Chrono Crusade - After Heaven

Capítulo 14 - Contrato Desfeito


Depois da confissão inesperada de Tyler, Rosette abriu a boca mas não conseguiu dizer nada. No entanto, alguns segundos depois, começou a rir-se às gargalhadas até lhe virem lágrimas aos olhos.

- Essa…essa foi boa. – admitiu Rosette sem folego – Estás apaixonado por mim…como é que podes estar se nem sequer me conheces? Dizes que apaixonaste-te por mim depois de ouvires a história e veres a minha fotografia. Mas a história é sobre uma “santa” que não sou e a fotografia foi tirada quando estava sob o controlo do Aion.

- Do que é que estás a falar? – perguntou Tyler – Eu conheço-te melhor do que qualquer outra pessoa.

- Podes conhecer a minha história mas não a viveste comigo. Como é que podes dizer mal de alguém que passou por tudo ao meu lado e ainda chamar-lhe desprezível? – perguntou Rosette referindo-se a Chrno – Trazer-nos a todos para uma era que não conhecemos depois de termos sofrido tanto faz de ti o mais desprezível de todos.

- O Chrno é que foi o responsável pela tua morte! – exclamou Tyler, levantando-se – Como é que podes dizer isso sobre mim?

- Bem, se conheces a minha história, deves saber que já há uma pessoa que amo. – Rosette tirou a arma suplente que tinha agarrado à bota, levantou-se e apontou-lha – Tyler, como exorcista oficial da Ordem de Madalena, vou-te levar para o Convento.

- Qual é a razão? – quis saber Tyler, assustado por ter uma arma apontada à cabeça dele.

- Ações ilícitas que levaram ao aparecimento de um demónio de nível 5. – explicou Rosette aproximando-se de Tyler – Agora, acompanha-me a bem, ou terei de te levar à força.

- Não te preocupes. – disse Tyler levantando os braços – Eu seguir-te-ia para onde quisesses.

Rosette suspirou.

- Vá lá. – pediu Rosette encaminhando-o para a porta – Antes que o Chrno chegue.

Mas Rosette não precisava de preocupar-se com a chegada de Chrno pois, quando ele abriu os olhos, descobriu que não se podia mexer.

Com dificuldade, olhou em volta e viu-se preso numa cela com grades do dobro do tamanho das normais e sem janelas. Tinha correntes a prender-lhe os pulsos, os tornozelos e o pescoço. No entanto, não eram as correntes que o impediam de mexer-se mas sim o selo colocado nelas.

Chrno fechou os olhos outra vez para tentar lembrar-se do que tinha acontecido.

Lembrava-se de estar a falar com o selador e depois ele atirara-lhe um tipo de papel que se tinha agarrado ao seu peito. Tinha-o paralisado, pensou Chrno. Os seladores daquela era eram assustadoramente bons.

Ele abriu os olhos de novo, pronto para pensar numa maneira para sair dali e deparou-se com o sorriso triunfante de Bobby.

- Para um demónio que dizia-se ser tão forte, caíste rapidinho. – disse Bobby que estava obviamente a conter o riso – Ou será que não estás habituado às técnicas de hoje em dia? Aposto que foi por isso que foste derrotado pelo Aion.

Chrno puxou pelas correntes para tentar alcança-lo, mas foi parado por correntes elétricas que provinham do selo.

- Nem consegues falar. – disse Bobby, vendo Chrno a lutar para respirar – Não é surpresa nenhuma. Afinal, usei selos para demónios de nível cinco e, nessa forma só deves ter o poder de um demónio de nível 3 no máximo.

Bobby pegou num pequeno recipiente de prata que tinha trazido e aproximou-se até ficar a poucos centímetros de Chrno.

- Há alguns anos atrás, descobrimos que é muito mais eficiente torturar demónios até eles nos dizerem o que queremos, do que mata-los imediatamente. – informou Bobby obtendo a atenção de Chrno – No entanto, os demónios não cedem muito facilmente, por isso os corpos ficavam muito danificados no fim. É claro que, como homens de Deus, nós decidimos dar-lhes outra opção. – ele molhou o dedo na água benta que trazia no recipiente e desenhou a forma de uma cruz na testa de Chrno, fazendo-o gritar – Se me disseres com quem é que fizeste o contrato e quais são os planos do Aion, eu mato-te agora.

Mesmo sem conseguir falar, Chrno mexeu os lábios, soletrando “Idiota” silenciosamente.

Irritado, Bobby pousou o pequeno recipiente no chão e pegou no balde cheio de água benta que tinha trazido pela via das dúvidas.

- Foste tu que escolheste! – exclamou Bobby, entornando o conteúdo pela cabeça abaixo de Chrno.

Rosette entrou no convento com Tyler sem saber que, algures naquelas instalações, Chrno estava a ser torturado.

- Wow, já tinha visto isto, mas nunca tinha entrado cá dentro. – disse Tyler fascinado – Ouvi dizer que têm catacumbas secretas onde torturam demónios. É verdade?

Rosette nunca ouvira falar nisso.

No seu tempo só queriam matar os demónios o mais depressa possível mas, naquele lugar, nada fazia sentido para ela.

