Chrono Crusade - After Heaven
Capítulo 36 - A Original
Depois de as lágrimas secarem, Rosette sentou-se e acabou por adormecer no ombro de Chrno, com a mão entrelaçada à dele. Apesar de os exorcistas estarem constantemente a olhar para Chrno como se ele fosse comer Rosette a qualquer momento, este ignorava-os, tal como ignorou o papa quando este entrou na sala onde eles estavam.
– Maria Madalena. - cumprimentou o papa, baixando ligeiramente a cabeça - Bem-vinda.
Madalena levantou-se e fez uma pequena vénia.
– É uma honra voltar a Roma. - disse Madalena.
– É verdade. - disse o papa - Quando era a Santa, vivia aqui.
– Até o pecador a levar e a matar. - murmurou um dos exorcistas que estavam a guardá-los.
– Sim. - concordou o papa, olhando para Chrno - Antes de ser raptada. É óbvio que temos um quarto disponível para si. - ele aproximou-se de Rosette - Parece que a Santa se sente confortável com o pecador.
Remington desviou a cabeça.
Havia muitas pessoas que sabiam que Rosette tinha crescido ao lado de Chrno na Ordem de Madalena. Poucos sabiam o que eles sentiam um pelo outro. Ainda menos sabiam que Rosette tinha-se apaixonado por Chrno muito antes de serem "apanhados" pela Ordem. Se Remington tivesse de dar-lhe um nome, "primeiro amor" seria uma descrição apropriada.
Se o papa soubesse, não deixaria que Rosette dormisse tão pacificamente no ombro de Chrno. E era por isso que ele não ia dizer absolutamente nada.
Chrno abriu a boca para falar, mas fechou-a imediatamente, lembrando-se de que os pecadores não podiam falar com pessoas como o papa ou descendentes da Santa original.
"Santa original", penso Chrno sorrindo. Perguntava-se que tipo de pessoa teria sido a primeira Santa. Toda a gente sabia que se chamava Maria. Maria de Magdala, para que ninguém a confundisse com outras Marias.
Keiko tinha sido a primeira descendente. Maria Madalena tinha esse nome porque tinha praticamente nascido com as chagas nos pulsos e os pais assim a nomearam. Rosette era a terceira e, até àquele momento, a última.
Mas quem era a mulher representada nas estátuas; Maria de Magdala? A mulher que tinha percorrido o caminho ao lado do filho Dele. A mulher que todos os demónios temeram até ela morrer. A mulher que passava o seu poder a raparigas e as transformava em "Santas"...para quê?
No que é que ela estaria a pensar quando morrera? Porque é que ela só dava o seu poder a raparigas que sofriam? Porque é que não se sabia mais sobre ela?
E porque é que Chrno estava a pensar naquilo agora?
Se soubesse...se soubesse mais sobre a original...
– Devemos levar a Santa para os seus aposentos? - perguntou um dos exorcistas.
– Sim. Levem-na para o quarto dela. - respondeu o papa - Não quero acordar a Santa.
– E o que é que fazemos com o pecador? - perguntou o outro.
– Leva-o para as masmorras. - ordenou o papa.
– Mas...
– Eu acho que é melhor que seja o Chrno a levar a Santa, senhor. - disse Remington, interrompendo Madalena - Já que, se for um dos exorcistas, ela vai acordar.
O papa ficou em silêncio durante alguns segundos, enquanto pensava.
– Sim, o pecador que carregue a Santa até ao quarto. - resolveu o papa, chocando os restantes - Mas os exorcistas escoltam-nos.
Os dois exorcistas anuíram ao mesmo tempo e esperaram até Chrno se levantar e pegar em Rosette com os braços. Depois seguiram-nos até ao quarto e pararam à porta enquanto Chrno pousava Rosette na cama e cobria-a com as mantas. O sol ainda brilhava, por isso decidiu fechar as cortinas. Foi aí que viu a estátua.
Da original Santa.
Porque é que sentia que, se soubesse mais sobre a original, poderia ajudar Rosette?
– Estás preparado, pecador? - perguntou o exorcista.
Chrno virou-se, anuiu com a cabeça e seguiu-os calmamente até às masmorras, onde foi encarcerado.
...
