Chrono Crusade - After Heaven

Capítulo 10 - Romeu e Julieta



1917 – Rosette 5 anos (7 anos antes de conhecerem o Chrno)

Rosette tinha poucas memórias dos seus pais e mais de metade das que tinha eram com a sua mãe e as histórias que ela lhe contava antes de dormir.

Uma das suas favoritas era uma história sobre uma rapariga chamada Julieta e um rapaz chamado Romeu que não podiam estar juntos por serem de mundos diferentes mas que, mesmo assim, apaixonaram-se e morreram por amor.

No entanto, a sua mãe sorria sempre ao contar a história, por muitas vezes que Rosette lhe pedisse e por muito triste que a história fosse.

– Não é triste, mãe? – perguntou uma vez – Eles gostavam tanto um do outro, e mesmo assim morreram. Morreram porque se apaixonaram.

– Não é triste, Rosie. – disse a mãe – Porque o amor deles era forte, eles decidiram ficar juntos, mesmo sabendo que poderia ter um final triste.

– Mas assim eles não puderam ficar juntos. – disse Rosette – Isso não é triste? Ia ser melhor se eles nunca se tivessem conhecido.

– Isso é que seria triste, não é? – perguntou a mãe – Um amor como o deles estava destinado a acontecer e, se for mesmo forte, às vezes ultrapassa até as barreiras do tempo só para os dois se encontrarem novamente.

– O Romeu e a Julieta? – perguntou a pequena Rosette, fascinada – Então a história continua?

– Continua sempre se os dois se amarem o suficiente. – explicou a mãe – Porque o amor é a força mais poderosa que existe.

– Eh? A sério? – perguntou Rosette, inocentemente.

– A sério. – garantiu a mãe – Vais compreender isso, um dia.

– Eu não! – negou Rosette – Os rapazes são estúpidos.

A mãe riu-se. – Sim, são todos pequenos demónios nesta idade, mas, com o tempo, vão ganhando mais juízo.

– Preferia apaixonar-me por um demónio, então! – disse Rosette virando a cara para o outro lado.

– Sim, sim. – disse a mãe – Mas agora está na hora de dormir.

1922 – Rosette 10 anos; Orfanato (2 anos antes de conhecer Chrno)

– Eu…acho que gosto de ti, Tommy.

Rosette tinha finalmente ganhado coragem para se confessar ao rapaz de quem gostava há um ano e, depois de o chamar para um lugar mais reservado, lá estava ela, a expor os seus sentimentos a Tommy.

– Mas eu já gosto de outra pessoa. – disse Tommy encolhendo os ombros – Desculpa.

Rosette ficou a vê-lo virar costas com um ar despreocupado mas não chorou. O facto era que ele gostava de outra pessoa por isso a culpa não era dela…não queria dizer que ele a odiasse.

Respirou fundo e preparou-se para regressar à sala de jantar mas parou ao ouvir o Tommy a falar com um dos seus amigos e escondeu-se atrás de um pilar.

– É verdade que a Rosette queria que fosses namorado dela? – perguntou o amigo a rir-se – Que nojo!

Rosette franziu as sobrancelhas, mas com certeza que Tommy diria alguma coisa e…

– Sim, que nojo! – concordou Tommy com uma gargalhada, chocando Rosette – Até tive que lhe dizer que gostava de outra pessoa.

Com as lágrimas nos olhos, Rosette olhou para o céu.

O amor de que a sua mãe lhe tinha contado, não existia, afinal.

20xx – Atualmente

– És mesmo? – perguntou Chrno, fitando Tyler – A sério?

Bobby também observava a cena, ansioso para ver no que ia dar.

– Mas é claro! – confirmou Tyler, vendo o rapaz franzir as sobrancelhas – E porque é que a minha namorada está abraçada a ti?

– Será que não vês? – perguntou Chrno apontando para farda de Rosette que se encontrava pousada a um canto do quarto – Freiras não podem ter esse tipo de relações.

