A dor do corte foi ruim, mas era como um ralado no joelho se comparada com ser carregada com um corte no peito em alta velocidade pelo que pareceu ser muito tempo.

— O... o que... - tentei formular uma pergunta, mas estava difícil falar com a dor misturada ao torpor.

— Tem certeza que é aqui? - escutei a voz de Stephen soar grave e preocupada, ele estava me carregando?

— Oh, merda, isso é uma merda sabia? - Aphrodite chiou - Sim, é aqui, apenas me sigam.

— Conner, você precisa descer para pegá-la. - Stephen falou.

Descer? Onde estavam me levando?

— Z., isso vai ser péssimo para você - Aphrodite falou perto de mim, depositou um beijo em minha testa e apertou minha mão - Mas você precisa aguentar firme.

Não sei se minha vista ainda estava com muitos pontinhos pretos ou se o lugar tinha ficado repentinamente escuro, só sei que num momento eu estava gemendo de dor no colo de Stephen e no outro ele me passou por um lugar estranho e seus braços foram substituídos por outros ainda mais fortes e eu só pude gritar com a dor que senti.

— Shh, fique conosco, Sacerdotisa - Conner pediu. Era ele quem me segurava.

Aphrodite sumiu e voltou com Stevie Rae semi acordada e outros Novatos vermelhos.

— Zoey! O que aconteceu? - minha melhor amiga gritou e então começou a distribuir ordens com seu sotaque caipira - Dallas, busque sangue. Vamos levá-la para o meu quarto.

Quando chegamos no quarto de Stevie Rae, Stephen tomou o controle da situação.

— Tire essas coisas da mesa e me tragam um kit de primeiros socorros, Vermelha, preciso que você continue falando com ela e não deixe-a dormir.

Stevie Rae começou a falar incessantemente, o que era irritante porque eu só queria fechar os olhos e dormir.

— Ela ainda não dispensou os elementos - a voz de Aphrodite voltou a soar, um pouco distante agora - Talvez isso possa ajudar.

Eu não dispensei os elementos, mas eu estava fraca demais para mantê-los perto.

— Ela está muito fraca - Stephen falou.

— Stevie Rae, é melhor pedir a ajuda do seu elemento e concentrar em Zoey e também ligar para os nerds - Aphrodite ordenou - Eu fico ao lado dela.

Pude sentir Stevie Rae inchar de raiva, me esforcei para falar.

— Vá.

Exigiu uma força sobre-humana e pude ver a magoa no olhar da minha amiga, mas com o olhar eu tentei transmitir a mensagem "tenho coisas importantes para conversar com você depois". Ela suspirou e assentiu.

— Não faça besteira. - disse para Aphrodite.

Aphrodite apenas assentiu e ocupou o lugar da minha melhor amiga do meu lado.

— Oi. - ela começou um pouco trêmula - Está aguentando firme, não é?

Tentei sorrir para ela, mas saiu como uma careta de dor.

— Tudo bem, não se mexa. Estou aqui. - ela entrelaçou seus dedos aos meus.

Stephen voltou para perto de mim e tirou qualquer coisas que ele estava usando para estancar o sangue e rasgou parte do meu vestido, de modo que senti o ar frio do túnel em minha pele ensopada de sangue. Aphrodite arfou e seus olhos encheram de lágrimas.

— Oh merda - a voz do garoto Dallas soou da porta do quarto - Péssimo. Ninguém pode sobreviver com um ferimento desses.

— Nenhum humano pode sobreviver a esse tipo de ferimento, mas ela não é humana, e não vou deixá-la morrer. - Stephen falou de forma rude enquanto (felizmente) cobria meus seios nus com o lençol.

Cometi o erro de olhar para baixo. Era bom não ter forças para gritar. Uma enorme laceração que começava no meu ombro esquerdo, atravessava o peito a cinco centímetros acima dos seios e terminava no ombro direito, as bordas estavam divididas de um jeito nojento. A ferida devia estar infeccionando, porque o corte devia ter sido limpo.

— Z., olhe para mim - Aphrodite falou - Você vai ficar bem. Você tem que ficar bem.

Apertei sua mão da melhor forma que pude.

— Traga esse sangue aqui. - Stephen gritou e o garoto entregou a ele alguns sacos de sangue, Aphrodite, você pode pegar a vela roxa do espírito e acender perto dela?

Aphrodite assentiu.

— Eu peguei uma quando busquei Stevie Rae. - ela se levantou para encontrar algum fogo no quarto e voltou com a vela acesa. Ouvi vagamente Aphrodite invocando o espírito, apesar de não conseguir sentir a energia que ele sempre me trazia, mas senti rapidamente um calor distante, cheiro de chuva e grama cortada. - Pronto, Z. Tente extrair força do seu elemento.

Stephen olhou o ferimento de novo e resmungou, ele e Aphrodite trocaram olhares e então ela suspirou e me encarou. Seu rosto estava corado e seus olhos tinham um brilho distante.

— Z., você precisa de sangue. - ela murmurou - Sangue direto da veia.

