em te ensinar como agir como membro da realeza e frente a mídia, algo que o senhor é péssimo... – Eles trocaram um olhar e Liam logo entendeu que ela ficara sabendo de sua entrevista desastrosa. Caitlin finalizou: - Digamos que ele seja um pouco... extravagante.

Liam concordou imediatamente.

—Ele quis mudar meu nome.

O comentário fez Caitlin arregalar os olhos, surpresa.

—Certo... A minha ideia é mantê-lo como seu produtor visual, mas colocar outra pessoa para trabalhar a sua postura, seus modos, seu carisma... essas coisas. Minha sugestão é Gustav Walsh. – Ela encostou a caneta nos lábios e ficou olhando para o príncipe, esperando sua resposta.

—O apresentador do telejornal? – Liam realmente ficou surpreso.

—Ele é muito habilidoso em conversar e entreter as pessoas. O senhor já deve ter notado suas abordagens no palco. – Ao sinal positivo do herdeiro, Caitlin continuou: - Acredito que ele consiga um tempo para te ajudar e desenvolver a sua imagem pública. Como... Seu assessor!

Liam olhou outra vez para Kevin e decidiu que poderia fazer essa troca acontecer, mas confessou que nunca havia conversado com Gustav Walsh fora dos telejornais.

Caitlin abriu um sorriso com sua resposta.

—É muito importante conhecer os funcionários do Palácio, Alteza. Eles sempre serão um grande apoio para você se o senhor mostrar afeto.

Foi a vez do príncipe abrir um sorriso.

—Acho que estou começando a entender isso. – Depois ele pediu, num tom de brincadeira: - E, por favor, pare de me chamar de Alteza, príncipe, senhor ou qualquer outra coisa. Sou uma pessoa antes de tudo.

Liam percebeu que o cômodo se silenciara. Todos ouviram suas palavras - Kevin e os outros estilistas e costureiros. Alguns desviaram o olhar, constrangidos, e a maioria sorriu, contente.

—Se me dão licença, há mais funcionários que eu gostaria de apresentar ao Príncipe Liam antes da chegada das Selecionadas. – Caitlin se pronunciou e também sorrindo guiou o jovem para fora do aposento.

Fora do cômodo, Dublin olhou para o jovem com um sorriso divertido nos lábios:

—Você é oficialmente o príncipe dos plebeus.

—O que?

—Tudo bem, não é engraçado. - Ela lamentou a própria piada ruim. - Pelo menos, você está sendo reconhecido como príncipe de alguma coisa.

—Uau. Valeu, Dublin. - Liam resmungou enquanto Caitlin gargalhava alto.

♕ ♕ ♕

A Rainha Kiara sentou-se a mesa do escritório de seu marido, observando o mesmo andar de um lado para o outro.

—“Jornal Capital”. Você já tinha ouvido falar desse nome antes? – O rei reclamou e jogou o jornal sobre todos os outros documentos que Kiara havia acabado de arrumar sistematicamente.

—Bom, agora eu sei. – Ela suspirou observando a matéria de capa com a recente entrevista de Liam sobre a Seleção.

—É um jornal da região, - Donavan explicou, ainda andando de um lado para o outro. - mas ganhou destaque em todo país em menos de vinte e quatro horas.

—Grandes notícias realmente promovem a menor pessoa. Nesse caso, o menor veículo. – Kiara observou enquanto corria os olhos pela matéria. Concordava com o marido sobre aquilo ter tomado proporções gigantescas. Liam precisava de uma tutoria ainda maior para que aprendesse a se esquivar das armadilhas dos jornalistas e a lidar com a mídia... e com as pessoas em geral, afinal ficara sabendo de seu comportamento imprudente com a Lady Sienna, mas decidira não levar isso ao conhecimento do rei.

Donavan finalmente se virou para a esposa, com os ombros ligeiramente caídos.

—O que você vê daí que eu não vejo? – Ele implorou.

De vez em quando Kiara sentava-se na grande poltrona do escritório do marido e observava a sala, suas dimensões, sua organização, a grande janela a sua esquerda que mostrava boa parte da capital de Nova Irlanda. E toda vez que isso acontecia ela tinha uma visão diferente da situação que Donavan nunca teria pensado antes.

Ela olhou para os papeis espalhados que bagunçavam a mesa.

—Eu vejo um rei preocupado e à beira de um ataque de nervos. – Ela responde com sutileza.

Ele suspira, cansado.

—Ele não é nosso filho. Não recebeu a criação que deveria.

—Sim e sim. – Kiara respondeu, escondendo o incômodo que sempre sentia quando alguém tocava no assunto de que ela e o rei nunca tiveram filhos. – Mas Liam ainda tem tempo para se encaixar nas regras do palácio. E nós dois temos que manter a postura e nos mostrar confiantes quanto ao novo herdeiro. Não queremos um conflito. Teremos que apoiá-lo e defende-lo, quando for necessário.

O rei refletiu sobre as palavras da esposa por um momento, depois questionou com um sorriso nos lábios:

—Um ataque de nervos é o que você vê daí?

Ela revirou os olhos e jogou as folhas do jornal em cima dele.

—Uma grande pessoa não deveria deixar chegar a sua cabeça uma coisa que está aos seus pés.