Chrono Crusade - After Heaven

Capítulo 9 - O Demónio de Ar


Chegar ao local tinha sido rápido e fácil.

Mas, ao chegar lá, as ambulâncias eram mais do que ela podia contar. A maior parte das pessoas não estavam seriamente feridas mas as vítimas continuavam a crescer. Para acrescentar a esse facto, alguns demónios podiam já ter-se mascarado de humanos.

- Uma criança! – foi a primeira coisa que Rosette ouviu depois de sair do carro do Convento – Está aqui uma criança ferida!

O primeiro instinto dela era de correr e ajudar os feridos mas havia tantos demónios em todo o lado. Não sabia o que fazer.

Pegou em duas pistolas que tinha posto na mala do carro e pendurou-as à cintura. De seguida, escolheu um punhal e colocou-o no coldre que tinha numa das meias, em volta da coxa. A última coisa foi as munições que também colocou à cintura.

Empunhou uma metralhadora e resolveu que estava pronta para lutar

As munições especiais eram limitadas, por isso tinha posto balas normais na metralhadora. Apenas uma das pistolas tinha balas especiais e só a ia usar em casos extremos. Certificou-se que o relógio verdadeiro estava à volta do seu pescoço e começou a correr e a disparar para demónios mais fracos, com cuidado para não acertar nos civis.

Estava sozinha ali. Não tinha companheiro, nem outros exorcistas. Os seladores estavam ocupados a refazer o selo ou a evacuar os feridos.

Contudo, não via nenhum demónio de nível cinco. Isso eram boas notícias.

Agachou-se atrás de uma das ambulâncias para descansar. Ainda faltava mais de metade e continuavam a vir. Se calhar ainda não tinham tido tempo para repor o selo. No pior dos casos, tinham sido atacados.

Era melhor dar uma vista de olhos a isso, depois de acabar ali.

Olhou em volta e parou quando o viu deitado numa maca a ser embrulhado em ligaduras. O sorriso foi instantâneo, as lágrimas também não demoraram muito.

Correu até lá, esquecendo-se dos restantes demónios. Ele estava inconsciente e ferido. Era óbvio que tinha sido atacado no Pandemonium. Afinal, havia muitos demónios que não ficariam muito contentes em ver Chrno…e ele estava em modo humano.

- Estás tão magoado. – murmurou Rosette passando-lhe uma mão pela face. Havia arranhões por todo o lado e uma grande ligadura ensanguentada em volta da barriga.

- Menina, temos de levá-lo para o hospital, agora. – avisou o médico.

- Hum…espere. – pediu Rosette procurando por uma caneta. Podiam levá-lo para o hospital mas nenhum dos medicamentos iriam funcionar – Eu vou lá busca-lo, depois disto. Não o deixe ir a lado nenhum sem que eu chegue lá.

- Conhece o rapaz? – perguntou o médico, desconfiado.

- Ele é…um amigo de família. – mentiu Rosette ainda com a mão na cara de Chrno – Ele não conhece mais ninguém nesta cidade.

- Muito bem. – concordou o médico apertando melhor as ligaduras antes de o moverem – E para que número é que devemos telefonar se acontecer alguma coisa?

- Huh?

- Se houver alguma emergência. – explicou o médico.

- Ah! Bem… - Rosette pensou no assunto. Não podia dar o número de casa e nem sabia qual era. Só havia outra hipótese – Telefonem para a Ordem…não, para o Convento de Madalena.

O homem olhou bem para Rosette. Era verdade que ela estava vestida com a farda do Convento de Madalena.

- Está bem. – disse o médico, finalmente – Vou informar o hospital quando chegarmos. Quer acompanhar o rapaz?

Rosette olhou para trás. Havia demónios a voar e a atacarem seladores e civis. Não podia deixá-los ali, por isso abanou a cabeça.

- Eu vou lá ter mal esteja despachada. – contrariada, ela tirou a mão de Chrno – Cuidem dele, por favor.

O médico sorriu-lhe em modo de resposta e empurrou a maca para dentro do hospital. Só mexeu-se quando perdeu a ambulância de vista. Depois de acabar ali teria que ir imediatamente buscar Chrno e talvez tivesse que esconde-lo no seu quarto até ele ficar bem. Perguntava-se se a sua “mãe” descobriria…

Rapidamente, começou a disparar para o céu. Não demorou mais de dez minutos a limpar o caminho até à entrada do café.