Há Muito Muito Muito Tempo Atrás
Depois de todo os acontecimentos que todos os cristãos sabiam e tinham lido vezes e vezes sem conta, Maria voltou a Magdala com duas marcas nos pulsos que provavam que ela tinha passado por a história contada na bíblia. Duas marcas em forma de cruz que não paravam de sangrar e que, mais tarde, se viriam a chamar "chagas".
Quando chegou a Magdala, os seus pés já sangravam, fazendo um total de quatro chagas. Depois de se esconder dos soldados, a quinta chaga apareceu. Foi aí que ela soube que a sua vida estava prestes a acabar.
E então...
– E então ela jurou matar todos os que se rebelassem contra Ele. Todos os anjos caídos ou seja, todos os demónios, até morrer. - leu Chrno de um livro que Remington tinha "roubado" da Grande Biblioteca da Ordem do Vaticano - A sexta chaga foi, na verdade, uma ferida causada por um anjo caído, Lúcifer. Essa ferida acabou, eventualmente, por matá-la. Não antes de prometer que iria combater os pecadores para toda a eternidade. Ao dizer isso, a sua alma ficou presa neste mundo, e os seus poderes espalhados pelo mundo, preenchendo todos aqueles que desejassem continuar o seu trabalho.
Chrno comprimiu os lábios.
Ela referia-se aos exorcistas.
– A sua alma, incapacitada de descansar, começou a viajar pelo tempo até encontrar alguém que fosse capaz de retomar o seu trabalho. - Chrno continuou a ler - Destinadas a acabar como ela.
Ele apoleou o livro para longe da cama.
Mesmo sabendo aquilo, não podia fazer nada. O ciclo estava destinado a repetir-se vezes e vezes sem conta, até a alma de Madalena estar satisfeita e livre.
Tinha de haver mais alguma coisa. Mais alguma coisa que pudesse fazer ates de a alma de Maria voltar para Rosette.
...
Enquanto Rosette dormia no seu quarto e Chrno permanecia na sua jaula, Taylor estava a conversar com o papa sobre o estágio final do "despertar".
– É verdade que tens uma maneira santa de controlar a Santa? - pergunto o papa, sentado na sua sala particular, em frene a Taylor.
– É. - respondeu Taylor - Depois de saber como o Aion tinha controlado desrespeitosamente a Santa, estive a estudar até encontrar uma maneira de controla-la de uma maneira pura. Mas não quero fazê-lo a não ser que a Rosette se negue a cooperar veementemente.
– Sabes da história dela, não sabes? - perguntou o papa - Ela não queria ser a Santa antes não quer ser Santa agora. A própria já o disse várias vezes a várias pessoas. Mas nós precisamos dela para ganhar contra os demónios.
– Depois ela será livre, certo? - perguntou Taylor - Eu concordo em livrar o mundo das moscas chamadas demónios, mas a Rosette quer ser livre. E eu quero ser livre ao lado dela.
– Com certeza. - disse o papa com um sorriso na cara - Ela vai ser livre assim que nós exterminarmos todos os pecadores.
– Todos os pecadores. - repetiu Taylor - Até o Chrno.
– Principalmente o Chrno. - disse o papa - Vamos começar o ritual amanhã à noite.
– Então é assim que se faz...
...
Remington permanecia na sala-de-espera com Madalena, em silêncio.
Remington não queria tomar o lado de ninguém mas, Madalena estava a tentar separar Chrno de Rosette forçosamente.
Remington não se lembrava de ela assim. Madalena tinha sido como uma filha para ele. Uma filha com bom coração, bondosa e sempre a preocupar-se com toda a gente. Mesmo com todos os obstáculos que a impediam de ter as suas próprias memórias, ela tentava ajudar no que fosse necessário. Nem uma vez queixou-se das dores que as chagas lhe causavam.
Mas a presença de Rosette tinha-a mudado de uma maneira drástica. Talvez porque a única memória que ela alguma vez tivera que realmente lhe pertencia, era a de Chrno a chorar. Já que ele era o seu primeiro amor, ela podia ter ficado chocada.
– Madalena. - começou Remington - Temos de falar.
