– Está bem! – exclamou Rosette, já que não tinha mais argumentos – Partimos amanhã de manhã em direcção à casa da Satella. Espero bem que ela esteja lá para não termos de ir à Alemanha!

– Pergunto-me se o festival mudou muito desde a última vez que lá estivesse. – disse Azmaria, instalando o silêncio.

Da última vez tudo tinha corrido mal graças a ela, pensou Rosette levando a mão esquerda ao pulso direito. Mas, agora, ela tinha garantido que não voltaria a ser a "Santa".

Porque, afinal, os selos não eram feitos apenas para parar demónios.

Depois de esconder a pulseira com um pendente em forma de serpente enrolada a uma cruz, Rosette começou a comer.

Anteriormente: Nova Iorque (Alguns minutos antes de a Rosette chegar ao hospital)

Rosette tentava ignorar as pessoas que gritavam por ajuda porque não tinha tempo para salvar toda a gente. Reconheceu alguns Seladores e Exorcistas mais velhos a tentar controlar a situação, mas aquilo era demais para eles.

Eles nunca tinham passado por algo assim, onde o mundo estava prestes a ser controlado por demónios e Rosette era só uma pessoa. Seria mais fácil se pudesse trazer as suas amigas para a ajudarem mas, infelizmente, isso não era possível.

Estava tão perdida em pensamentos, que teve que parar violentamente quando viu um demónio parado à sua frente. Por alguma razão, ele não atacava.

– Tu és a Santa. – disse o demónio numa voz noturna – Eu lembro-me de ti. Estavas com o Aion há alguns anos atrás.

– Eu já não sou a Santa. – disse Rosette – Mas sou uma Exorcistas.

Rosette apontou-lhe a arma e preparou-se para disparar.

– Tu és a Santa. – reforçou o demónio – Eu consigo senti-lo. Está no teu sangue como se fosse uma maldição.

Farta daquela conversa, Rosette pegou na Beretta que tinha presa à coxa e atirou, usando a primeira bala santa desde que tinha voltado.

Agora com as mãos a tremer, Rosette continuou os demónios que lhe apareciam à frente, enquanto se dirigia para o hospital. No entanto, dois minutos depois, quando estava a alguns passos de entrar na protecção do hospital, parou.

Mesmo com os demónios a aproximarem-se, Rosette tirou a luva e olhou para o pulso, livre de marcas. Pegou no punhal que trazia e fez um pequeno corte, virou-se, imobilizou um demónio pequeno e deixou cair algumas gotas do sangue dela na pele dele. Com desgosto, Rosette viu um pedaço da pele do demónio a desfazer-se.

Rosette suspirou, matou o demónio com o punhal e os que estavam à volta com a pistola.

O que o demónio tinha dito era verdade.

Rosette olhou para o hospital e perguntou-se se não seria melhor fugir para longe. Chrno já estava a salvo, tal como Joshua e Azmaria também. Pelo que sabia, os planos de Aion não tinham mudado.

Se ela desaparecesse, Aion teria de procura-la para concluir o que queria.

Decidida, Rosette virou as costas ao hospital e continuou a matar demónios pelo caminho até se deparar com uma loja e parar. O letreiro dizia “Dark Madness”. Graças às vitrinas negras, não se via nada para dentro mas, porque estava curiosa, Rosette.

Já tinha entrado numa assim em São Francisco com Satella. Não devia ser muito diferente.

No entanto, quando entrou, deparou-se com um demónio. Por instinto, pegou na arma e matou-o imediatamente. Por trás do balcão, encontrava-se uma rapariga, não muito mais velha que Rosette, com cabelo preto, vestido vermelho e, ao pescoço, uma cruz preta, presa ao pescoço.

- Estávamos a fazer negócio. – queixou-se a rapariga, com olhos azuis e três piercings na orelha esquerda – Hoje é um dia muito ocupado.

Era verdade, pensou Rosette. Aquele tipo de lojas costumavam fazer negócios com demónios e, como a cidade estava cheia deles…

Por prevenção, Rosette trancou a porta.