– O rapaz tem razão. – concordou Myriam – Se ela tivesse esse tipo de relação, seria expulsa do convento.

– Freira? Convento? – disse Tyler confuso – A Claire anda na escola, comigo!

– Claire? – Chrno olhou para Rosette que se limitava ao silêncio.

– Isso quer dizer que ela anda a enganar convento. – apesar da noticia chocante, Bobby sorria ao dizer isso – A Irmã não vai ficar contente ao saber disso.

– Não podes dizer-lhe! – exclamou Rosette sentando-se na cama – A Ordem é...

– Já chega, Rosette. – murmurou Chrno agarrando-a para ela se acalmar – Os médicos vão-te examinar e depois vais ter que ficar aqui durante mais tempo. Deixa-me falar com o homem.

Depois de conseguir deitar Rosette, Chrno levantou-se e, com um gesto de cabeça, pediu a Bobby para o acompanhar até lá fora.

– Então, rapazinho? – começou Bobby depois de Chrno fechar a porta para Rosette não ouvir – O meu nome é Bobby. Como é que tu te chamas?

– O meu nome é Chrno. – disse ele sem ver qual seria o mal de lhe dizer – Sobre dizeres que vais contar à irmã…

– Eu só estava a brincar com ela. – interrompeu Bobby despreocupadamente – Mas, esse teu nome, é bastante interessante. Sabias que há um demónio exatamente com esse nome?

– Não fazia a mínima ideia. – mentiu Chrno – Acho que isso até é fixe.

– Ter o nome de um demónio é “fixe”? – perguntou Bobby – Eu acho que é demasiada coincidência, principalmente depois de ter havido uma brecha no selo e bastantes demónios ainda estarem a monte.

– Oh, tenho muita pena de ouvir isso. – disse Chrno – Mas acha mesmo que eu sou um demónio? Isso é um pouco demais. Já teria destruído este lugar se fosse um demónio, certo?

– Talvez. Talvez não. – respondeu Bobby sem tirar os olhos de Chrno – A tua amiga também dizia ser a falecida freira Rosette. Porque é que tu não poderias ser o demónio Chrno que matou Maria de Magdala, então?

– Que disparate!

Mas as gargalhadas secas que Chrno deu só demonstravam dor e, obviamente, arrependimento. No entanto, para Bobby, isso podia não querer dizer nada, já que muitas vezes, histórias alheias podiam reviver memórias pessoais em certas pessoas.

– Tens razão. – concordou Bobby – Há quanto tempo é que estás na cidade? És familiar da Claire? Parecem bastante próximos.

– …sim! – respondeu Chrno depois de hesitar – Vim passar algum tempo com ela.

– És primo, ou qualquer coisa? – perguntou Bobby, tentando sacar-lhe alguma coisa.

– Qualquer coisa do gênero. – respondeu Chrno, vagamente. Se aquele homem pensava que lhe conseguia tirar alguma informação estava a sonhar. Já tinha muita experiência com pessoas esquivas.

– No entanto, não sabias que ela tinha namorado. – apontou Bobby – Da maneira como são chegados, deduzi que não tivessem segredos.

– Não temos segredos! – exclamou Chrno que começava a ficar farto daquelas perguntas todas – Mas já não a vejo há algum tempo.

– Não trocam mensagens, então? – perguntou Bobby – Devem ter telemóveis para isso.

– Tele…móveis? – Chrno não fazia ideia do que eram telemóveis. Mas, quando viu a pessoa que se aproximava por trás de Bobby, também não se importou mais com o assunto. O sorriso foi instantâneo e brilhante – Joshua!

Joshua olhou confuso para o rapaz, obviamente mais novo do que ele. – Desculpe, eu conheço-o?

Enquanto Chrno e Bobby conversavam do outro lado da porta, Rosette tinha decidido ter uma boa conversa com Tyler. Não havia necessidade de prolongar aquilo. Por isso, mesmo com Myriam ali, Rosette decidiu fazê-lo.

A maneira mais fácil seria direta e rapidamente.

