Chrono Crusade - After Heaven

Capítulo 19 - Keiko, a primeira encarnação


Depois de várias lutas e de ter gastado quase todas as balas sagradas pelo caminho, Rosette chegou ao hospital, coberta de sangue, não só de demónio mas também dela.

O Inferno tinha chegado à terra, tal como Aion planeara. No entanto, nem os demónios mais fortes conseguiriam penetrar a barreira que tinham erguido no hospital e, apesar de ficar frustrada ao ouvir os gritos da vítimas, a prioridade de Rosette era garantir que o irmão e a Azmaria estavam a salvo.

Uma vez que não os viu na entrada nem na sala-de-espera do hospital, Rosette procurou uma enfermeira e perguntou-lhe.

- Eles foram para o quarto da menina Hendrick. – informou a enfermeira.

Claro que estavam, pensou Rosette. Afinal, o Chrno tinha-lhes dito para irem para lá quando chegassem ao hospital. No entanto, as vozes vindas do quarto surpreenderam-na.

- Como assim, não te chamas Joshua? – perguntou Azmaria quando Rosette entrou. A surpresa nos olhos da exorcista não se comparavam à surpresa estampada na cara da portuguesa – Rosette!?

- Estás acordada! – exclamou Rosette, correndo para a abraçar.

- Estás viva! – disse Azmaria, envolvendo Rosette com os braços.

Rosette só se afastou cinco minutos depois, com as lágrimas nos olhos.

- Onde é que está o Chrno? – perguntou Azmaria, rezando para que a resposta não fosse negativa – E a Satella?

- O Chrno está com o Padre Ramington no Convento. – respondeu Rosette, vendo Azmaria sorrir – Mas ainda não sabemos onde é que está a Satella.

O sorriso de Azmaria desapareceu. – E o que é que se passa lá fora?

- O Aion abriu as portas do Pandemonium. – revelou Rosette, encolhendo as sobrancelhas – Ele voltou quando um dos selos foi quebrado, no mesmo dia em que o Chrno se libertou.

Rosette e Azmaria falaram até anoitecer. Sobre maneiras de derrotar o Aion, sobre as suas vidas passadas, sobre o que tinha acontecido a Chrno e sobre o fim do contrato entre eles. O Joshua também fez algumas perguntas, às quais Rosette e Fiore responderam o mais vagamente possível.

- Ele tem os cornos de volta. – finalizou Rosette – E o Aion está a controlá-lo. Conseguimos tirá-lo do Aion, mas ele continua hipnotizado.

- Tu também já passaste pelo mesmo. – disse Azmaria – Deve haver uma maneira de reverter o efeito.

- Sim. – concordou Rosette – E tenho a certeza que vamos encontra-la.

A enfermeira entrou no quarto poucos minutos depois, para avisar que a senhorita Hendrick tinha que descansar e que eles podiam ficar num dos quartos disponíveis, se lhes fosse conveniente.

Aceitando a oferta, Rosette, Fiore e Joshua despediram-se de Azmaria e seguiram a enfermeira até ao quarto que continha quatro camas e uma janela pequena.

- No momento não temos mais quartos disponíveis, por isso espero que este sirva, por enquanto. – informou a enfermeira.

- Este é perfeito. – disse Rosette, imediatamente – Muito obrigada!

A noite não tinha sido silenciosa mas, depois de um par de horas com os olhos abertos, Rosette sucumbiu finalmente ao cansaço e adormeceu.

No entanto, os seus sonhos não foram mais calmos de o que estava a acontecer lá fora.

Por entre uma névoa branca, uma rapariga que ela não conhecia falava com ela numa língua que ela desconhecia.

- Shinu. – disse a rapariga, enquanto se aproximava de Rosette – Shinu! Shinu!! Shinu!!!

- Eu…não percebo. – replicou Rosette.

A rapariga começou a chorar, assustando Rosette que pensou imediatamente que tinha dito alguma coisa de errado.

- Iie! – exclamou a rapariga de cabelos pretos e pele pálida, levando as mãos ao pescoço de Rosette – Kurosu!

Quando as mãos começaram a apertar a garganta dela, Rosette agarrou-lhe os pulsos e foi aí que sentiu as marcas e largou-a imediatamente.

