Como Ser um Príncipe - Interativa

Morrendo de curiosidade para saber como termina


Dia 15

Os funcionários abriram caminho rapidamente com a passagem apressada do príncipe herdeiro pelos corredores do Palácio. Grudavam-se às paredes como fugitivos encurralados, sem outro lugar para ir.

Enquanto isso Liam passava por entre eles com tanta pressa que parecia ter uma fúria determinada em seu andar. Porém, muito pelo contrário, ele estava extremamente inseguro com o que iria fazer. Rumando em direção ao escritório oficial de Rei, onde havia sido chamado, temia pelo o que estava por vir.

Tinha consciência dos olhares que recebia dos funcionários e suas reações, que não se deviam apenas a pressa do jovem como também a um certo assunto que havia tido grande repercussão nesta manhã de outono. Eles o julgavam por isso. Julgavam cada vez mais o novo príncipe da Nova Irlanda, de diferente dinastia.

Parou em frente as portas duplas do escritório do rei e permitiu-se respirar fundo. Acenou então para os guardas que abriram a porta para ele.

No fundo da sala, o Rei Donavan levantou-se de sua cadeira atrás da escrivaninha com uma expressão longe da tranquilidade.

—Presumo que já tenha visto as notícias de hoje. Assim como todo o país.

O monarca ergueu o jornal que estava sobre sua mesa e o deixou cair novamente, para enfatizar o que dizia.

Liam sequer se deu ao privilégio de observar o cômodo em que nunca antes estivera. Tivera uma pequena ilusão de que quando fosse convidado para o gabinete real fosse encontrar alguns segredos obscuros e bastante fantasiosos. Mas desde que acordara esta manhã só conseguira se ater a polêmica notícia que fora manchete de capa no jornal mais influente do país e que em poucas horas já ganhara repercussão, inclusive, em tabloides internacionais, como o do País de Gales.

O Jornal da Nova Irlanda, sob as palavras precisas e parciais de Mirela Fitz-Gerald, trazia em letras garrafais: "Príncipe é flagrado aos beijos com selecionada misteriosa". A foto comprovava que aquilo não era uma mera especulação. Duas pessoas foram fotografas a distância. O rapaz, mais de costas para a câmera, e a selecionada com o rosto escondido atrás da máscara e pela escuridão da noite. Estavam extremamente próximas e pela posição que estavam não deixava dúvidas de que eles se beijavam.

A matéria, que Liam já havia lido e relido no mínimo seis vezes nesse dia, continuava com especulações quanto a quem seria a misteriosa garota e com inúmeras abordagens caprichosas da jornalista de sugerir uma "má índole" do herdeiro.

Sentindo-se cansado de apenas errar, Liam Éire sentou-se em uma das duas cadeiras frente a escrivaninha do rei, sem pedir sua opinião para isso e mal notou quando a rainha entrou no aposento e manteve-se próxima a porta sem nada dizer. Ele observou um tanto desanimado a foto do jornal de baixo do seu nariz.

Não queria que as coisas tivessem acontecido assim, porém tudo que podia fazer agora era consertar os erros e pagar pelas consequências. Revisou o raciocínio que tivera mais cedo e, com um suspiro pesado, falou:

—Compreendo que isso foi inadequado e pretendo consertar isso da melhor maneira possível.

A Rainha Kiara, que até então mantinha-se raciocinando em silêncio, deu um passo a frente. Ela também estava brava, mas mantinha-se incrivelmente controlada, em relação a explosão de sentimentos que o rei demonstrava. Estava, na verdade, mais determinada a encontrar uma solução para o problema.

—Com toda certeza o senhor ajudará a consertar essa bagunça. - Ela informou com segurança na voz. - A começar com novas atividades em sua agenda. Depois do que aconteceu, é visível que precisa de maior estudos e atenção para os costumes da realeza.

Liam perguntou-se se aquilo significava que ele teria uma babá dali em diante.

Ela se aproximou até ficar ao lado da cadeira dele e, apoiando a mão no encosto, falou severamente:

—Mas sob hipótese nenhuma o senhor poderia carecer da consciência do quão inadequado aquilo soaria ao país... e principalmente à própria senhorita. - O olhar da rainha era frio e as palavras dela cortaram mais fundo que a ira de Donavan. A pior parte para Liam não era a repercussão da notícia pelo território, mas sim a sugestão de que ele não possuía respeito em relação as selecionadas. Aquilo sim doía mais que qualquer outra acusação. - Elas não são o seu divertimento. Elas são pessoas... e quer você queira ou não, uma delas governará Nova Irlanda ao seu lado e ao seu lado dividirá todos os momentos de sua vida.