Eu queria o sangue dela. Muito. Mas não daquela forma, não na frente de outras pessoas. Era pra ser intimo e pessoal. Tentei balançar a cabeça negativamente, ciente da presença de Conner, Stephen, Dallas e uns dois outros Novatos vermelhos aglomerados na porta. Aphrodite se aproximou de mim e sussurrou calmamente:

— Tudo bem, não ligue para eles, estamos juntas nessa e eu não vou deixar você morrer. - seu olhar implorava para que eu colaborasse, movi os lábios silenciosamente como resposta e ela suspirou aliviada.

Stephen pegou o braço dela e fez um corte na pele macia do seu pulso. O cheiro de seu sangue se instalou em mim como uma deliciosa bruma. Minha mente racional dizia para eu não fazer aquilo ali na frente de todo e que não era a forma certa de submeter Aphrodite aquela situação. Mas Aphrodite parecia tão certa do que pretendia, tão certa de que poderia manter o controle que quando sentou na mesa e colocou minha cabeça em seu colo e manchou meus lábios com seu sangue eu só pude abrir a boca, cravar os dentes em sua pele e comecei a sugar. Aphrodite gemeu e me envolveu com o outro braço, afundando o rosto em meu cabelo. O mundo diminuiu, só havíamos Aphrodite e eu, enquanto seu sangue explodia em meu corpo. Ao começar a beber, senti a consciência me golpear o peito com força e minha reação foi tentar me afastar, mas Aphrodite sussurrou em meu ouvido: - Eu sei que é intenso, mas se eu aguento, você aguenta também, você não pode parar.

Senti vontade de chorar porque sabia que ela estava sentindo tudo que eu sentia, só que com uma intensidade maior. Um prazer delicioso, fogo se espalhando em nossos corpos e uma excitação crescente, mas ela gemia em meu ouvido e apertava meu cabelo com força, segurando todos os instintos sexuais. Tudo que Aphrodite sentia me preencheu junto com seu sangue, suas dores, sua confusão, seus sentimentos por mim e acima de tudo: seu desejo e o que aquilo estava custando para ela. Ela estava sentindo dor, porque eu não estava só tomando seu sangue, eu estava me alimentando num frenesi animalesco porque precisava me recuperar, então pela minha necessidade de sangue e acima do véu de excitação ela estava sentindo toda minha dor. Me dei conta de que isso significava quão perto da morte eu estive. Me senti péssima por estar me alimentando dela.

— Tudo bem - ela murmurou com a voz rouca, rangendo os dentes com a intensa mistura de dor e desejo - Eu aguento.

Escutei ao longe Stephen expulsar todos que não eram necessários do quarto para nos dar privacidade e me dei conta de que apesar do corte ainda doer muito, meu corpo estava quente e o sangue circulava melhor, e eu consegui recuperar alguma força já que conseguia sentir a presença dos elementos. Me dei conta de que Aphrodite estava meio caída sobre mim, com o rosto pálido e os olhos fechados, entrei em pânico e me afastei dela, passei a língua na mordida para estancar o sangramento.

Stephen trabalhou rápido, me tirando do colo de Aphrodite para que ela cambaleasse até a cama de Stevie Rae. Ele ordenou que Conner buscasse vinho e comida e começou a trabalhar em curativos para mim.

No fim, ele parecia aliviado, mas preocupação ainda brilhava em seus olhos. E duvidas, eu podia ver.

— Por ora você aguenta, mas logo precisará de mais cuidados. - ele disse.

Eu sabia bem o que aquilo significava. Voltar para a Morada da Noite.

Aphrodite ignorou a comida que lhe trouxeram, mas focou no vinho e começou a beber diretamente do gargalo. Stephen me ajudou a sentar quando Stevie Rae voltou ao quarto e me ofereceu vinho misturado com sangue. Alguns Novatos vermelhos já se aglomeravam no quarto de novo.

— Obrigada, Aphrodite - eu falei - Sei que isso não foi fácil.

Ela me olhou, estava totalmente ferrada, mas conseguiu dar uma piscadela.

— Pelo menos eu posso ficar bêbada - ela disse dramaticamente - Apenas peça a sua amiga caipira para me conseguir mais desse vinho.

— Acho que não tenho vinho suficiente para isso. - todos nós levantamos os olhos quando uma novata vermelha entrou no quarto - Esse vinho não é nada barato. Eu não uso nada barato.

Stephen e Conner encaravam a menina como bobos, mas eu olhava para Aphrodite e percebi o misto de emoções que cruzou seu belo rosto, constrangimento, saudade e desconforto antes que ela recuperasse seu jeito esnobe e jogasse o cabelo para o lado antes de falar:

— Zoey, essa é Vênus, minha colega de quarto que morreu uns seis meses atrás, mais ou menos.

— Na verdade, parece que as notícias da minha morte foram prematuras - a linda loura disse. Ela sorria para Aphrodite com uma maldade felina, então ela fez algo totalmente bizarro: ergueu o nariz e farejou o ar na direção da filha do prefeito. Os outros Novatos Vermelhos imitaram seu gesto - Bem... Bem... bem, que interessante.

— Vênus, não implique com... -Stevie Rae começou a falar, mas farejou o ar também e franziu a testa.

— Acho que todos merecem saber. - a loura deu um sorriso maldoso - Eu estava falando como é interessante saber que Aphrodite e Zoey estão carimbadas agora.