- Doushite!? – perguntou a rapariga – Naze wa…

- Rosette!

A voz do Padre acordou-a do pesadelo mas ainda sentia a pressão na garganta.

-Onde é que está o Joshua e a Fiore? – perguntou Rosette, olhando para as camas vazias ao seu lado.

- Estão com Azmaria. – respondeu Remington, olhando pela janela – Já são dez horas, apesar de o céu continuar negro. Também trousse o Chrno para ver se algum dos médicos pode fazer alguma coisa por ele. Mas tu parecias estar a ter um pesadelo.

Com calma para tentar lembrar-se de todos os pormenores, Rosette contou-lhe sobre a rapariga que usava palavras estranhas e tinha as marcas nos pulsos.

- Parece que estás a falar da Keiko. – disse Remington, depois de pensar um pouco – Na verdade, a tua antecedente também teve alguns sonhos com ela antes de oferecer a vida ao Chrno. Antes de ser raptada, ela conseguiu ver algumas memórias dela.

- Ela parecia tão zangada. – disse Rosette – E as marcas…

- Ao que parece, ela foi a primeira reencarnação. – revelou Remington – A que veio antes da Madalena. Infelizmente, ela nasceu num país e numa época que não a aceitavam. Quando as marcas apareceram, os aldeões da vila dela tomaram-nas como sinais dos deuses e ela foi sacrificada.

Era por isso que estava tão chateada, pensou Rosette.

- Ela tentou matar Magdalena através dos sonhos mas conseguimos pô-la para descansar antes que ela conseguisse. – continuou Remington – Pelos vistos, ela odeia as reencarnações que conseguem viver mais do que ela.

- Mas ela parecia ter a minha idade. – disse Rosette.

- E não tinha. Ela morreu com 17 anos, tal como tu. Foi por isso que ela não te apareceu na outra vida. – explicou Remington – Mas tu voltaste. Parece que ela está chateada com isso.

- Eu pensei…que a Magdalena que o Chrno conheceu tinha sido a primeira. – murmurou Rosette – Porque o nome dela…

- É normal pensares dessa maneira. – disse Remington – Mas os pais dela deram-lhe o nome de Maria Magdalena porque já sabiam que ela seria a próxima reencarnação antes de ela nascer.

Tinha sido na altura em que tinha sido enviado à terra para proteger a Santa que estava para nascer, lembrou Remington. E depois tinha perdido as asas quando Magdalena morrera.

- As marcas da Magdalena também apareceram mais cedo do que é costume, aos 7 anos – disse Remington – Foi aí que a trouxemos para a Ordem. Vocês as três são descendentes da Maria de Magdala.

- Mas a Keiko estava sozinha.

- Não te preocupes. – pediu Remington – Ainda me lembro do método que a Magdalena usou para dispersar o espirito. Ela não vai incomodar-te mais. Mas, primeiro, tenho de ir buscar algumas coisas ao Convento.

Remington despediu-se de Rosette e saiu.

Rosette suspirou de alívio, mas sentia pena por Keiko. Ela nem sequer tivera uma hipótese. Ninguém tinha-lhe explicado o que era aquilo ou porque é que estava a acontecer-lhe a ela. Provavelmente tinha morrido a pensar que estava a ser castigada pelos deuses quando, na verdade, era o oposto.

Chrno encontrava-se preso a uma cama, com os olhos abertos, a olhar para o nada.

Dois médicos examinavam-no a medo quando Rosette entrou.

- Como é que ele está? – perguntou Rosette, vendo o médico mais novo a saltar de susto. Ela decidiu que seria melhor não se rir.

- Menina Cristopher. – disse o médico assistente, virando-se – O Padre disse que você não pode estar aqui.

- Bem, ele saiu agora há pouco e deu-me autorização para isso. – mentiu Rosette, avançando para se sentar ao lado de Chrno – Há alguma melhoria?

- Por enquanto não. – respondeu o mais velho – O que quer que o Aion usou, é forte de mais para ser quebrado por métodos convencionais. Em todo o caso, já estamos a quebrar todas as regras ao mantê-lo aqui. É muito perigoso ter um demónio do nível dele debaixo deste teto.