- Oh, mas o que é que eu cheiro? – a rapariga saltou do balcão e aproximou-se de Rosette em menos de um segundo. Antes que Rosette notasse ou pudesse fazer alguma coisa, a rapariga acocorou-se e lambeu o sangue que tinha escorrido da ferida que tinha feito com o punhal. Depois endireitou-se e inclinou até o seu rosto estar a milímetros de o de Rosette. Esboçou um sorriso que não era nem bondoso nem maldoso – O que é que a Santa faz numa loja destas?

Chocada com os gestos daquela rapariga, Rosette deu um passo atrás e bateu contra a porta. Pensou em fugir mas, apesar de o sorriso daquela rapariga ser parecido com os sorrisos de alguns “cientistas malucos” que tinha visto num filme, não parecia querer fazer-lhe mal.

- O meu nome é Trugy. – mais uma vez, com gestos rápidos, ela pegou na mão de Rosette, puxou-a e abraçou-a. Sem a largar, Trugy inclinou a cabeça para trás e olhou para Rosette – E como é que tu te chamas?

Para surpresa de Rosette, o corpo de Trugy era frio, como se ela já estivesse morta há muito tempo. Podia ser um demónio, mas até o Chrno era quente. O que é que era aquela rapariga?

- O meu nome é Rosette. – disse ela, tentando libertar-se. Apesar de os braços da rapariga parecerem frágeis, ela não conseguia mexer-se.

- Vamos ser amigas. Quando é que voltas de São Francisco? – com alguns risinhos, Trugy largou-a, fez umas piruetas para voltar para trás do balcão, endireitou-se e sorriu – Em que é que posso ajudar-te?

- Espera, como é que sabes que vou a São Francisco? – perguntou Rosette, tentando seguir os movimentos dela – E…

- Não tenho muito tempo para perguntas. – protestou Trugy, quando lhe bateram à porta – Nova Iorque está a encher-se de clientes, enquanto falamos.

- S-Sim. – gaguejou Rosette, aproximando-se do balcão – Tem alguma coisa que quebre um feitiço…

- Não te preocupes, o teu amigo vai ficar bem. Afinal, ele é um demónio de nível nove. – Trugy virou-se, mesmo a tempo de não ver a expressão chocada de Rosette – Mas tenho algo que talvez te interesse.

Enquanto Trugy remexia nas prateleiras, Rosette observava a rapariga misteriosa. Seria um tipo de demónio diferente? Um humano com um contracto com um demónio? Queria perguntar-lhe, mas ambas não tinham tempo para a conversa naquele momento.

- Ah, aqui está! – exclamou a rapariga, assustando Rosette. Trugy virou-se para Rosette com um sorriso e uma caixa quadrada nas mãos – Tenho de arrumar este lugar, huh?

- Hum, o que é isso? – perguntou Rosette.

- Este é um objecto único. – explicou Trugy com entusiasmo, enquanto mostrava a pulseira que repousava dentro da caixa quadrada – Isto consegue esconder a aura de uma criatura. Até mesmo o cheiro do seu sangue.

- O quê?

- Muitos demónios usariam isto para esconder a sua presença cá em cima. – continuou Trugy, interrompendo Rosette – No entanto, é demasiado caro e eles não podem pagara. Mas como nós somos amigas, eu vou emprestar-to.

Trugy tirou a pulseira com uma cruz de prata da caixa e colocou-a no pulso de Rostte, antes de ela dar por isso.

- Olha, olha! – Trugy deu alguns saltinhos – É tão bonita! Nunca tinha visto ninguém usá-la!

- E para que é que eu preciso disto!? – exclamou Rosette, afastando-se um pouco – Eu não sou um demónio!

- Mas ninguém vai conseguir distinguir o teu sangue de o de um humano normal. – explicou Trugy, pedindo para que ela se aproximasse com o indicador – É isso que queres, não é?

- E então? – perguntou Rosette – Só por andar com esta pulseira…

- Não. – Trugy puxou novamente o braço de Rosette até ela estar sob o balcão. Quando Rosette viu a iris de Trugy a mudar de azul para amarelo e a pupila a estreitar-se, tentou libertar-se em vão – Isto só vai doer um bocadinho.

Rosette esbugalhou os olhos quando viu os dentes afiados de Trugy e gritou quando ela mordeu-a. Não estava a sugar-lhe o sangue, apercebeu-se Rosette enquanto tentava alcançar a arma presa à sua anca.

