Chrono Crusade - After Heaven

Capítulo 23 - O Selo dela


- Não posso. – respondeu Chrno, sem tirar os olhos de Rosette – Mesmo que quisesse, não seria correcto fazê-lo.

- Porquê? – perguntou Zalia com os olhos postos em Chrno.

- Porque muitas coisas más aconteceram por causa dos meus poderes de demónio. – explicou Chrno – Se pensares bem, se consegues proteger-te a ti e ao teu companheiro sem usares os teus poderes, para que é que queres aprender a usá-los?

- Bobby! – gritou Rosette, caminhando com passos pesados na direcção dele – Vamos para o campo de batalha! Quero decidir de uma vez por todas quem é o mais forte!

Chrno sorriu e deixou-se levar quando ela o agarrou e começou a arrastá-lo pelo pátio.

- Vamos, Zalia! – ordenou Hector, sem se dar ao trabalho de se aproximar – Se perderes, já sabes o que acontece!

Sim, já sabia, pensou Zalia enquanto se levantava.

Sempre que o duplo de Hector e Zalia combatiam, todos os alunos rodeavam o palco. Depois de os convidados terem derrotado todos os exorcistas da Ordem, unicamente, estavam a torcer por Hector e Zalia.

- Apresentações. – disse o mentor, quando os dois pares subiram ao palco.

- Hector e Zalia. – disse Hector, enquanto Zalia fechava os olhos.

- Claire e Bobby. – disse Rosette, rodando a arma com o indicador.

- Claire, não são permitidas armas. – avisou o professor.

- Eh!? Porquê!? – protestou Rosette, brincando com a pistola entre os dedos – O Bobby conseguiu desviar-se.

- São as regras! E não sei porque é que uma seladora tem uma arma… – insistiu ele – Zalia, uma vez que os teus selos só funcionam em demónios, só vais conseguir usar os teus poderes de exorcista.

Rosette virou-se para Chrno e, com apenas um olhar, disse-lhe para te cuidado com Zalia. Chrno anuiu com a cabeça. Ao ver os sinais, Hector franziu s sobrancelhas. Como é que conseguiam estar em tanta sintonia um com o outro de maneira a comunicarem com olhares.

Quanto a ele e a Zalia, pensou Hector enquanto olhava para a companheira que se encolhia timidamente atrás dele, nem sequer conseguiam ter uma conversa decente.

- Podem começar!

Ao ouvir aquilo, Rosette avançou, enquanto Chrno permaneceu no mesmo sitio. Afinal, a função dele era protege-la em situações perigosas, não era atrapalha-la numa batalha que podia ser ganha em alguns minutos.

Confusa com a estratégia deles, Zalia olhou para Chrno que continuava quieto e, nesse momento, Rosette apareceu por trás dela e, com o cabo da pistola colocou-a inconsciente. Quando Hector estava prestes a ataca-la pelas costas, Chrno avançou, agarrou-lhe o braço e atirou-o por cima do ombro. Quando se levantou e viu que tinha saído do palco, começou a resmungar com o mestre.

Com a última concorrente no chão, Rosette sorriu e começou a dirigir-se para Chrno. Até que sentiu uma mão no seu tornozelo. Zalia, que tinha voltado aos seus sentidos, agarrou o tornozelo de Rosette e puxou-o até ela estar no chão. Levantou-se, mas, antes de ter tempo de tocar em Chrno, este agarrou-a pelo pulso e puxou-a até os pés dela estarem a centímetros do chão.

- Desiste. – pediu Chrno, sinceramente preocupado – Nós temos mais experiência do que vocês.

Zalia sorriu e levou a mão livre ao peito de Chrno onde uma cruz de cinco pontas invertida formou-se e desapareceu em segundos. Quando Chrno a largou por causa da dor, Zalia deu meia volta e fez o mesmo nas costas dele.

Deu mais meia volta e levou o indicador à testa dele onde se formou o sinal de uma cruz. Com os dentes cerrados, Chrno afastou-se para evitar mais ataques mas Zalia agarrou-lhe os pulsos.

- Estes são os últimos dois. – murmurou ela – O meu pai ensinou-me que…um demónio a mais nunca é uma coisa má. Desculpa.

- Larga-o!

Com o cano da arma apontado à cabeça de Zalia e as sobrancelhas franzidas, o dedo de Rosette encontrava-se a milímetros do gatilho.

- Larga-o! – repetiu Rosette, vendo Zalia a largar Chrno lentamente – Agora, afasta-te dele!