Liam sentiu aquelas palavras grudaram nele e entendeu o conceito de "carregar um fardo sobre os ombros".

—Quem era a garota? - o Rei perguntou subitamente, se virando, ainda com o rosto vermelho pela raiva.

Liam hesitou e depois de um momento, disse:

—Acredito que seja melhor manter oculta a identidade da senhorita. Para que não lhe traga consequências.

Donavan fixou o seu olhar no rapaz, divido entre apreciar seu cavalheirismo e exigir que obedecesse a sua ordem. Por fim, cedeu a boa educação de Liam e não disse nada. Virou de costas e bufou alto.

A Rainha, por sua vez, focou-se no príncipe por um tempo ainda mais longo, quase sem piscar. O jovem não soube interpretar aquela extrema concentração da monarca, mas ele percebeu, em seu olhar, que ela sabia que algo estava errado. Que havia uma contrariedade entre o desrespeito do ousado primeiro beijo e a determinada coragem de Liam de defender a jovem cúmplice.

Ela tamborilou os dedos no encosto da cadeira dele e depois falou, decidida e em alto e bom tom, como se estivesse fazendo um decreto real:

—Vamos rever a situação. Conversaremos com o sr. Walsh e pediremos que ele crie uma atmosfera de amor e magia. - Fez uma pausa, como se tentasse reafirmar o próprio plano. - Afinal, nesse país de supersticiosos, quem não gosta de uma história de amor a primeira vista?

Terminada a conversa com a promessa de Liam de ajudar no que fosse possível e aceitar todas as punições que lhe fossem impostas – algo que o rei já parecia estar desenvolvendo em sua mente enraivecida -, Liam deixou o gabinete com a cabeça baixa.

Douglas o esperava do lado de fora, próximo a uma janela. Ele arregalou os olhos de ansiedade quando o filho se aproximou coçando a nuca, decepcionada.

—Foi muito ruim?

—Bastante. - Liam se apoiou na parede, também olhando pela janela e imaginando o caos que tomava conta da sociedade nova-irlandesa no momento. Suspirou, cansado, e se virou para o conde. - Pai, tem certeza de que essa foi uma boa ideia? Acho que a Rainha não comprou o que eu disse.

Antes de se encontrar com o Rei Donavan, Liam fora acordado de seu sonho tranquilo pelas batidas fortes na porta de seu quarto. E indo atender vestido em seu pijama, viu seu pai desesperado para falar com ele, ignorando a tentativa de Ronan de impedir Douglas de perturbar o sono do herdeiro.

O conde então mostrara ao filho a matéria do jornal e o informou que todo o país já estava sabendo. Que seria questão de minutos até os monarcas virem confrontá-lo a respeito do ocorrido.

Liam percebera que o pai não carregava apenas preocupação, como também curiosidade para descobrir a resposta do mistério vendido pela mídia. Ele, ainda sonolento e bastante preocupado com a notícia, confessara ao pai:

—Eu não sei quem é, mas não sou eu nessa foto com a selecionada. Eu nunca deixei o salão do baile. Não beijei ninguém ontem a noite.

Depois de alguns segundos de susto e desorganização, eles decidiram sustentar a farsa que poderia trazer repercussões maiores se fosse desmentida.

Não sabiam quem era o casal na foto, mas alegar que o rapaz não era o príncipe herdeiro causaria uma polêmica ainda maior na mídia e Liam, que já tinha fama negativa de tanta coisa, não podia mostrar que essa traição ocorrera bem de baixo do nariz da monarquia e o quão frágil era o funcionamento da Seleção.

A garota, por outro lado, trazia uma preocupação menor que o do desconhecido que havia roubado a honra do herdeiro, mas ainda assim era uma questão não resolvida. Liam imaginou que, se ele entregasse qualquer uma das meninas para o rei, tal selecionada poderia ser expulsa ou então sofrer as mesmas consequências que ele.

Assim, ele e Douglas decidiram juntos que não havia nada a fazer além de manter a mentira.