- Continua a andar. – ordenou Rosette que já tinha guardado a arma. De qualquer maneira, se quisesse neutraliza-lo, seria mais fácil do que encontrar Chrno pela manhã.

Andando depressa, entrou no edifício principal e não demorou muito até estar em frente à porta do escritório da Irmã Charlotte. Bateu gentilmente e esperou até ouvir a confirmação de que podia entrar.

- Irmã Charlotte. – Rosette entrou com Tyler à sua frente – Este rapaz foi o responsável por me trazer a mim e ao Chrno de volta para propósitos pessoas e, consequentemente, o Aion.

Charlotte levantou-se da sua cadeira e olhou bem para o Tyler.

- Ele parece ser um rapaz normal. – declarou Charlotte que estava a ter dificuldade em acreditar que um simples estudante tinha conseguido todas aquelas proezas – Tem a certeza do que está a dizer, Irmã Rosette.

- Ele próprio confessou. – afirmou Rosette, um pouco magoada por a Irmã não acreditar nela – Talvez seja melhor chamar o Padre Rammington.

- Sim. Ele foi almoçar. – concordou Charlotte – Porque é que não vais busca-lo? Eu fico a tomar conta do rapaz.

Concordando, Rosette saiu, deixando Charlotte e Tyler sozinhos.

- Como é que te chamas, criança? – perguntou Charlotte apontando para a cadeira à sua frente para que ele se sentasse.

- O meu nome é Tyler, irmã. – respondeu Tyler com o maior dos respeitos, sentando-se onde lhe fora indicado.

- É verdade que foste tu que os trouxeste de volta? – continuou Charlotte.

- É sim. – disse Tyler sem probemas.

- Bem, deixa-me desde já agradecer-te por trazeres a Santa de volta. – Charlotte voltou a sentar-se e virou-se para a janela para ver Rosette a correr pelo pátio – Mas o que é que te passou pela cabeça para trazeres o demónio também?

O Padre estava mesmo a comer descansadamente quando Rosette entrou, lembrando-a que já estava na hora do almoço e Chrno já devia estar em casa.

- Padre Remmington. – chamou Rosette parando ao lado dele – A Irmã Charlotte quer falar consigo.

- O que é que aconteceu? – perguntou ele, olhando para Rosette – Onde é que está o Chrno?

- Ele ficou em casa. – pressupôs Rosette já que não fazia a mínima ideia de onde é que ele estava – Entretanto, encontrei a pessoa responsável por nos trazer de volta.

- O quê!? – Remmington levantou-se, esquecendo-se completamente da refeição que ainda não tinha acabado – Bem, onde é que ele está!?

- Está com a Irmã Charlotte. – disse Rosette – Eu achei melhor vir chamá-lo, por isso ela ficou a tomar conta dela.

Remmington suspirou.

- Rosette, acompanha-me. – pediu Remmington, começando a caminhar em direção ao edifício principal – Tens que saber uma coisa sobre a Irmã Charlotte. – mesmo antes de chegarem ao escritório, Remmngton parou e virou-se para Rosette – Ela é…ela gosta muito de ti.

- Isso é bom, não é? – perguntou Rosette um pouco confusa.

- Ela gosta de ti como um fã gosta de o seu ídolo favorito. – explicou Remmington – Por isso ela até possa achar que o rapaz fez bem em trazer-te de volta.

- O quê!? – exclamou Rosette – Então…o que é que ela sabe sobre o que realmente aconteceu?

- O básico. – respondeu Remmington – Sabe a tua história, sabe que o Chrno é um demónio mas não sabe que tem um contrato contigo. – ele aproximou-se e pôs uma mão no ombro dela – Rosette, sob qualquer pretexto, ninguém deve descobrir que vocês têm um contrato e ninguém pode saber qual é o verdadeiro nível do Chrno.

- Ele…não é de nível 5? – perguntou Rosette a medo.

- A escala de um a cinco é usada para demónios vulgares. – revelou Remmington – Na realidade, o Chrno é um demónio de nível 9 e seria caçado e matado imediatamente se alguém o soubesse.

- Então um demónio de nível 10 seria…

- Só existe um demónio de nível 10. – interrompeu Remmington – E está morto. Com certeza lembraste da cabeça de Pandemonium.

- A cabeça que estava nas mãos do Aion era o único demónio de nível 10? – Rosette olhou para trás só para ter a certeza que ninguém estava a ouvir – Isso quer dizer que o Aion matou um demónio de nível 10? Então ele também é um demónio de nível 9?

- Não confundas esperteza com poder. – pediu ele – Na escala de poder, o Aion está no nível 7 ou 8. O Chrno é o único demónio de nível 9 correntemente conhecido. É claro que em termos de perigo para o público, o Aion está no nível 9 e o Chrno está no nível 2.

- Nível 2? – Rosette sorriu – Não sei se ele gostaria de ouvir isso.

- Mas ele está controlado. – explicou Remmington – Só em casos extremos é que seria capaz de fazer mal a inocentes. – ele encolheu os ombros e continuou a andar – Não sei porque é que ele não ficaria contente. É um elogio.