Lá dentro, estava tudo de pernas para o ar e uma atmosfera fria envolvia o lugar. Tinha a certeza que o demónio de nível cinco referido era Chrno mas também estava ali algum demónio.

Deitou a metralhadora ao chão e pegou na pistola com as munições especiais.

Com a arma em riste, começou a andar com passos leves. Não conseguia ouvir os seladores nem algo que se parecesse. A única coisa que entrava pelos seus ouvidos era o som de cada inspiração e expiração.

Demorou um bocado até encontrar a passagem secreta que ia dar à cave mas conseguiu chegar lá sem encontrar nenhum tipo de demónio.

Talvez já tivesse matado lá fora, o demónio que tinha feito aquilo lá dentro. Mesmo assim, por segurança, decidiu manter a arma na mão.

Não havia muita luz, enquanto descia as escadas por isso arrependeu-se de não trazer uma lanterna. Felizmente, quando chegou ao fundo havia lâmpadas de construção espalhadas pelos cantos.

O espaço tinha forma de um quadrado. As paredes eram de terra esbatida, tal como o chão e o teto. Se houvesse ali uma luta, Rosette não tinha a certeza se estariam a salvo de um desabamento.

Só então viu os corpos espalhados no chão, entre eles, Myriam.

Em pânico, Rosette ajoelhou-se à beira do corpo de Myriam e encostou o ouvido ao peito. Conseguia sentir o coração a bater demasiado devagar mas não sentia os pulmões a encherem.

Como lhe tinham ensinado na Ordem, tapou-lhe o nariz, ergueu o queixo e fez-lhe respiração boca-a-boca. Depois de quatro tentativas, ela levantou-se e tossiu agressivamente.

- O que é que aconteceu? – perguntou Rosette enquanto esfregava as costas a Myriam – Já reforçaram o selo?

- O demónio…ele… - começou Myriam ainda com dificuldades a respirar - …ele tira…o oxigénio…

Não era preciso dizer mais, pensou Rosette.

- Mas onde é que ele está? – Rosette falava baixo só para garantir que não atraía o demónio.

- Em todo…o lado. – foi a resposta de Myriam antes de começar a chorar. Só pensava que iam morrer ali. Afinal, como é que se podia derrotar um demónio que não se conseguia ver.

No entanto, Rosette já tinha ouvido falar naquele tipo de demónios. Normalmente atacavam nadadores em praias ou piscinas mas, aquele devia ter acabado de sair do Pandemonium. Alimentavam-se de oxigénio humano e da sua essência. Não era fácil apanhar esse tipo de demónio mas eles tinham que se materializar durante alguns segundos depois de atacarem uma vítima.

Era nesse momento que devia de atacar…mesmo que fosse ela a próxima vítima.

- Myriam! – chamou Rosette com determinação – Preciso que sejas forte, agora.

Myriam olhou para Rosette como se ela estivesse a pedir o impossível.

- Ouve, eu conheço este tipo de demónios. – informou Rosette obtendo a atenção de Myriam – Já lidei com coisas piores por isso quero que estejas calma. O selo já está concertado?

- Ainda não. – murmurou Myriam envergonhada – Fomos todos atacados quando estávamos a acabar.

Rosette percebeu o padrão. O demónio atacava quando tentavam fechar o selo. Provavelmente estava à espera de alguém.

Aion.

Foi a primeira coisa em que pensou.

- Myriam, tens que me ajudar. – agora era Rosette que estava com medo. Não podia estar ali sozinha se Aion aparecesse – O demónio só ataca se tentarem concertar o selo.

- Nem penses! – exclamou Myriam ao perceber o que ela queria dizer – A sensação de o ar a ser sugado dos nossos pulmões…do demónio dentro de nós…é horrível, Claire! Pensei que ia morrer e não quero passar por isso outra vez.

- Algo muito pior pode sair! – ripostou Rosette – E aí não serás só tu ou eu. Toda a gente neste mundo pode ficar em perigo!

- Não! – disse Myriam.

- Não vais correr perigo! – garantiu Rosette a perder a paciência – Não vou deixar que morras!

Myriam abanou de novo a cabeça e Rosette também não podia perder muito mais tempo. Aion não costumava atrasar-se para as suas festas. Ela suspirou fundo e deu a arma carregada com Gospels a Myriam que ficou a olhar para ela.

- Se não queres servir de isco vais ter de atirar e não te preocupes. A bala faz o resto. – Rosette endireitou-se – Mal o demónio esteja neutralizado, levantas-te e vais restaurar o selo, percebeste? Essa é a tua prioridade. Não deixes mais nenhum demónio sair.