- Quanto mais depressa o curarem, mais depressa ele pode sair daqui. – disse Rosette, cruzando os braços – O Padre deu autorização para que ele estivesse aqui, certo? Por isso, vocês não têm que se preocupar!

Mas preocupavam-se. Por isso, quando Chrno tentou levantar-se, ativando as algemas que o prendiam à cama, o mais novo pegou na pistola que tinha trazido especialmente para aquele paciente.

Automaticamente, Rosette saltou da cama e sacou da pistola, apontando-a ao homem.

- Largue a arma! – gritou Rosette – Já!

- Vamos ter calma. – pediu o médico mais velho, baixando a arma do colega com a mão – As algemas são dos seladores. Foram especialmente concebidas para deterem demónios. Ele não vai a lado nenhum, por muito que tente.

Relutantemente, Rosette baixou a arma e voltou a sentar-se ao lado de Chrno. Queria ir ver como é que estava Azmaria, mas não se sentia confiante em deixar Chrno sozinho com aqueles dois.

No entanto, quando o alarme do hospital tocou, Rosette levantou-se e disse aos médicos para não saírem dali e protegerem o Chrno a todo o custo. E saiu.

A pistola na mão, Rosette avançou pelos corredores e viu Fiore a sair do quarto de Azmaria.

- Fiore! – chamou Rosette – Aonde é que está o meu irmão?

- Eu pedi-lhe para ficar com a menina Azmaria. – respondeu Fiore, juntando-se a Rosette – O que é que se passa?

- Parece que houve uma falha na barreira. – disse Rosette – Alguém conseguiu entrar, e eu acho que sei quem foi.

- Nem mesmo o Aion-sama conseguiria penetrar na barreira. – disse Fiore.

Mas tinha quase a certeza que era ele, pensou Rosette. E também devia ser por isso que Chrno tinha tentado libertar-se. Aion tinha dito que Chrno voltaria para ele, como se estivesse programado para o fazer. Mas ele estava preso e isso não devia estar nos planos de Aion.

Quando chegou à entrada, os guardas encontravam-se a apontar as armas ao intruso e a gritar “Identifique-se!” vezes e vezes sem conta. Confusa, Rosette passou pelos guardas e reconheceu a rapariga que se encontrava na mira.

Keiko!

Como é que ela estava ali!? Era impossível!

- Rosette Cristopher. – com um sorriso brilhante, Aion apareceu atrás de Keiko, pousando o braço nos ombros dela – Parece que já conheces a minha nova amiga.

- O que é que tu fizeste, Aion!? – exclamou Rosette.

- Dei-lhe a vida que ela nunca teve. – respondeu Aion – E ela está ansiosa para ser tua amiga.

Então tinha sido assim que ele tinha entrado. Keiko ainda devia ter alguns poderes que lhe permitiam quebrar a barreira.

- Mas primeiro, eu quero o Chrno. – disse Aion dando um passo em frente com Keiko – Vocês prenderam-no. Isso não é justo. Tenho a certeza que ele já se tentou libertar algumas vezes.

- Isso não aconteceu! – mentiu Rosette – Ele já não está sob o teu controlo.

- Essa foi a pior mentira de sempre. – disse Aion, abanando a cabeça – O que é que achas, Keiko?

- Ele está no quarto 241. – respondeu Keiko, sem tirar os olhos de Rosette – Ainda está sob o seu controlo, Aion-sama.

Rosette ergueu a pistola e apontou-a a Aion. – Eu não vou deixar que o leves outra vez! Ele é meu!

- Ele nunca foi teu. – contrariou Aion – Desde o momento em que nos encontramos no Pandemonium, ele é propriedade minha. O poder dele não pertence a mais ninguém a não ser a mim. Tal como o poder que tu tens pertence à Keiko.

- O quê? – perguntou Rosette, olhando para Keiko.

- Eu quero o meu poder de volta. – disse Keiko.

- Ela é espetacular, não é? – disse Aion, fazendo festinhas no cabelo de Keiko – E nem sequer está hipnotizada.

- Keiko, tu não tens de ficar com ele só porque ele salvou-te. – disse Rosette – Ele é mau!

- Eu não estou com ele porque ele deu-me vida outra vez. Eu estou com ele porque ambos temos o mesmo objetivo. – explicou Keiko – Ambos queremos acabar com a humanidade.