Seguindo o exemplo de Zalia, os expectadores deram alguns passos para trás.

- Nós agradecemos a cooperação. – disse Azmaria, correndo imediatamente para o local – Partiremos o mais rapidamente possível.

- Eu estou bem. – garantiu Chrno, quando Rosette se recusou a largar o braço dele – Temos de sair daqui.

- Vamos todos juntos. – propôs Azmaria, empurrando os dois para longe dos olhos dos estudantes e do mestre – Obrigada pela estadia, partiremos o mais brevemente possível.

- Zalia! – exclamou o professor, aproximando-se de Hector e a sua companheira – Não te disse para não usares os selos! Não serviu de nada e assustaste a companheira do Bobby!

- Peço desculpa. – disse Zalia, mas estava a pensar noutra coisa.

Com os dois selos que tinha colocado no peito e nas costas dele, devia-o ter paralisado. Com o selo da testa devia tê-lo posto inconsciente mas, mesmo com os três ele continuou de pé.

O seu pai tinha-lhe falado sobre aquele tipo de demónio. Um deles tinha sido selado por uma seladora da antiga Ordem de Magdalena e o segundo tinha morrido há muito tempo atrás.

Seria possível que tivesse nascido um terceiro demónio.

Não tinha.

Os demónios de que o pai de Zalia lhe falara eram Chrno e Aion. Aion tinha sido selado e Chrno tinha morrido, tal como o pai lhe dissera. Mas tinham os dois voltado…

- O que é que ela te fez!? – perguntou Rosette, depois de ajudá-lo a sentar-se na relva, no relvado traseiro da Ordem – Tira a roupa!

- Tem calma. – pediu Chrno, quando Rosette tentou tirar-lhe a camisola – Não aconteceu nada demais…

Chrno tirou a camisola e mostrou o selo que Zalia lhe tinha plantado. Depois virou-se para mostrar a segunda e afastou o cabelo para mostrar a da testa.

- O que é que achas? – perguntou Chrno, virando-se para Azmaria – Consegues tirar?

- B-Bem… - Azmaria corou ao olhar para o peito dele – Ela estava a tentar fazer o selo de Madalena. – disse ela puxando Rosette – As marcas de Madalena são cinco. – continuou, enquanto apontava para os pontos no corpo de Rosette – Dois nos pulsos, dois nos pés e um na testa. Normalmente, os seladores começam pelo sinal da testa. – disse Azmaria, esticando-se para pousar o indicador na testa de Chrno – Com isso, o demónio fica inconsciente e dá tempo para que o selador faça os restantes selos. Mas ela começou pelo peito, talvez por estar confiante, não só nas suas habilidades mas também na certeza de que tu eras um demónio de menor nível. Existem dois tipos de selos normalmente usados para matar demónios dois para selá-los e um para levá-los de volta para o Pandemonium…

- Espera! – interrompeu Rosette – Como é que ela poderia saber que tu és um demónio?

- Ela é metade demónio. – explicou Azmaria – Consegue sentir.

- Temos de ter cuidado com ela, então. – disse Rosette, andando de um lado para o outro – Mas isso não interessa agora!

- Mas foste tu que perg…

- Azmaria, consegues, dessela-lo!? – perguntou Rosette, interrompendo Chrno – E, por amor de Deus, volta a vestir a camisola, Chrno!

- Já que o Chrno é de um nível maior, o selo só o mataria se fosse completado. – disse Azmaria, com um sorriso enquanto Chrno vestia a camisola – Como ele é de nível nove, isto só impediria que ele usasse algum poder. – Azmaria colocou as mãos no peito dele – Agora, se fosse a verdadeira Santa a fazer o selo, ele estaria morto antes que ela tivesse tempo de fazer o segundo.

- Bem, então temos sorte que a Santa não tenha nascido nesta Era. – disse Rosette, cruzando os braços.

- Tem calma, Rosette, tenho a certeza que a Azmaria não queria insinuar nada quando disse aquilo. – disse Chrno, enquanto Azmaria passava do selo no peito para o selo na testa – Quanto tempo é que isto vai demorar?

Azmaria esperou que a cruz na testa de Chrno desaparecesse para olhar para olhar para os pulsos dele. Felizmente, Zalia não tinha conseguido acabar aqueles.

- Mais cinco minutos. – respondeu Azmaria, sorrindo – Depois podemos ir todos jantar.

Enquanto Azmaria e Chrno conversavam, Rosette continuava a imaginar o que aconteceria se Zalia tivesse acabado os selos nos pulsos de Chrno. A cena não lhe saía da cabeça e repetia-se sempre que ela tentava esquecê-la.

