Rosette estava obedientemente fechada num quarto, com dois exorcistas a guardarem a porta. Encontrava-se de momento, sentada na cama, com as mãos entrelaçadas no colo, os olhos virados para o chão e sem qualquer arma.

Podia sair dali, se quisesse, mas não podia desobedecer ao Papa. Tinham-lhe dito expressamente durante o seu treino de exorcista que, o Papa era a única pessoa a quem não podiam absolutamente desobedecer. Fosse uma pessoa ou outra, se tivesse o título de Papa, não podia fazer nada a não ser ficar ali e esperar para o que quer que eles quisessem fazer com ela. E, no final de contas, eles iam trazer Joshua e os outros para ali. Eram as únicas razões que a mantinham ali.

Pensando mais claramente, será que iam mesmo deixar entrar o Chrno, mesmo sabendo quem ele era. A verdade é que ele tinha tentado parar o Aion antes. Mas também o tinha ajudado bastante antes de conhecer Madalena.

Temia que Trugy não conseguisse entrar ali para os ajudar. Não, tinha a certeza de que ela não conseguia entrar ali. Mesmo que conseguisse passar pela barreira, havia pelo menos uma dezena de exorcistas e seladores no pátio, agora que ela estava ali…e depois de ela ter tentado fugir.

Quando ouviu o portão a abrir-se, saltou da cama e olhou pela janela. Rodeados por guardas entraram Fiore, acorrentada, Joshua, às costas de um exorcista e Azmaria nos braços de outro. Depois de entrarem, levantaram novamente a barreira e trancaram os portões. Como o Papa só ia ali para ocasiões especiais, levaram-nos até ao oficial com quem Rosette tinha falado antes de ver o Papa.

Pararam no meio do pátio para que o oficial lhes desse ordens. Repentinamente, Fiore olhou para cima, para o quarto dela, assustando Rosette. Fez uma pequena vénia, como se estivesse a pedir desculpa por não ter conseguido proteger o irmão e Azmaria. Depois olhou para o oficial e começou a falar com ele.

A princípio, o oficial abanou a cabeça com convicção mas, depois de mais alguns segundos de conversa, o homem pareceu suspirar e anuir com a cabeça. Direccionou Fiore para um lado e os apóstolos para outro.

Passados dois minutos, ouviu barulho no corredor e depois abriram a porta. Para sua surpresa, Fiore entrou, ainda com as mãos algemadas atrás das costas e dois exorcistas atrás dela.

– Fiore! – Rosette aproximou-se até um dos exorcistas estender um braço para lhe pedir para ficar onde estava – A Satella?

– Ela está com o Padre Remington. – respondeu Fiore – Peço desculpa por não ter conseguido…

– Não tens de pedir desculpa. – interrompeu Rosette – Fizeste o teu melhor mas os exorcistas do Vaticano são muito poderosos.

– Bem, já disse o que queria dizer. – disse um dos exorcistas – Vamos!

– Espere! – pediu Fiore, virando-se novamente para Rosette. Começou a mexer os lábios mas não se ouviu um som. Quando acabou, anuiu com a cabeça – Espero que fique bem, Rosette-sama.

Quando saíram e Rosette ouviu a trancarem a porta do seu quarto, sentou-se na cama e tentou lembrar-se das aulas que tinha tido para conseguir ler lábios. Era óbvio que Fiore sabia que os exorcistas conseguiam ler lábios, mas Rosette nunca tinha sido muito boa nisso.

– Eles estão a… - Rosette franziu as sobrancelhas ao tentar lembrar-se do que ela tinha dito - …a juntar os…apoto…apóstolos!

Rosette ficou contente durante alguns segundos por ter conseguido decifrar o que ela tinha dito mas, depois de se perceber do que ela lhe tinha dito, não ficou tão contente. Mas aquilo não era tudo o que ela tinha dito.

– Estão a juntar os apóstolos e…as anteriores…rec…reencarnações. – Rosette ficou confusa. Porque é que eles estariam a juntar as duas anteriores reencarnações? Continuando… - Eles não vão esperar.

Eles não vão esperar pelo quê?

– Pela noite certa para o “despertar”. – Rosette olhou para o céu – Então como é que eles vão conseguir fazê-lo?

– Está quase tudo preparado. – anunciou o oficial, ao telefone com o Papa – Já temos os restantes apóstolos, apesar de estes estarem fracos. – houve um silêncio para o Papa perguntar “porquê?” – Parece que eles estavam perto da Santa quando as chagas apareceram. – mais silêncio – Não se preocupe. O pecador disse que nos ia entregar a primeira reencarnação, já que não precisa mais dela e a segunda está a caminho, com o outro pecador. Poderemos fazer o ritual amanhã à noite.

