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19XX

Enquanto o sol se punha, Rosette via a sua vida a acabar, lentamente.

- Eu sabia que isto ia acontecer. – disse Rosette com os olhos inundados de lágrimas – Mas…

O pânico apoderou-se dela ao encarar a realidade inevitável e atirou-se para os braços de Chrno, abraçando-o com força, enquanto começava a chorar.

- Eu não quero morrer! – gritou ela, entre soluços – Eu quero viver mais! Não quero morrer!

Ao sentir Rosette contorcer-se nos seus braços, Chrno fechou os olhos. – Rosette… - murmurou, mas não conseguiu dizer mais nada, com a culpa a corroer-lhe o coração.

Os soluços foram acalmando e o sol ia baixando. Rosette via a paisagem maravilhosa; a última coisa que iria ver; abraçada a Chrno, enquanto o seu relógio contava os restantes segundos da sua vida.

Ela apertou com força a mão de Chrno e sussurrou. – Obrigada…Chrno.

Assim, o sol escondeu-se no horizonte, deixando a noite a tomar conta dos céus e o relógio de Rosette ficou negro.

Atualmente

20XX

Ela acordou, esbaforida, assustada, num sítio que não conhecia.

Olhou em volta, para ver se reconhecia alguma coisa. O branco predominava, naquele lugar. Tinha uma cortinha azul-bebé a envolver a sua cama e conseguia ouvir gente a tossir e a queixar-se. Olhou para baixo e, depois de se sentar na cama fria e dura, viu que tinha um tipo de bata branca vestida, que se amarrava atrás.

Olhou para os pulsos e franziu as sobrancelhas, pensando onde estariam as marcas. Olhou para os pés e depois passou uma mão pela testa para confirmar. Não estavam lá.

Pôs uma mão no peito e esbugalhou os olhos quando descobriu que o relógio não estava com ela. Procurou debaixo da almofada, na única gaveta do pequeno móvel ao lado da sua cama. Nada.

Respirou fundo três vezes para não entrar em pânico. Com certeza tinha-o guardado noutro lado, sem saber. Tinha apenas que voltar para o seu quarto.

- Chrno? – murmurou ela, com medo daquele lugar. Também não tinha nenhuma arma e se tivesse sido raptada por algum demónio, era melhor não chamar a atenção do monstro.

Para começar, o que é que tinha acontecido? Não devia estar morta? Não devia ter morrido com Chrno.

Ao pensar nisso, não conseguiu deter o medo que começava a subir pela sua garganta.

- Chrno. – chamou ela, mais alto. Não tinha o relógio, o que é que isso significava? Com as mãos a tremer, começou de novo a procurar, sem se preocupar com o barulho. Sem sucesso, atirou a almofada ao chão com força – Isto não tem graça! Chrno!!!

Tinha que voltar à Ordem de Madalena! Onde é que estavam as suas roupas!?

Levantou-se rapidamente da cama e estava quase a abrir a cortina quando outra pessoa a abriu primeiro.

- Claire, estás bem? Devias deitar-te. Ainda não estás em condições para te levantares.

O rapaz loiro e alto que olhava para ela, confuso deixou-a paralisada e ainda mais confusa, e depois à beira das lágrimas.

- Joshua? – sussurrou ela quando ele começou a empurra-la de volta para a cama.

- Não devias estar em pé. – disse ele, suspirando quando a conseguiu sentar – Graças a Deus, pensávamos que te tínhamos perdido.

- O que…

- Encontraram-te a passear pela rua e, quando te perguntaram quem tu eras, tu disseste que não sabias. – explicou ele – Felizmente, o médico disse que só precisavas de descansar.

- Joshua! – gritou ela, abraçando-o com força – Estou tão feliz por te ver! – afastou-se um pouco para olhar para a cara dele – Estás bem? Estava tão preocupada!

- Joshua? – ele empurrou-a gentilmente – Eu chamo-me Jason. Estás bem? Talvez deva ir chamar o médico.

Ele levantou-se e pousou a mochila que tinha às costas em cima da cama. Com intenção de sair, virou-se mas foi parado por Rosette que o agarrou pelo pulso.

- Joshua. – disse ela quando ele se virou – Onde é que está o Chrno?...a Azmaria?

O olhar confuso na cara dele voltou. Deu duas palmadinhas na mão dela e sorriu carinhosamente.

- Trouxe-te algumas roupas para vestires quando fores para casa. – informou ele, olhando de revés para a mochila – Porque é que não descansas, Claire? Eu vou chamar o médico. Vais ver que ficas boa num abrir e fechar de olhos.

Rosette ficou a olhar para a mochila, sem expressão nenhuma quando Joshua saiu.

- Eu chamo-me Rosette. – murmurou mas, sem hipótese de saída, ficou na cama, à espera que Joshua voltasse – Onde é que estão todos?