- Eu vou reservar uma mesa para nós. – sorriu Rosette, deixando-os. Com passos pesados e apressados, percorreu o quintal e encontrou Hector e Zalia alguns segundos. Sem dizer mais, Rosette pegou no pulso de Zalia e começou a puxá-la atrás de si até chegarem a um sítio aonde ninguém conseguia vê-las. Depois, empurrou-a contra a parede, tirou a arma que tinha presa à perna direita e encostou o cano à cabeça de Zalia, aproximando-se até ficar com a cara a centímetros de a da seladora – Então, o que é que podes dizer para que eu não te mate neste momento, senhora “meia-demónio”?

- Não estás a exagerar? – perguntou Zalia, ouvindo Rosette a tirar a segurança da arma – Foi só um combate de treino.

Rosette sorriu. – Um combate de treino, huh? E que tal se eu experimentasse a minha arma? Só para treinar, sabes?

- Ele não é normal. – avisou Zalia, como se lhe estivesse a dar alguma novidade – Ele é um demónio.

Rosette aproximou os lábios da orelha de Zália. – E eu não sou uma seladora.

Com um movimento rápido, Rosette atirou-a para o chão. – Não voltes a aproximar-te de nós, ou as coisas não vão acabar bem para ti.

Depois lembrou-se que era suposto estar na cantina e começou a correr, deixando Zalia para trás.

- Onde é que estivesse? – queixou-se Azmaria, quando Rosette sentou-se ao lado de Chrno – Fui eu que tive de arranjar uma mesa!

- Fizeste um bom trabalho, Azu. – disse Rosette, reparando que ela tinha reservado uma mesa que se encontrava a um canto isolado da cantina – Desta maneira, não temos de usar os nossos nomes falsos. Então, o que é que trouxeram para mim?

- Não trouxemos nada, Rosette. – respondeu Chrno, vendo-a a abrir a boca – Não sabíamos o que querias.

- Chrno, como meu parceiro, devias saber do que é que eu gosto! – exclamou Rosette levantando-se e apontando dramaticamente para o lugar onde serviam a comida – Agora, vai buscar-me comida!

- Hum, Rosette…

- Não é preciso dizeres nada, Azu. – disse Rosette, sentando-se enquanto Chrno ia buscar a sua comida – Ele já está habituado a isto.

- Ah! Sabes uma coisa!? – exclamou Azmaria, extremamente entusiasmada – Ouvi dizer que o festival está a chegar! É amanhã à noite e, já que estamos em São Francisco…

- Azu, nós viemos aqui para procurar a Satella. – lembrou Rosette, seriamente – Também não podemos ficar durante muito tempo. Para além de precisarmos de voltar para Nova Iorque para ajudar, se a Satella não estiver aqui, temos de ir até a Alemanha.

- O que é que se passa? – perguntou Chrno, ao sentar-se depois de colocar a comida que tinha trazido em frente a Rosette.

- A Azu quer ir ao festival. – respondeu Rosette.

- Oh, estás a falar sobre aquele a que fomos… - Chrno deixou a frase inacabada de propósito – Porque não?

- O quê!? A nossa prioridade é…

- Eu sei que temos de encontrar a Satella. – confirmou Chrno, olhando para Rosette – Mas a casa da Satella em São Francisco é a poucos quilómetros do sitio onde vão fazer o festival. E quem sabe se ela não renasceu lá? Afinal, foi lá que tiramos a fotografia, foi lá que ela reencontrou a irmã e foi lá que ela reganhou os poderes. Quem sabe se ela não está lá?

- Mas…

- Se não estiver, podemos passar a noite na antiga casa dela, depois de sairmos do festival. – disse Chrno, interrompendo Rosette outra vez – Uma das freiras disse-me que está abandonada.

- Está bem! – exclamou Rosette, já que não tinha mais argumentos – Partimos amanhã de manhã em direcção à casa da Satella. Espero bem que ela esteja lá para não termos de ir à Alemanha!

- Pergunto-me se o festival mudou muito desde a última vez que lá estivesse. – disse Azmaria, instalando o silêncio.

Da última vez tudo tinha corrido mal graças a ela, pensou Rosette levando a mão esquerda ao pulso direito. Mas, agora, ela tinha garantido que não voltaria a ser a "Santa".

Porque, afinal, os selos não eram feitos apenas para parar demónios.

Depois de esconder a pulseira com um pendente em forma de serpente enrolada a uma cruz, Rosette começou a comer.