O oficial sorriu. – Sim. O rapaz também já está a caminho. O Padre Remington foi busca-lo. Desta vez, ela estará sobre o nosso controlo.

O homem pousou o telefone e suspirou. Tal como muitos, ele não gostava que aquela rapariga violenta e relutante a cooperar fosse a actual reencarnação. Afinal, ela já tinha morrido uma vez…

Podia ter continuado assim.

Era verdade.

Maria Madalena estava nesse momento num carro, em direcção ao aeroporto, ao lado de Chrno, que tinha correntes sagradas, embebidas em água benta à volta no seu corpo e estava inconsciente. Apesar de ele estar obviamente a sofrer, Madalena estava a sorrir, pelo simples facto de Chrno estar ao seu lado e não com Rosette.

Ficara a saber que iam para o Vaticano a pedido de Rosette mas, também ficara a saber que eles tinham aceitado o pedido dela em troca da obediência dela por isso, ela devia estar numa cela ou num quarto, trancada.

Não conseguiria chegar-se perto de Chrno e, entretanto, ela faria com que Rosette saísse da cabeça de Chrno.

Já no aeroporto, Remington estava com Taylor, à espera do carro que trazia Madalena, para entrarem no avião que os levariam para o Vaticano. Tinha recebido um telefonema para informá-lo que “a terceira reencarnação” já estava lá e para dar-lhe instruções para levar o Taylor, Madalena e Chrno para lá.

Tinha a certeza de que Rosette já tinha tentado fugir, uma vez que tinha acabado por fazer um acordo com o próprio Papa. A ponto de levar um demónio como Chrno para o Vaticano…

– Quando é que eles chegam? – perguntou Taylor – A segunda reencarnação e o demónio.

– Devem estar quase a chegar. – respondeu Remington, sem sequer olhar para Taylor – Nada de gracinhas com Madalena.

– Nunca. – prometeu Taylor – Ouvi dizer que ela é só uma pirralha mimada. E eu amo a Rosette.

Remington suspirou e olhou para trás quando ouviu um carro a parar.

Madalena saiu primeiro. Depois um dos exorcistas abriu a porta, tirou Chrno de lá de dentro e começou a arrastá-lo pelo chão.

Madalena ia queixar-se, mas Remington antecipou-se.

– Não façam isso. – Remington correu até Chrno e levantou-o com a ajuda do exorcista – Sabes o que é que a Rosette faria se soubessem que estão a trata-lo assim? Isto são correntes embebidas em água benta!?

– Mas não podíamos desmazelar-nos. – justificou o exorcista que saiu do lado do condutor.

– Madalena? – Remington olhou na direcção dela – Tu deixaste que eles fizessem isto!?

– Foi só para o manter calmo. – justificou-se Madalena – Se não o fizéssemos, ele iria atrás do Aion.

– Do Aion?

– Sim, foi ele que levou a Rosette até ao Vaticano. – disse Madalena.

– O Aion levou a Rosette para o Vaticano? – Remington franziu as sobrancelhas – Para que é que ele faria isso? Ele sabe que nós a queremos para mata-lo.

– O Aion tocou na Rosette? – Taylor aproximou-se do avião – Rápido, temos de ir ver se ela está bem!

Remington ajudou a pôr Chrno e Madalena no avião. Esperou que Taylor entrasse e olhou para os exorcistas que tinham levado Chrno e Madalena até ali.

– Deram-lhe algum sedativo? – perguntou Remington, referindo-se a Chrno.

– Nenhum. – respondeu um dos exorcistas – Ele caiu graças à nossa barreira e, apesar de resistir um pouco, acabou por ficar inconsciente. Depois prendemo-lo com as correntes sagradas e molhámo-lo com um pouco de água benta. Deve chegar.

– Dá-me um sedativo. – pediu Remington, estendendo a mão.

O exorcista não percebia o porquê de ser tão cauteloso, mas deu-lhe o sedativo e despediu-se, enquanto via o avião a descolar lentamente. Já que aquele avião tinha sido qualificado como um avião com conteúdo precioso e perigoso, estava constantemente a ser vigiado, não só pela Ordem, mas também pela companhia, à qual tinha sido pedido descrição.

Dentro do avião, Remington enfiou a agulha no braço de Chrno e injectou o sedativo. Depois, começou a tarefa árdua de tirar as correntes e limpar as feridas.

– Padre, quando ele acordar, as feridas vão curar-se instantaneamente. – lembrou Madalena – Para que é que se está a dar a tanto trabalho?