No entanto, Tyler adiantou-se a ela.

– Claire, quem é aquele rapaz? – perguntou Tyler, e parecia chateado – Não achas que ele é demasiado novo para ti? Ele só tem treze ou catorze anos, afinal!

Myriam assistia, calada, interessada na resposta de Rosette.

– Tyler, eu não sei o que tínhamos antes. Para ser franca, nem sequer me lembro muito bem de ti. Se falaste com o meu irmão, deves saber que, quando acordei, nem sequer me lembrava de quem era. – disse Rosette. Aquela meia-verdade devia fazê-lo desistir – O que quer que tivemos já não temos, percebeste? Quando fui ao Convento percebi como quero viver a minha vida e não é como a vivia antes.

– Isto tem alguma coisa a ver com a chegada do pequenito? – perguntou Tyler referindo-se a Chrno – Ninguém sabe quem ele é. Isso não me deixa mais descansado.

– O Chrno não tem nada a ver com isto. – respondeu Rosette – Eu já tinha decidido isto muito antes de ele voltar.

– Espera, Chrno? – disse Myriam mas foi ignorada.

– Eu amo-te, Claire! – confessou Tyler, finalmente!

– Esse é o problema. – disse Rosette – Eu já não sou a Claire de antes e, francamente, eu acho que tu eras demasiado bonzinho para ela.

– Como podes dizer isso mesmo depois dos teus pais terem consentido na nossa relação? – perguntou Tyler, desapontado com ela e irritado com o rapaz que tinha aparecido inconvenientemente – Estás a ser tão cruel!

– Cruel seria continuar a dar-te esperanças quando não há nenhuma. – corrigiu Rosette – Acabou.

– Não podes fazer isso! – exclamou Tyler dando um passo em direção a Rosette.

Myriam levantou-se imediatamente.

– Vamos ter calma, agora. – pediu Myriam – A decisão é da Claire. Se ela não tem sentimentos por si, não pode continuar a fingir, certo?

– Desculpe pela rudeza, irmã. – pediu Tyler – Mas isto não tem nada a ver consigo. Estou a falar com a minha namorada.

– Eu não sou tua namorada! – gritou Rosette com os nervos em franja – Nunca fui e nunca vou ser! Nem sequer tenho sentimentos especiais por ti!

– Nunca foste!? – Tyler deu mais um passo – O que é que isso quer dizer!? Que nunca gostaste verdadeiramente de mim!?

– O que é que se passa aqui? – perguntou Chrno que tinha acabado de entrar.

– Não te metas, puto! – gritou Tyler.

Ignorando Tyler, Chrno sentou-se novamente ao lado de Rosette, entre ela e Tyler, e fez-lhe festinhas na cabeça.

– Está tudo bem? – perguntou Chrno – O teu irmão chegou.

– Não me ignores, rapaz! – disse Tyler pondo uma mão em cima do ombro de Chrno – Ainda não acabei de falar com ela!

– A conversa pareceu-me bastante acabada quando eu entrei. – replicou Chrno, olhando para Tyler de lado – Tu também não achas? Afinal, a Claire não pode enervar-se na sua atual condição.

Joshua entrou mesmo a tempo de prevenir uma luta que não iria acabar bem para o lado de Tyler.

– Bem, estão todos aqui! – disse Joshua, entrando com Bobby – O que é que se passa?

– Jason, conheces este gajo!? – perguntou Tyler, referindo-se mais uma vez a Chrno.

– Eh? Ele disse-me que era um conhecido da minha irmã. – respondeu Joshua que parecia não sentir a atmosfera tensa que preenchia o quarto – Mas é verdade que nunca ouvi falar dele antes. No entanto, a Claire parece bastante confortável perto dele, por isso acho que não tenho razões para me preocupar.

– Ele pode ser um assassino. – exgerou Tyler – E que tipo de nome é “Chrno”?

– Ele tem treze anos. – disse Joshua – Parece-me bastante inocente e inofensivo. Até propus que ele ficasse em nossa casa durante a estadia dele aqui.