O conde passou a mão pelos cabelos já escassos, lembrando-se de tudo isso.

—De qualquer forma já está feito, Liam, e ninguém pode reverter isso. Peça para Gustav Walsh pegar leve nas perguntas no telejornal dessa semana e tudo dará certo.

Liam percebeu que Douglas não parecia convicto com sua falsa certeza.

Pai e filho ficaram em silêncio por alguns minutos, desejando que o mundo tivesse realmente parado como parecia naquele momento de preocupações internas.

—Quem você acha que pode ser? - A curiosidade de Liam então venceu o silêncio. - A selecionada, eu digo.

Douglas ergueu as sobrancelhas, surpreso.

—Eu não sei. Foi você que dançou com todas elas. - Ele deu de ombros, formando teorias. - Talvez devesse considerar aquelas que lhe pareceram mais determinadas e ansiosas para vencer a Seleção.

—Espere. - Liam ergueu as mãos e desencostou da parede, despertando com o raciocínio do pai. - Acha que a garota que fez isso não sabia quem estava beijando? Que ela achava estar me beijando?

Douglas deu de ombros mais uma vez e olhou para Liam com receio:

—Se não for isso, eu não sei mais o que pensar.

♕ ♕ ♕

As conversas no Salão das Selecionadas eram uma mistura de excitação, curiosidade, insegurança e desconfiança que vibravam de maneira inconstante. Tinha momentos em que cresciam, como uma música cujas notas mudavam de escala tão repentinamente quanto se tornavam novamente fracas, baixas e graves.

As selecionadas, dispersas pelos sofás e mesas do salão, tinham perdido aquela animação do momento em que acordaram e souberam que poderiam escolher sua roupa do dia. O ambiente então fora tomado de especulações, análises e julgamentos partindo de cada selecionada e voltando-se umas as outras para tentarem desvendar o mistério por de trás da manchete do dia.

Veronika Égan se gabara de ter conhecido os "lábios doces" do príncipe e, Alegra Prince, também bastante geniosa, vira aquela provocação como forma de desestimular as concorrentes, e passara a utilizar do mesmo recurso, vangloriando-se por ter "enroscado os dedos" no cabelo do herdeiro.

As duas logo começaram um bate boca, assistido e por vezes comentado pelas demais meninas, que não conseguiam formar sequer um pensamento coerente. Mas a discussão logo cessou com a entrada de Caitlin Dublin.

Ela manteve-se em pé, com uma prancheta de baixo dos braços, próxima a porta e usufruindo de sua posição no degrau mais alto do salão, enquanto as selecionadas mantinham-se no piso rebaixado.

Todas se calaram quando a viram, sabendo que ela também ouvira da última notícia e temendo levarem uma bronca generalizada. Mas ao invés disso, ela passou longe do assunto e varreu as meninas com o seu olhar.

—Vejo que gostaram da liberdade de escolher o próprio vestuário.

Moreena de repente se sentiu ligeiramente insegura com a própria roupa, como se houvesse algo de errado com ela.

Caitlin continuou, com o queixo erguido provando que tomara algumas doses de confiança no café da manhã.

—Como notei, sei que vocês já fizeram algumas amizades e agora, observando a variação de personalidades conforme o estilo, tenho orgulho em dizer que vocês passaram pela mesma experiência que o Príncipe Liam Éire. - Ela deu um sorrisinho conspiratório e continuou, com satisfação: - As aparências foram escondidas, no caso de Liam, pelas máscaras que as senhoritas utilizaram no baile, e no caso de vocês, pelos vestidos idênticos. E escondidas as aparências, foi também anulada qualquer julgamento e primeira interpretação errônea quanto aos seus caráteres baseado simplesmente no modo como se vestem.

Ela passou os olhos pelo salão novamente.

Andressa, Riley e Gwen que se entenderam muito bem nos últimos dois dias, se estranham sutilmente pela manhã quando se depararam com os diferentes estilos de cada uma. Enquanto as calças laranjas de Dressa tinham um quê extrovertido, as roupas mais escuras de Gwen pareciam dizer o contrário. E Riley era uma combinação de cores, estampas, tecidos e estilos que não havia uma única palavra para descrevê-la.

Quando a criada dela a informara que poderia escolher o próprio vestuário do dia, ela perguntara:

—Eu posso escolher qualquer coisa?