Rosette fitava o médico com um olhar desconfiado, enquanto ele tirava um instrumento do bolso da camisa para a examinar. A bata branca fazia-a lembrar Aion e ela não gostava disso.

Joshua estava do outro lado da cama a segurar-lhe a mão e a sussurrar continuamente “Vai tudo correr bem” o que também a começava a irritar.

Ela estava bem. Só queria sair dali e ir procurar Chrno.

- Então, Claire… - começou o doutor depois de lhe ter apontado a luz aos olhos – Sabe-me dizer o seu nome, o ano em que estamos, onde vive e como veio parar aqui?

- Chamo-me Rosette Christopher, estamos em 19XX e moro na Organização de Madalena como exorcista. – respondeu Rosette recebendo um olhar nada agradado pela parte do médico – E não. Não sei como é que vim parar aqui! Devia estar morta! – gritou ela – E onde é que está o Chrno!?

O médico suspirou, escreveu as respostas dela num papel que tinha na mão, olhou para Joshua e fez-lhe sinal para ele acompanhá-lo.

- Idiotas. – murmurou Rosette, aproximando-se da cortina – Eu consigo ouvi-los perfeitamente.

Mesmo do outro lado da cortina, o médico olhava para Joshua com uma expressão pesada no rosto.

- Tudo parece estar bem com a Claire. – começou o médico – No entanto, ela parece estar confusa e talvez um pouco traumatizada com tudo o que aconteceu – explicou-lhe ele – Ela parece ter criado esta tal de Rosette Christopher para se proteger do impacto. Afinal, ela esteve a dormir durante dois meses.

- Ela chamou-me Joshua. – disse o irmão, contorcendo as mãos – E não para de perguntar por este tal “Chrno”.

- Provavelmente são personagens do dia-a-dia da “Rosette” que ela criou. – disse o médico – Se o chamou de Joshua então talvez o “Chrno” seja um dos amigos da Claire. – explicou ele – Não sabemos até que ponto ela entrou na vida da “Rosette”. Tente entrar na fantasia dela, no entanto, mostre-lhe qual é a realidade, aos poucos. – concluiu o médico – Em termos físicos, parece estar tudo bem por isso ela pode ir para casa.

Do outro lado da cortina, Rosette franzia as sobrancelhas.

- Mas que… - murmurou ela voltando para a cama para que eles não soubessem que ela estivera a ouvir – Eles pensam que eu estou maluca. Tenho que voltar para a Ordem.

- Claire…quer dizer, Rosette. – chamou o irmão entrando no espaço reduzido, limitado pelas cortinas – O médico disse que já podes ir para casa.

- Jason, não precisas de me chamar Rosette. – disse ela. Se queria escapar, tinha de convencê-lo que não estava maluca. Mesmo que se tivesse que passar por outra pessoa – Eu já me lembro de tudo.

O sorriso na cara de Joshua aumentou.

- Oh, ainda bem, Claire. – ele aproximou-se e abraçou a irmã com força – Estava tão preocupado. – ele afastou-se outra vez – Porque é que não te vestes? Eu vou estar lá fora, à tua espera, está bem.

Ela anuiu e esperou que ele saísse para começar a vasculhar a mochila. Talvez o relógio estivesse ali…ou uma arma…ou alguma coisa que lhes provasse que ela não estava maluca…uma prova de que Chrno ainda estava vivo.

Sem encontrar qualquer roupa que fosse sua, tirou as que estavam lá e ficou a olhar com curiosidade para a mini peça de roupa que tinha nas mãos.

- Eu acho que nem a minha roupa interior é tão pequena. – comentou Rosette virando e revirando a minissaia – Eu não posso usar isto. A irmã Kate iria trancar-me numa sala sem janelas se me visse a usar isto.

Pousou a minissaia e continuou a vasculhar até encontrar um top vermelho e que provavelmente devia ter encolhido na lavagem porque era-lhe demasiado pequeno.

Continuou a procurar mas não viu, nem o relógio nem nada que se considerasse uma arma. No entanto, ficou feliz por encontrar um espelho pequeno.

Olhou para o seu reflexo e suspirou. Tinha o cabelo todo despenteado e estava branca, talvez pela sua estadia prolongada no hospital.

Encontrou uma escova pouco depois mas nada para apanhar o cabelo. Penteou-se rapidamente e eficazmente mas não se sentia bem com o cabelo daquela maneira, tal como não se sentia bem sem o relógio ao pescoço.

Olhou para a roupa outra vez e abanou a cabeça. Nem morta vestiria aquela roupa.

- Joshu…Jason! – chamou Rosette vendo o irmão entrar alguns segundos depois – Eu não posso vestir esta roupa.