Tal como Rosette tinha feito anteriormente, Rammington bateu à porta mas não esperou pela resposta. Tal como previra, Charlotte falava alegremente com Tyler apesar de parar imediatamente quando eles entraram.

- Padre. – com um grande sorriso, Charlotte levantou-se – Peço imensa desculpa por a Irmã Rosette ter ido incomodá-lo enquanto comia. Eu e o Tyler já esclarecemos o mal-entendido.

- Mal-entendido? – Rosette deu um passo em frente mas foi parada pelo Padre – Ele disse-me claramente que tinha sido ele a trazer-nos de volta!

- E foi o que ele me disse também. – confirmou a Irmã – Mas também referiu que a ideia não foi dele, mas sim de um colega que recentemente se descobriu, que estava possuído na altura.

- Ele disse que a ideia tinha sido dele! – gritou Rosette, tentando tirar o braço do Padre da frente – Ele disse que sabia da minha história desde pequeno e que reconheceu o meu corpo quando viu a Claire!

- Acho que percebeu mal, Irmã. – disse Tyler, levantando-se da cadeira – Eu disse que o meu amigo contou-me sobre a sua história e depois eu reconheci a Claire…pela discrição que o meu amigo me tinha dado.

- Tu tinhas uma fotográfia minha! – insistiu Rosette.´

- Tenham calma. – pediu Remmington – Por agora, porque é que não vens comigo, rapaz?

Sem protestar, Tyler segui o Remmington que olhou para trás uma vez antes de sair. – Rosette, porque é que não vais procurar o Chrno e vens ter comigo daqui a duas horas?

- Só preciso de trinta minutos para ir a minha casa e voltar. – disse Rosette com as sobrancelhas franzidas – O Chrno deve estar lá.

- Muito bem. – concordou o Padre – Eu vou estar à espera na cantina com o Tyler e os seladores para decidir algumas coisas.

Rosette anuiu com a cabeça e saiu a correr, passando à frente de Remmington e Tyler.

Convencida de que Chrno estaria à sua espera em casa, saiu do convento.

Entretanto, Remmington olhou para Charlotte. – Onde é que estão os seladores?

- A maioria deve estar a dirigir-se para a cantina agora. – disse Charlotte – O Bobby ainda deve estar a interrogar um demónio qualquer nas catacumbas.

Remmington abanou a cabeça. – Tenho pena do demónio.

Nas profundezas das catacumbas, Chrno encontrava-se encharcado pela terceira vez.

A sua pele estava gravemente queimada e fumegava graças à água benta. As únicas coisas que o mantinham em pé eram as algemas na garganta e nos pulsos.

- E agora? – perguntou Bobby pousando o balde vazio – Já estás disposto a dar-me as informações? Só tens de abanar a cabeça para eu parar.

Chrno abanou a cabeça, mas foi para dizer “não”.

- Então acho que vou ter que reabastecer o balde até a tua pele derreter e tu estás disposto a falar. – disse Bobby mas deixou o balde cair imediatamente quando ouviu Remmington a chamá-lo – Ah, já vou! – respondeu ele quando o Padre disse-lhe que queria falar com ele.

Normalmente, o padra não gostava de ver o trabalho deles ali porque achava as atividades “cruéis” demais, mesmo para demónios por isso, Bobby pensou que estava safo. Mas, por um estranho acaso, o Padre decidiu espreitar.

Pela cara de Remmington, ele parecia não ter gostado de ver aquele demónio naquelas condições.

- O que raio é que estás a fazer!? Ele é o parceiro da Ros…Claire! – gritou Remmington, tentando abrir a cela – Deixa-me entrar!

- Como é que um demónio de nível cinco pode ser o parceiro de alguém!? – replicou Bobby tirando uma faca de dentro do casaco – Mesmo que ele não queira dar as informações, o mundo vai ficar melhor sem ele!

- Espera, Bobby… - as palavras perderam-se quando Remmington viu Bobby erguer a cabeça de Chrno e espetar-lhe a lâmina brilhante na garganta.

- O mundo vai ficar melhor sem ele. – murmurou Bobby.

Rosette entrou em casa e começou a procurar por Chrno, mas não o encontrava.

- Onde é que te meteste? – murmurou Rosette, descendo as escadas.

Joshua, que estava a entrar olhou para ela e sorriu. – Como é que te está a correr o fim-de-semana? Onde é que está o teu amigo?

- Isso queria eu saber. – disse Rosette, cruzando os braços.

- Ele saiu cedo…ah! – Joshua apontou para o colar de Rosette – Não sabia que isso era um relógio. Mas tens que o arranjar. Está a andar ao contrário.

- O quê…? – Rosette pegou no relógio e olhou para ele. Os ponteiros estavam a andar ao contrário rapidamente, minimizando a parte negra a olhos visto. Mas nem sequer estava aberto. – O que é que se passa!?

Pressentindo algo de errado, Rosette saiu de casa a corre e dirigiu-se para o convento. Tentou libertar o selo mas, quando chegou aos portões do convento, o relógio já se tinha apagado e, no entanto, ela continuava viva. Isso só podia significar uma coisa.

O contrato estava desfeito.