Diante a confirmação tímida da funcionária, seus olhos brilharam e ela suspirara:

—Então eu escolho tudo.

Ali e Mirelle que haviam se entendido tão perfeitamente nas similaridades, se surpreenderam ao reparar no jeito boneca da primeira em contraste com as inúmeras pulseiras e acessórios da morena que traziam uma ideia de desimpedimento.

E quanto às demais, umas se mantinham elegantes calçando saltos, enquanto outras se acomodavam ao estilo singular das botas. Houve opções que até mesmo desconsideraram o vento gélido do final do outono e a incerteza do dia que teriam pela frente.

Anne Chevallier então entendeu o que Shawn dissera sobre a srta.Dublin sempre ter segundas intenções para o seu plano inicial. O desconforto de estar vestida como as demais selecionadas na noite do baile pareceu diminuir diante dessa explicação: De não farem amizades conforme a aparência.

Com um sorriso grande, Caitlin voltou a falar:

—Espero que continuem confortáveis em suas escolhas de vestuário durante as atividades que realizaremos hoje. Uma das principais lições é que o mais importante não é o que vestimos, mas como continuamos seguras com a nossa decisão. - Batendo o olho na própria prancheta casualmente, a assessora informou: - Para iniciarmos seus estudos como possíveis futuras monarcas de nosso país, quero demonstrar a vocês a importância de um lugar ao trono. Mostrar os costumes da realeza e o preço por ter na cabeça uma coroa. Toda a sua vida e do país gira em torno das ações, reações e decisões dos monarcas.

E então elas sentiram que aquilo era a alfineta que faltava a respeito da selecionada que beijara o príncipe.

—Agora levantem. - Caitlin disse apressada, não conseguindo mais esconder a animação do próximo passo. - Não vamos começar a Seleção sentadas. Vamos conhecer onde tudo começa... Ou melhor dizendo, onde tudo termina.

♕ ♕ ♕

Shawn Keyes seguiu o grupo, mantendo-se mais atrás que todo mundo. Via as garotas começarem a reclamar e mostrar sinais de cansaço conforme Caitlin as guiava pelo lado externo no castelo e as levava cada vez mais longe.

Após saírem pelo portão do fundo do Palácio, caminharem até o imenso Jardim Principal, ornamentado por plantas que não deveria sequer estar sobrevivendo ao clima gélido de aproximação do inverno, e passarem por dentro dele, saindo por um das majestosas estufas de teto de vidro abobado, continuaram rumando por uma trilha que se tornava íngreme conforme a disposição das colinas e que parecia não levar a lugar algum.

Passaram com admiração pela área dos estábulos e dos picadeiros e, depois de vários outros passos, chegaram numa torre de pedras da altura de um prédio de três andares, com alguns espaços mais baixos acoplados a ela, onde ficava a organização dos militares que auxiliavam na proteção do Palácio. Esse lugar, como todos os outros que já haviam passado apressadamente pelo caminho, fizeram as meninas pensarem que já haviam chegado enfim ao seu destino.

Mas Caitlin Dublin insistia em levá-las cada vez mais distante, ignorando o desconforto de algumas meninas por terem optado por saltos altos e as corriqueiras brisas gélidas que as faziam tremer subitamente.

Anne, que seguia um pouco a frente de Shawn, deu um pesado suspiro quando viu que ainda teriam outros quilômetros para andarem a pé. Por sobre o ombro, ela olhou para o auxiliar de Caitlin e diminuiu o passo para que ele a alcançasse.

—Devo presumir que isso se mostrará como mais um dos planos cheios de intenções da srta. Dublin?

Shawn pensou que eles provavelmente rumavam para o canto mais distante dentro das propriedades do Palácio: O cemitério real.

—Já faz um tempo que deixei de questionar o que se passa na cabeça de Caitlin. - Ele sorriu, enfiando as mãos nos bolsos. - Mas estava certo sobre os vestidos iguais, não é mesmo?

Anne deu de ombros, tentando manter o bom humor após ter andado mais do que suas sapatilhas apertadas permitiriam.

—Há quanto tempo conhece ela, sr. Keyes?

Antes do jovem ter a oportunidade de responder, foi paralisado por um grito histérico de uma selecionada que começou a pular no mesmo lugar, em desespero.