– Para a Ordem do Vaticano aceitar acolher o Chrno, é porque a Rosette deve ter feito algum tipo de acordo. – disse Remington – Se ela vir o Chrno que, ainda pode estar inconsciente quando chegarmos lá, desta maneira, vai cancelar imediatamente o acordo.

Ambos, Madalena e Taylor viraram os olhos.

– Porque é que, se a Rosette não estiver contente, o mundo pára? – perguntou Madalena, cruzando os braços.

– Não fales assim da Rosette! – exclamou Taylor – Ela é cem vezes melhor do que tu. Pirralha!

– Pirralha! Eu sou mais velha do que ela!

– E também mais mimada! – continuou Taylor.

– Podem fazer menos barulho? – pediu Remington, olhando de lado para os dois, enquanto continuava a limpar as feridas de Chrno – Vão acordá-lo!

– Vamos acordá-lo só por mencionarmos o nome daquela rapariga estúpida? – perguntou Madalena, mais irritada do que alguma vez tinha estado.

– Não é uma rapariga estúpida! – continuou Taylor – Ela chama-se Rosette!

Enquanto os dois continuavam a discutir, Chrno abriu ligeiramente os olhos. – Rosette…?

Remington parou e olhou para Chrno.

Devia ter previsto que o sedativo não lhe faria qualquer efeito.

Rosette continuava a olhar para a janela, mas não via Chrno em lado nenhum…Madalena também. Afinal, Fiore tinha-lhe dito que eles iam trazer as anteriores reencarnações e Madalena devia estar com Chrno.

Por alguma razão, aquilo perturbava-a.

Mas todas as preocupações desvaneceram-se da sua cabeça quando viu Chrno a entrar com o Padre Remington atrás dele. Sorriu, mas o sorriso desfez-se rapidamente quando viu Madalena e Taylor atrás deles. Só faltava uma reencarnação e nem sabia o que é que o Taylor estava a fazer ali.

Tinha medo dele depois de descobrir que tinha sido ele a trazê-la de volta. O que é que o Papa quereria dele? Devia ter alguma coisa a ver com o “despertar” apressado.

Queria ver e falar com Chrno, mas sabia que eles nunca permitiriam isso. Ela tinha pedido para eles trazerem as pessoas que ela queria proteger, mas não podia pedir mais do que isso. Aliás, nem sabia como Fiore tinha convencido o oficial a levá-la até ao seu quarto. Se soubesse, talvez pudesse usar isso com os guardas, mas a prioridade era o que Fiore lhe tinha dito. Rosette não queria despertar, outra vez.

Ela levou uma mão ao peito. Se a sexta saga aparecesse, não havia como voltar atrás. Ela seria a “arma” da Ordem. Podia pedir para falar com Chrno ao voluntariar-se a fazer tudo o que eles queriam…pensando melhor, se fizesse isso, Chrno nunca mais a quereria ver.

Rosette sentou-se na cama, deprimida, no mesmo momento em que os exorcistas abriram a porta do seu quarto.

– Pediram-nos que a escoltasse até lá abaixo, Santa. – disse um dos exorcistas, vendo Rosette suspirar – Por favor, acompanhe-nos.

Rosette levantou-se e foi no meio dos dois exorcistas até uma sala onde, surpreendentemente, viu Remington, Madalena, Taylor…e Chrno.

– Estás bem? – perguntou Rosette imediatamente, ao ver as queimaduras na pele de Chrno.

– Eu estou bem. – respondeu Chrno, sorrindo – E tu? Eles não te fizera…

– Não está autorizado a falar com a Santa, pecador! – exclamou um dos exorcistas, sacando uma arma.

Automaticamente, Rosette baixou-se, roubou a arma ao exorcista facilmente e apontou-lha.

– Não lhe apontem uma arma! – gritou Rosette – Nunca lhe apontem uma arma!

– Rosette, tem calma. – pediu Remington, lavantando-se.

Rosette apontou a arma a Taylor. – O que é que ele está aqui a fazer!?

– Nada de especial. – respondeu Remington – Vais ter uma explicação daqui a pouco.

– Eu quero uma explicação, agora! – exclamou Rosette – Porque é que o Aion está a trabalhar com a Ordem!?

Quando Chrno viu as mãos de Rosette a tremerem, levantou-se e dirigiu-se a Rosette, assustando os exorcistas. No entanto, quando Rosette baixou a pistola, deixou-a cair e abraçou Chrno com toda a sua força, eles relaxaram um bocado, ao contrário de Madalena e Taylor.

– Vai ficar tudo bem. – prometeu Chrno, abraçando Rosette gentilmente – Não te preocupes. Eu vou proteger-te. Nunca mais te deixo sozinha.