– Estás maluco!?

– Não! – Joshua franziu as sobrancelhas – Tu é que estás a exagerar! Olha para ela.

Tyler olhou para Rosette que entretanto tinha deitado a cabeça nas pernas de Chrno e estava no momento a dormitar, enquanto Chrno fazia festinhas no cabelo dela.

– Ela tem andado confusa e deprimida desde que saiu do hospital. Apesar de ela não se queixar, vê-se pela cara que ela não tem conseguido dormir bem. – continuou Joshua – Se ela confia nele o suficiente para adormecer assim, tu, que nem sequer vieste vê-la ao hospital quando ela estava em coma, não tens o direito de dizer nada!

– Bem, se é assim… - disse Tyler – Eu vou embora.

– Não és bem-vindo aqui até resfriares a cabeça. – avisou Joshua antes de ele sair – Chrno, eu vou falar com os meus pais, mas em principio, não há problema em ficares lá. Afinal, eles não estão em casa durante a maior parte do tempo. Vai ser divertido ter alguém com quem conversar, para variar. Em que escola é que andas?

– Eu…não ando em nenhuma escola. – respondeu Chrno instalando um silêncio desconfortável – Eu estudei em casa…

– Ah! – exclamou Joshua muito mais agradado com aquela resposta – Bem, a Claire pode-te ajudar a estudar, se precisares. Ou eu posso fazê-lo.

– Não é necessário. – disse Chrno – Eu já acabei de estudar.

– Então és sobredotado. – disse Joshua – Ainda melhor. Podes ajudar a Claire a estudar.

– Ela sempre foi demasiado energética para estudar. – disse Chrno a olhar para o relógio que contava a vida dela, segundo a segundo.

O Tic Tac ensurdecia-o, mesmo sem o ouvir.

1928 – Rosette 16 anos; na casa abandonada (2 dias antes de morrer)

– Já acabei de pregar as tábuas. – disse Chrno saindo para o alpendre – Mas devíamos arranjar algumas janelas.

Rosette encontrava-se na cadeira de baloiço a baloiçar e a sorrir.

– Já não temos muito tempo, em todo o caso. – disse Rosette mas continuava a sorrir. Mesmo que o seu relógio já estivesse a 48 horas de parar, ela tinha que continuar a sorrir, ou então magoaria Chrno – Achas que ainda andam à nossa procura? Já se passou um mês, não é?

– Praticamente. – respondeu Chrno sentando-se ao lado dela – Devíamos entrar. Vai anoitecer, não tarda nada.

Ela olhou para ele, mantendo o doloroso sorriso.

– Achas que fizemos a diferença? – perguntou ela – Achas que a Azmaria vai ficar bem? E o Joshua…

– O nosso esforço não foi em vão. Conseguimos matar o Aion e salvar o teu irmão, não conseguimos? – lembrou Chrno – E é óbvio que a Azmaria vai ficar bem. Ela teve-te a ti como exemplo, não teve?

– Não sei se sou o melhor exemplo. – disse Rosette começando-se a rir.

Chrno sorriu. – Foste um ótimo exemplo.

Ele continuou a olhar para ela até ela parar de rir e ficar a olhar para o sol que já se começava a pôr.

– Parece que vai começar a anoitecer, não tarda nada. – disse Rosette, concordando com o que Chrno tinha dito anteriormente – É melhor irmos para dentro, afinal.

– Sim, é. – Chrno levantou-se ignorando as dores que tinha graças à batalha contra Aion e ofereceu-lhe a mão.

Ela deu-lhe a mão e ficou a olhar para ele sem dizer nada durante uns momentos. Depois suspirou e levantou-se, ajudando também Chrno a caminhar.

– Sabes, Chrno. – começou Rosette – A minha mãe contava-me uma história quando eu era pequena e essa história, ela dizia que havia uma continuação.

– Sim?

– Sim. – disse Rossette – E eu acho que ela tinha razão.