—Borboleta! Borboleta! - gritava Veronika, chacoalhando as mãos ao redor da cabeça para afastar o inseto que já voara para longe.

Quando ela enfim se acalmou, deparou-se com a atenção de todo o grupo focado nela. Os olhares não conseguiam esconder a surpresa e incompreensão por seu pavor irracional, mas intenso, por borboletas.

Está tudo bem, senhorita Égan? - Caitlin perguntou, lá na frente do grupo.

Consciente de que a situação pioraria se ela respondesse o que tinha vontade, decidiu engolir o orgulho e fez um "não" com a cabeça, consternada, sem falar mais nada.

Shawn olhou para Veronika com o cenho franzido, como se um alerta de sua própria intuição tivesse acendido em sua cabeça. Mas ele não conseguiu achar uma resposta para o estranhamento.

Talvez o aviso de seu inconsciente não fosse referente à Veronika e sim à borboleta. A metamorfose era símbolo de mudanças e ele, mais do que ninguém, sabia que muitas estavam por vir.

♕ ♕ ♕

Após relevantes segundos em que ficou observando, pelo canto do olho, a garota que andava ao seu lado, Skyla já tinha todos os detalhes que precisava para reafirmar sua ideia de que a conhecia e não estava enganada a seu respeito.

A loira se aproximou então de Charlotte exibindo um sorriso no rosto.

—Oi. - Disse calorosamente, a que Charlotte respondeu com a mesma intensidade. Mas os olhos de Sky brilharam querendo uma resposta melhor, o que não obteve a princípio, então comentou: - Você é neta do Lorde Douglas O'Dornan, certo?

Charlotte então finalmente olhou para ela, com as sobrancelhas erguidas de surpresa. Um pouco desconfortável com o assunto, ela se desequilibrou momentaneamente sobre seus saltos altos, os quais ela já se arrependera de ter calçado. Mas, decida a não provar que Caitlin estava certa e de que ela havia feito uma má escolha de sapato, ignorou o formigamento no peito do pé e a ardência nos tornozelos, provocada pela fivela da sandália que roçava e machucava sua pele a cada passo. Continuara inabalável até Sky tocar num assunto delicado e precisou se firmar novamente no chão para recuperar o equilíbrio e a atitude teimosa.

—O juiz. - Ela corrigiu a outra selecionada. - Prefiro vê-lo por seu diploma e não pelo título nobiliárquico.

Sky se retesou, mas não deixou que o desconforto de Charlotte impedisse qualquer tentativa de conversa.

—Imaginei que já tivesse ouvido o seu sobrenome antes. - Sorriu, como para mostrar que estava aliviada. Casualmente continuou falando: - Acredito que sua família já tenha vindo para o Palácio algumas vezes, que conheça alguns dos nobres e talvez o próprio Prín...

Charlotte então parou no meio do caminho, fazendo com que Brianna, que andava atrás delas em silêncio, trombasse com ela.

—Está investigando se fui eu a selecionada que beijou o príncipe? - A neta do lorde cruzou os braços, com um ar de provocação e desafio no olhar. Não estava brava, sua postura era quase brincalhona. Já esperava que as abordagens a respeito da misteriosa selecionada que beijara o príncipe não ficassem amordaças por mais tempo na mente inquieta das selecionadas. - Sua abordagem foi interessante, mas eu estudo Direito há um ano e meio: Precisa de mais sutileza para arrancar alguma confissão de minha boca.

Skyla então parou por um momento, sem se envergonhar de tomar um momento para refletir. Logo percebeu que estava diante de uma imagem bastante parecida com a que via no espelho todos os dias. A curiosidade, a sagacidade e o jeito esquivo para contornar assuntos pessoais e delicados de Charlotte poderia ser pesada em uma balança com essas mesmas características da srta. Amstrong-Jones, onde os dois lados se equilibrariam com o mesmo peso. Quanto a esses detalhes, eram o reflexo uma da outra e assim Sky não poderia julgá-la pela maneira como respondeu suas perguntas.

Então ela gargalhou alto, sem conseguir se controlar. Rindo das peças que pregava o destino.

—Acho que todas vamos enlouquecer se continuarmos pensando nisso. - Ela comentou, secando algumas lágrimas provocadas pelas fortes risadas. - Da próxima vez serei mais direta.

Charlotte então também se permitiu rir, balançando a cabeça para os lados. Então ela se virou para Brianna que até o momento permanecera em silêncio observando a cena se desenrolar diante de seus olhos.