– Padre. - disse Madalena, olhando para as mãos entrelaçadas que estavam pousadas no seu colo - Tenho consciência do que fiz até agora, das mudanças...estou a pensar nisso, padre. Talvez por ter sido um choque voltar para uma Era como esta, no meio desta confusão. Mas não posso pousar a culpa nos ombros da Rosette nem do Chrno. Estou a pensar no que hei-de fazer a seguir e a reflectir nos meus erros. É óbvio que o Chrno ama a Rosette, agora.
– A culpa é do Aion. - disse Remington.
– Ele...não tem culpa. - Madalena levantou a cabeça e olhou para o padre com as lágrimas nos olhos - Ele está a fazer tudo o que pode para alcançar o que acha que é certo para ele e nós estamos a fazer o que podemos para alcançar o que achamos que é certo.
– É assim que uma Santa pensa. - suspirou Remington - Piedade. Foi assim que o Aion reconheceu a Rosette como Santa.
– Não é suposto estar viva. - murmurou Madalena - O que estamos a fazer aqui é...não sei o que é. Mas a Rosette também sabe que é errado.
– Vai tudo acabar bem. - promete Remington.
– Eu dei a minha vida pelo Chrno. - lembrou Madalena - Esse foi o meu "acabar bem". A Rosette deu a vida para tentar matar o Aion e morreu ao lado de Chrno. Acho que esse foi o "acabar bem" dela. Como é que desta vez vai acabar bem quando ela está presa num quarto, o Chrno está enjaulado e, pelo que eu sei, a Ordem tem "planos" para mim.
– Eu vou descobrir o que é, Madalena. - disse Remington, surpreendido com a súbita mudança dela - Tenho a certeza de que não vão fazer nada drástico.
Madalena anuiu.
– Roma sempre faz as escolhas certas. - disse Madalena, que tinha passado a sua infância trancada num quarto guardado por dezenas de guardas e exorcistas - Nem sempre a Ordem nos vê como humanos normais que sofrem como qualquer outra pessoa. Ou querem liberdade, amor, amizade...
– Eu vou descobrir o que eles estão a tentar fazer. - prometeu Remington.
– Descubra depressa, Padre. - pediu Madalena, voltando a olhar para baixo - Temo que eles não vão esperar durante muito mais tempo.
...
E não iam.
A Igreja da Ordem do Vaticano - a maior de todas as Ordens de Madalena - já estava a ser preparada para o ritual e, agora com Taylor a instruir, as coisas estavam a andar mais depressa. Até poderiam adiantar o ritual se continuassem assim.
Trugy sabia disso, mesmo sem conseguir entrar. Queria salvar Rosette, mas não sabia como fazê-lo.
– O Aion está a aproximar-se.
– Eu sei. - suspirou Trugy, mesmo antes de se aperceber que estava uma mulher atrás de si - Espera! Como é que sabes!?
A bela mulher, de cabelos dourados, perfeitas feições, olhos azuis e vestido branco, olhou para Trugy e sorriu, fazendo-a abrir a boca.
– Tu és...
– O meu nome é Amitiel. - interrompeu ela - E eu estou aqui para terminar esta guerra de uma vez por todas.
...
Aion ia em direcção à Ordem a toda a velocidade com Keiko nos seus braços quando sentiu aquela presença e parou imediatamente.
Sentiu Trugy, mas não era isso que o estava a deter. Ele tinha a encarnação com ele. Trugy nunca faria mal a uma das encarnações. Era a outra presença que se encontrava ao lado de Trugy que o aterrorizava.
Estava a tentar perceber quem era, mas sabia que não era daquele mundo nem do Pandemonium. O que só deixava o céu. Mas ele pensava que Ele só podia agir através das reencarnações. Sim, já tinha mandado um anjo mas, como depois ficara sem asas, não se atrevera a mandar mais.
– Não é um anjo. - murmurou Aion.
– O que é que se passa, Aion-sama? - perguntou Keiko - Porque é que paramos?
– Não é um anjo. - repetiu Aion - Tem de ser mais poderoso para ter permissão para sair dos céus.
– Anjo? - Keiko olhou para o horizonte - Onde?
– Não. Não é um anjo. - corrigiu Aion - É um arcanjo. Não! Uma arcanja, para ser mais exacto.
Uma que ele conhecia.
E devia estar furiosa para só vir até ele agora.
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