- Não te preocupes. – pediu Trugy, tirando os dentes do pulso de Rosette – Eu não vou matar-te. – ainda a segurá-la, pegou na cruz e espetou-a entre os buracos que os seus dentes tinham criado, tirando outro grito de Rosette – Já está. – disse ela, tirando a cruz, dois segundos depois.

Rosette endireitou-se imediatamente e olhou para o pulso que, apesar daquilo tudo, se encontrava intacto. Apenas a cruz estava manchada. Quando olhou para Trugy, ela já tinha voltado aos seus naturais olhos azuis. A única evidência do que se tinha passado era o fio de sangue que escorria pelo canto da boca de Trugy.

- O que é que fizeste!? – exclamou Rosette, apontando-lhe a arma.

- Eu inseri o meu veneno em ti. – respondeu Trugy, naturalmente – E depois contaminei a cruz com o teu sangue que já tinha sido contaminado com o meu veneno, percebeste? – ela sorriu e apontou para a cruz de prata no pulso de Rosette, que agora estava envolvida por uma cobra – Claro que o teu sangue livrar-se-ia do meu veneno em minutos normalmente mas, enquanto manteres essa pulseira contigo, o meu veneno nunca desaparecerá do teu sangue. Assim, as provas de que és a Santa vão ser encobridas. E não vais conseguir “despertar”, enquanto o teu sangue estiver a lutar contra o meu veneno. Portanto, nada de chagas.

Rosette olhou para a cobra enrolada à volta da cruz e depois para Trugy. – Tu és um demónio?

- Não. Claro que não. - Trugy sorriu, desapareceu e apareceu à frente da porta, atrás de Rosette – Agora tens de ir. Mas vemo-nos mais tarde, está bem?

Actualmente – São Francisco

Rosette ainda não sabia o que era aquele ser que se chamava Trugy, mas não tinha tirado a pulseira desde então.

Na sua vida anterior, Aion tinha reunido os apóstolos por causa do “despertar” e porque sabia que ela era a reencarnação de Maria de Magdala. Tinham morrido muitas pessoas. Pelo que sabia, houvera uma guerra mundial depois de ela morrer. Azmaria tinha morrido a tentar vingá-la e Joshua perdera a memória. Tinha sido por causa dela.

Se aquela pulseira prevenisse que o fim fosse igual, ela nunca a tiraria.

- Estás bem, Rosette? – perguntou Chrno, trazendo-a de volta à realidade – Ainda não tocaste na comida.

- Ah! – Rosette sorriu e pegou na colher para começar a comer a sopa – Só estava a pensar que temos de voltar a Nova Iorque rapidamente. Eles precisam da nossa ajuda.

- Logo depois de encontrarmos a Satella. – concordou Chrno, sorrindo também – Amanhã de manhã saímos da Ordem e dirigimo-nos à antiga casa da Satella. Se ela não estiver lá, vamos procurar no festival e partimos para a Alemanha no dia seguinte.

- Está tudo planeado, então. – Rosette pegou no pão e trincou-o como se já não comesse há dias – Espero que não haja imprevistos.

Mas havia sempre, pensou Rosette enquanto o sol se levantava no dia seguinte.

- Pensei que seria uma boa ideia se a Zalia e o Hector fossem convosco para Nova Iorque. – disse o capitão – Para ajudarem com os demónios.

- Mas nós ainda temos de passar por um sítio antes de voltarmos para Nova Iorque. – tentou Rosette, fechando os olhos quando o treinador disse que eles podiam acompanhá-los.

- Podem ir nos nossos carros. – terminou o treinador, antes de virar costas – Tenham uma boa viagem.

Azmaria sorriu de uma maneira constrangedora. Pensava que iam conseguir divertir-se um bocado, principalmente se encontrassem Satella mas, se eles fossem com eles, teriam de continuar a mentir.

Por outro lado, Hector e Zalia sabiam mais sobre aquele tempo do que eles. Se o festival estivesse muito diferente do que costumava ser, eles podiam guia-los. Azmaria não sabia o que era melhor, pensou ela olhando para Chrno e depois para Rosette.

Conseguia ver que eles estavam frustrados. Afinal, ainda não tinham conseguido descansar depois de se reencontrarem. Azmaria também tinha planeado para que eles ficassem sozinhos no festival para conversarem.

Mas agora nada disso poderia acontecer.