—E quanto a você? - Perguntou num tom divertido. - Tem alguma pergunta que não quer calar?

Brianna não conseguiu impedir as palavras de saírem de sua boca:

—Alguma de vocês estava vestida de vinho no baile e auxiliou uma seleciona a subir o zíper do próprio vestido?

Charlotte e Sky se entreolharam, com um olhar enigmático e um sorriso divertido nos lábios. Lentamente negaram e ouviram Brianna dar um suspiro de alívio.

—Nesse caso, não há motivos para eu não ser amiga de vocês. E revelar todos os meus segredos. - Ela emendou uma brincadeira no final.

Nunca fora boa em piadas, mas as companheiras riram com sinceridade e animação.

Continuaram a trilha juntas, quase grudadas de tão próximas. Aos cochichos, tentavam descobrir qual das selecionadas teria conquistado esse primeiro momento de intimidade com o príncipe... E o que teria feito Liam Éire ceder a seus encantos. Mas elas passavam longe de criar linhas de raciocínio estratégicas para descobrir as verdadeiras respostas para essas perguntas, elas apenas riam criando cenários impossíveis e absurdos, em que a "garota mistério" convencera o príncipe de que sofria uma terrível má-sorte-nova-irlandesa e precisava de seu beijo como recurso final para sua salvação.

♕ ♕ ♕

Depois de andarem por muitos quilômetros, as meninas pararam em frente ao arco de entrada do cemitério real diante ao sinal de Caitlin.

O peito de Branka se estufou conforme sua raiva e incredulidade cresceram.

—Mas que merda viemos fazer aqui? Ad!

Caitlin formou uma ruga entre as sobrancelhas, que logo se dissolveu ao lidar melhor com as palavras da selecionada.

—Testá-las, srta. Vanschmitz. Começando pela paciência.

Algumas meninas abafaram uma risadinha.

Então Lady Sienna passou por elas, saindo do cemitério. Vestia um casaco preto e secou rapidamente algumas lágrimas quando viu, surpresa, o grupo parado logo na entrada. Sem dizer nada a ninguém e passando o mais distante possível delas, desceu silenciosamente o caminho em direção a Palácio.

—É por causa do Príncipe Keegan. - Mirelle sussurrou para as mais próximas.

Caitlin Dublin pigarreou e prosseguiu, ainda mais determinada que antes.

—Este é o Cemitério Real, onde são permitidos os sepultamentos de nobres e outras pessoas ligadas à política. Inclusive alguns militares. Os corpos dos reis e rainhas, independente do tempo de reinado, são privilegiados com o enterro nas catacumbas, subterrâneas ao Palácio... onde não temos permissão para entrar. - Completou, apertando um pouco os lábios, insatisfeita por não ter conseguido tal autorização. Mas algumas selecionadas deram um suspiro aliviado. Preferiam a luz do dia a um lugar de baixo da terra com caixões que se empilhavam até o teto.

Caitlin acenou para as jovens a seguirem e começou a andar entre os túmulos.

—Príncipes e princesas regentes, por também terem exercido o poder da monarquia, usufruem do mesmo privilégio dos reis e são sepultados nas catacumbas. - Ela contou por sobre o ombros. Depois parou, ao lado de uma cova e apontou para a lápide, dando de ombros. - Exceto por essa aqui.

—"Princesa Sinead Mona Hibernia". - Gwendolyn leu em voz alta.

—Fiquei na mesma. Quem é essa? - Riley perguntou pouco preocupada.

—Foi princesa regente da Nova Irlanda, setenta e dois anos atrás. - Alegra explicou, jogando os cabelos ruivos para trás do ombro. - E tia do Rei Donavan.

Dando finalmente mais atenção e importância para o lugar onde estava, as meninas espicharam o pescoço para olhar o longo campo verde, cercado por muro baixo e marcado por lápides incrustradas com o nome dos falecidos.

Caitlin sorriu, satisfeita.

—Exatamente, srta. Prince. Ela era irmã do pai do Rei Donavan e por muito tempo foi a segunda na linha de sucessão ao trono. Quando seu irmão adoeceu, ela se tornou regente e governou Nova Irlanda por três meses.

—Por que ela não está nas catacumbas, então? - Ali perguntou com um mau pressentimento.