Myriam anuiu com a cabeça apesar de estar a tremer. E Rosette não tinha outra opção a não ser confiar na amiga e quebrar a promessa que tinha feito a Remmington.

Como se soubesse o que estava a fazer, começou a mexer no selo, à espera do demónio. Soube que ele estava ali quando a sua pele se arrepiou, depois um gelo no seu peito e aquela sensação horrível do ar a ser sugado dos seus pulmões, tal como Myriam tinha descrevido.

Lutava para respirar mas, sempre que ela inspirava, o ar era sugado novamente. Pareceram horas mas aconteceu em menos de um minuto até ela cair no chão. Lutou contra a inconsciência porque queria garantir a Myriam fazia o seu trabalho.

A primeira bala falhou o demónio e foi diretamente para o seu ombro. Nem conseguiu gemer, graças à falta de ar. Felizmente, a segunda conseguiu atingir o demónio e obliterá-lo mesmo antes de ele desaparecer outra vez.

Depois perdeu a consciência…

Só esperava que a Myriam concertasse o selo a tempo.

- Só mesmo tu para dizeres que me vinhas buscar… – ouviu Rosette. – …e depois vires parar ao hospital, em vez disso.

Era uma voz familiar e parecia estar a gozar com ela por isso, mesmo estando com os olhos fechados, ela sorriu e respondeu sem pensar. – Cala-te, Chrno.

- Estás a falar com quem?

Rosette abriu os olhos e viu Myriam sentada numa cadeira ao lado da sua cama. Teria sonhado? Levantou-se e tirou a máscara de oxigénio que tinha na cara mas deixou a agulha do soro no ombro. Não sabia para que servia.

- Estás bem? – perguntou Myriam – Mal acabei de concertar o selo, pedi para os médicos entrarem. Não demoraram muito a chegarem mas temem que possas ter danos cerebrais por causa da falta de oxigénio, por isso mantiveram-te aqui.

- Oh. – se calhar era por isso que tinha ouvido a voz do Chrno – E quando é que eu posso sair daqui?

- Daqui a um par de horas. – respondeu Bobby que estava a um canto.

Não queria que eles contactassem Joshua nem os seus pais. Esperava poder sair mais cedo pois também tinha que ir buscar o Chrno.

- Queres que contacte alguém? – perguntou Bobby – Não devias ficar sozinha e nós temos que voltar para o Convento, não tarda nada.

- Bem, estava aqui um rapaz. – disse Myriam – Mas teve que sair à pouco.

Rosette suspirou. Talvez já tivessem chamado Joshua.

Estava feita.

Mas…o rapaz que entrou não era definitivamente o seu irmão.

- Tyler. – disse Rosette numa voz que só revelava desapontamento.

- Eu estava perto do café quando te vi entrar para uma ambulância. – disse Tyler – E decidi vir para aqui o mais depressa possível.

- Oh, então era ele o rapaz. – disse Rosette para Myriam com um suspiro.

- Nem pensar. – corrigiu Myriam – Era um rapaz mais novo e tinha uma bata do hospital. Pelos vistos também estava no local.

- Estou aqui, estou aqui. – Chrno entrou alguns segundos depois com uma cara chateada – Os médicos exageram demais… - ao ver Rosette acordada, Chrno aproximou-se e sorriu – Mas trouxe-te um sumo.

Quando Rosette o abraçou surpreendeu todos no quarto menos Chrno que parecia já estar à espera da reação.

- Está tudo bem. – disse Chrno fazendo-lhe festinhas no cabelo – Não chores.

- Eu não estou a chorar. – mentiu Rosette limpando as lágrimas à bata de Chrno.

- Eu não sabia que ela tinha preferências para rapazes mais novos. – murmurou Myriam para Bobby mas ele estava demasiado ocupado a olhar para o rapaz.

No entanto, Tyler não parecia estar a gostar muito daquilo.

- Já me podes largar, agora. – disse Chrno um pouco envergonhado.

- Não. – protestou Rosette apertando-o ainda mais.

- Está bem, está bem. – concordou Chrno – Deixa-me sentar-me pelo menos.´

Sem o largar, arrastou-se um bocado para lhe dar espaço para ele se sentar na cama.

- Não te vou largar. – murmurou Rosette.

- Hei! – exclamou Tyler com os braços cruzados – Ela é a minha namorada!