- Não? – ele parecia confuso, outra vez – Mas essa é a tua roupa preferida, Claire.

Rosette olhou para as roupas com uma sobrancelha levantada e pensou que a tal “Claire” devia ser uma oferecida.

- Bem… - gaguejou Rosette – É claro que é a minha roupa favorita! – exclamou ela como se fosse a coisa mais óbvia do mundo – Mas não posso sair daqui com esta roupa.

- Não te preocupes. – disse ele – Eu sei que podes ter um pouco de frio, por isso é que te trouxe um casaco.

Ele apontou para a mochila e Rosette tirou a última peça de roupa que lá tinha: um casaco de cabedal preto que definitivamente não iria cobrir-lhe as pernas.

- Também é o teu preferido. – disse ele contente – Pensei que precisarias de alguma coisa para te animares depois de estares tanto tempo no hospital.

- Claro que pensaste. – disse Rosette continuando a olhar para a roupa. Mas estava contente por ver um sorriso na cara do irmão. E também parecia saudável – Então, espera só mais uns minutos.

- Fica à vontade. – pediu Joshua – Também te trouxe alguma maquilhagem que tinhas lá em casa.

- Um pouco de maquilhagem nunca fez mal a ninguém. – murmurou ela procurando a maquilhagem, mas pousou-a outra vez depois de olhar para ela durante cinco segundos. Brilhantes, batom vermelho berrante, sombra roxa… - Nem pensar!

Vestiu-se rapidamente porque estava a ficar farta de estar ali e vestiu o casaco de cabedal preto para cobrir a barriga que ficava à mostra com aquele top. Teve que se resignar com a saia mas era melhor voltar para a Ordem o quanto antes.

Voltou a guardar tudo na saca e fechou-a antes de sair com ela às costas. Deparou-se com Joshua, mesmo à sua frente.

- Já estou pronta, Jason. – disse Rosette com um sorriso forçado, tentando ignorar a sua vestimenta – Podemos ir para casa.

- Claro. – contente, ele começou a caminhar com a irmã atrás de si.

No entanto, ao ver uma criança doente, poucas camas ao lado da sua, Rosette parou e foi ter com a menina despromovida de cabelos na cabeça e mais branca do que ela.

- Querida, estás bem? – perguntou Rosette depois de se ajoelhar ao lado da cama dela – O que tens?

- Quem é a senhora? – perguntou a menina, desconfiada.

- Não te preocupes, eu sou uma irmã. – explicou Rosette e depois lembrou-se que nenhuma freira andaria com a roupa que ela tinha vestida – Quer dizer…esta roupa não é minha e…

- Irmã. – interrompeu a menina – Se eu rezar a Deus, ele vai-me ajudar?

- É claro. – Rosette sorriu – Fazemos assim, que tal se eu rezar também por ti?

- A irmã faria isso? – perguntou a rapariga sem mais de dez anos; os olhos cheios de esperança.

- Claro que faço. – disse Rosette passando uma mão pela pele macia da cara da menina – Vais ver que ficas boa mais rápido do que imaginas. – ela levantou-se e deu-lhe um beijo na testa – Mas tens que descansar e fazer tudo o que o médico disser.

- A irmã vai voltar para me visitar? – depois de perguntar isso, os olhos da menina desviaram-se – Eu já não tenho família.

Por momentos, Rosette viu Azmaria nos olhos daquela menina. – É claro que te venho visitar. E, assim, podemos rezar juntas.

- Obrigada, irmã. – agradeceu a menina.

- O que é que estás a fazer, Claire?

Rosette olhou para trás e viu o irmão com os braços cruzados e as sobrancelhas franzidas.

- Estava só a conversar com esta menina. – respondeu Rosette, franzindo as sobrancelhas também – Mas já podemos ir, agora.

Antes de fechar a cortina da menina, Rosette virou-se e piscou-lhe um olho.

- Francamente, Claire. – protestou o irmão enquanto se dirigiam para a saída do hospital – Não podes estar a dar esperança a crianças daquelas. E eu pensava que odiavas crianças! O que é que se passa contigo?

O que se passa comigo? pensou Rosette O que se passa com essa tal Claire?

- Pode-se dizer que a experiência pela qual passei fez-me abrir os olhos. Não percebo o porquê de não gostar de crianças. Afinal…

Rosette interrompeu-se quando saiu do hospital e viu o panorama em que vivia, agora. Quase ficou sem respirar quando viu um carro a parar a alta velocidade, mesmo à sua frente.

- O que é…

- Vamos, Claire. – disse o irmão depois de abrir a porta do táxi.

Ela hesitou mas sabia que não podia fazer o irmão duvidar dela. Por isso entrou e olhou para o taxista que esperava indicações.

Tudo aquilo era novo, para ela.

Onde estaria Chrno, naquele mundo?