Dia 2

Era bem cedo quando Príncipe Liam se arrumou e correu para o estábulo do castelo, uniformizado com o traje de equitação. Estava em pé, mas seu corpo tombava para trás e para frente com o sono que insistia em não ir embora.

—Espero que esteja preparado para sua aula de hoje.

Liam se desequilibrou e se agarrou a um dos pilares de madeira para não cair quando ouvir aquela voz firme atrás dele.

Arrumou a postura imediatamente e olhou chocado para a Rainha Kiara.

—Vossa Majestade é quem dará minha aula de hoje?

Ela o olhou com atenção.

—Algum problema com isso?

—Não, senhora. – Respondeu logo.

—Perfeito. – Ela sorriu e começou a andar. O príncipe não soube mais o que fazer além de segui-la. – Caso não se recorde, eu ganhei oito medalhes de hipismo durante minha vida.

Liam esfregou a mão pelo rosto, tentando afastar o sono e o susto.

Como ele pôde se esquecer disso?

—Eu apenas não achei que teria tão prestigiada treinadora.

Gostou de sua própria resposta, mas a expressão da rainha foi de quem não esperava menos.

Ela o guiou até um cavalo e o apresentou a ele. Passou alguns minutos ensinando como tratar o animal e prender a cela. Fez questão de explicar os mínimos detalhes, como o nome do tecido mais adequado para a montaria - o que o jovem julgava totalmente desnecessário.

Levaram os cavalos para fora, em um campo verde com cercados. Ao canto havia uma arquibancada onde estavam sentados os pais de Liam, a Princesa Eileen e sua filha, Lady Sienna, que renunciara o trono após a morte de seu pai, o Príncipe Keegan.

A Rainha Kiara montou em seu cavalo e Liam no dele, com a coluna envergada.

—Pelos Céus, senhor Liam, está planejando uma fuga? Pra que envergar tanto a coluna?

Ele observou a si mesmo, confuso. Sentou-se mais ereto e afrouxou o aperto nas rédeas.

—Ganhamos mais velocidade quando estamos mais curvados, Majestade. É uma questão de sobrevivência caso sejamos atacados.

—Quem vai nos atacar, príncipe? – Kiara tinha os olhos arregalados e a mão sobre o coração.

O jovem não soube como reagir. Em toda a sua vida fora treinado pelo pai e funcionários de sua antiga casa sobre como cruzar os campos com mais rapidez para vigiar as praias próximas e as plantações de predadores e invasores. Nunca antes cavalgara como esporte ou... cordialidade, como propunha a rainha.

—Perdão. – Ele respondeu, abalado. - Eu só achei que... Nada. Não é importante. Por favor, não me deixe interrompê-la, Rainha Kiara.

Liam arrumou sua postura e aguardou pelas próximas instruções. Sentia que aquele seria o tempo mais desperdiçado de sua vida. Ele não aguentava mais as futilidades da realeza.

Olhou mais uma vez para a arquibancada. A Princesa Éileen e a Lady Sienna tinham olhares desgostos com o comportamento do príncipe. O seu próprio pai tinha os ombros murchos, quase como se quisesse se esconder da situação vergonhosa. Apenas sua mãe, a Condessa Maire, mantinha um sorriso confiante no rosto. Mas Liam sabia que ela tinha problemas auditivos e que provavelmente não estava notando a falta de sorte e talento do filho em sua primeira aula de equitação.

Ele suspirou e devaneou se, quando aquela arquibancada estivesse preenchida por suas pretendentes, quantas estariam olhando com desgosto e vergonha para a visível falta de habilidade do príncipe herdeiro.

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—Você teria dado uma melhor regente, Sienna. – A Princesa Eileen comentou com a filha ao ver o desastre do príncipe em sua primeira aula de equitação. Felizmente, o Conde e a Condessa estavam ligeiramente mais distantes para ouvir seus comentários. – Não devia ter renunciado. – Ela fechou mais o cachecol em volta do pescoço e olhou para a Lady Sienna. - Sabe disso. Sabe que eu estaria ao seu lado.

—É tarde demais, mãe. – A jovem mulher de vinte e três anos respondeu, cortando a conversa rapidamente.

Sua maior vontade era discordar da mãe, mas ela também não conseguia engolir a péssima aula de equitação do príncipe Liam, que há pouco tempo, sequer era príncipe. Nem mesmo o cavalo parecia à vontade com a situação.

Já se perguntava quanto tempo mais demoraria aquele show de horrores até que um serviçal se aproximou carregando uma bandeja com um envelope.

—Lady Sienna. – Ele fez uma reverência. – Há uma correspondência para a senhorita. Do Reino de Gales.

Ela pegou o papel sob o olhar atento da mãe, a Princesa Eileen, que logo deu de ombros e voltou a assistir a aula do príncipe, sabendo que nada preocupante viria de uma carta de seu futuro genro.

Lady Sienna delicadamente rasgou o envelope e leu a carta.

Percorreu os olhos sobre a caligrafia impecável do Príncipe Caleb.

Palavras neutras com significados equivalentes a facadas. Ela não conseguia acreditar no que lia. Sienna tinha uma nova verdade difícil de engolir. Leu a carta uma última vez e a dobrou precisamente, pousando-a sobre o colo com um gosto amargo na boca.

Tentou continuar com as aparências e ergueu um pouco mais o queixo.

—Está tudo bem com o seu noivo, querida? – A Princesa Eileen lhe perguntou, sabendo que não deveria se preocupar.

—É claro. – Ela mentiu sentindo a garganta fechada.

Olhou para a aliança com lapidação em marquise e uma pedra de diamante de sete quilates em sua mão direita e sentiu-a subitamente mais pesada. Seu olhar foi novamente ao Príncipe Liam e ela o amaldiçoou por ter lhe roubado tudo.

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Funcionários corriam de um lado para o outro do Palácio executando as primeiras ordens que lhes foram dadas a respeito da Seleção que aconteceria em pouco tempo.

Nas normas de Illéa havia um Salão das Mulheres, pertencente as donzelas da Família Real e convidadas, mas que durante o evento era utilizado como espaço das selecionadas, onde passavam a maior parte do tempo.

Por falta de um cômodo grande o suficiente no castelo Nova Irlanda para acomodar todas essas meninas e as atividades que elas fariam ali dentro, a Rainha ordenou que se fechasse uma ala do Palácio, englobando cinco cômodos grandes. Um espaço de lazer, com sofás, televisão, revistas e jornais; um salão de beleza para se arrumarem para as festividades; um salão de alimentação, para o caso de sentirem fome fora dos horários de refeição; um ambiente para aulas e trabalhos que desenvolveriam; e uma academia, para manterem-se em movimento.

Era a primeira e única medida tomada até agora, mas que já causava confusão o suficiente no castelo e o próprio rei, em seu escritório no andar inferior, tinha dificuldades em se concentrar em seus afazeres.

Ele massageou as têmporas e pediu um analgésico para o mordomo mais próximo.

Donavan ouviu outra vez o mesmo móvel ser arrastado de um lado para o outro do cômodo.

Ah, ele desejou que o sucesso do Príncipe Liam e a Seleção em si valessem o transtorno.