Houve um conflito durante o curto período de regência da Princesa Sinead. Obviamente os problemas não aparecem de repente, eles já existiam e vinham crescendo nos últimos anos. A questão apenas se intensificou durante o seu governo e como acontece com toda confusão, o culpado é visto exclusivamente como aquele que está "com a arma do crime em mãos". - Cailtin fitou as meninas com intensidade. - Diz a lenda que o desenrolar desses problemas foi uma punição do destino a uma má índole da princesa.

Ali se remexeu, desconfortável. Esperava algo assim.

—Sinead lutou pelo que achava justo, - Caitlin continuou, implacável. - porém escolheu meios que tornaram difícil à população entender a sua preocupação em solucionar o problema. Assim, ela sacrificou a própria imagem e a do ex-marido...

—Preston Alistair Éire. - ditou Alegra, outra vez com precisão.

Houve um murmurinho entre as garotas ao ouvirem o sobrenome.

Tentando não se ater muito a esse "detalhe", a srta. Dublin simplificou:

—Está mais uma vez certa, srta. Prince. O sr. Éire tinha um filho com a Princesa Sinead nessa época, que reaproximou as linhagens Éire da monarquia, depois de muito tempo distante do poder, fazendo com que o Príncipe Liam chegasse onde chegou. Enquanto a família dele passou por três gerações desde então, a Hibernia passou apenas por uma: A de nosso Rei.

—Uma família de coelhos. - Dressa sussurrou para Gwen, que a fez cobrir a boca com a mão para impedir uma risada.

—Mas estamos falando de Sinead Hibernia! - Caitlin lembrou a todos, recuperando o assunto anterior. - Ela fez uma hierarquia de valores, onde colocou o bem estar do reino acima de todos os seus sentimentos, relacionamentos pessoais e boa imagem pública... que foram eternamente comprometidos. - Ela gesticulou para a lápide, provando sua teoria.

—O que quer dizer com isso? - Sky questionou, apertando os olhos.

Com um sorriso satisfatório de quem ansiava por essa pergunta, a assessora respondeu:

—Que é isso que está em jogo. - Continuou apontando para o túmulo. -Vocês colherão os frutos de tudo que passarem a plantar a partir de agora, como selecionadas. O reino, a população, os conflitos pessoas; tudo será uma questão a ser refletida diariamente. Encontrem os seus princípios e os reafirmem o quanto for possível. Mantenham-se aos seus valores, pois será isso que fará a diferença no futuro quanto tiverem dilemas a enfrentar e sacrifícios a fazer. E assim, tomarão decisões cientes de todas as escolhas que tiveram que abdicar.

Novamente encarou as meninas, uma por uma.

—Vocês chegaram até aqui devido a um sorteio, como selecionadas, mas a partir de agora, serão as senhoritas que farão a seleção do certo e errado, do que deve ser feito... e do que deve ser sacrificado. - Então ela bateu uma palma alta, despertando as meninas daquela névoa de apreensão do inconsciente. - Vamos voltar. Tenho que prepará-las para o telejornal.

♕ ♕ ♕

Mesmo com os pés doendo de tanto andar, chegou ao seu quarto e substituiu a bota por saltos altos – os mesmos que usara no baile. Toda a história de Sinead Hibernia e os outros monarcas de Nova Irlanda lhe subiram à cabeça.

Kyndra sentia-se confiante. Poderosa.

Acreditava com convicção de que fizera a escolha certa ao se inscrever para a Seleção. Estava no lugar onde merecia: O Palácio Real.

O único empecilho eram as demais meninas que ocupavam a mesma posição que ela e a impossibilitavam de seguir sozinha o caminho em direção à coroa. Tinha que se mostrar mais capaz que suas adversárias e para isso não poderia mais se esconder atrás de roupas fechadas e pouco chamativas. Não poderia continuar agindo com inocência, esperando que algo bom viesse até ela.

Precisa de mudanças drásticas. E, já inspirada nelas, pegou um batom vermelho rubro no banheiro e passou em seus lábios com deleite, observando satisfeita o resultado em seu reflexo no espelho.

Estalou os lábios, admirando-se.

—O dia seguinte promete. - Ela disse para seu próprio reflexo, mexendo-se como se tivesse uma música em sua cabeça. - Você nunca irá acabar como Sinead Hibernia.