Acordei atrasada.

Parecia que Tiago sugava toda a minha vontade de trabalhar mas na verdade era eu que não queria ir mesmo...

Fiz a maquiagem ainda no táxi, Tiago até ofereceu uma carona mas nem morta eu chegaria no orfanato com ele.

Encontrei Soraya no sofá quando entrei alvoraçada pelo porta e arquejei.

— Bom dia Laureen. _ disse ela da forma mais plena possível.

— Bo-bom dia Soraya.

— Se atrasou por quê?

— Dormi demais, desculpe.

Soraya deu um sorriso amarelo se levantando do sofá e seguindo pelo corredor.

— Que isso não se repita.

— Não vai.

Que diabos de mulher era essa? Aquela porcaria daquele trabalho nem era tão importante assim! Era só pra tapar os buracos que ela deixava e fazer o que ela tinha preguiça porque era papel dela como diretora. Eu precisava de forças pra suportar continuar com aquela peruca e não me revelar, nem esfregar o cabelo na cara daquela sonsa.

Entramos no escritório e eu comecei a organizar as coisas, uma pontada de dor começou a surgir na minha cabeça.

— Você andou mexendo nesses documentos daqui Laureen?

Paralisei. E agora? Provavelmente ela já sabia que sim então se eu mentisse seria muito pior.

Fingi que estava mexendo na bolsa e respondi.

— Sim Soraya.

— Por quê?

— É que... eu pensei que aí poderia ter alguma coisa que me ajudasse a complementar a informação de algumas crianças, já que esses formulários só tem algumas coisas e...

— E encontrou alguma coisa?

Ela ia querer ver.

— Infelizmente não.

Soraya me analisou e eu fingi voltar a arrumar as papeladas que estavam por ali.

— Alguém esteve aqui com você?

Franzi o cenho.

— Como assim, alguém?

— Sim, alguém. Enquanto você procurava essa documentação...

Que merda. Ela percebeu que a carta havia sumido. Como eu era uma fraca suspeita ela queria culpar alguém.

— Ah... teve sim.

Eu não podia fazer isso. Mas precisava. Disso dependia todo plano. Uma vez que Soraya perdesse a confiança em mim eu estaria na rua.

— Quem?

Respirei fundo.

— Audalice.

Soraya fechou os olhos e respirou fundo.

—Aquela peste negra.

— Mas ela não fez nada Soraya, até me ajudou a organizar os papéis...

— Péssima ideia que você teve! _ gritou ela e eu me encolhi.

— Mas o que tem de tão importante aí que...

— Não é da sua conta!

A encarei.

Não suportava fazer aquilo. Minha vontade era de pular e deixar as marcas das minhas unhas no rosto dela, mas eu não podia.

— Soraya... _ falei calmamente_ eu posso ajudar se você me disser o que houve. Eu não estou entendendo... senta aí.

Soraya me obedeceu, incrivelmente, mas ficou se mexendo na cadeira.

— Olha só Laureen, aí tinha um documento de grande importância sentimental pra mim...

Então Soraya também sabia jogar o papel da boa moça. Ótimo. Ela continuou.

— Eu vim procurá-lo ontem à noite... e não o encontrei.

— Então você deduz que Audalice tenha pegado?

— Mas é claro que foi ela! Aquela menina é um demônio em forma de criança! Não duvido se a loirinha morreu e encarnou nela, mas com outra cor...

Um arrepio subiu pela minha espinha.

— Loirinha? _ murmurei.

— É... um apelido infantil.

— Que você deu...

— Para uma outra peste como essa Audalice.

— Soraya... acho que você tem que se controlar mais, essas crianças são travessas mas se você não ligar elas nem fazem diferença... aposto que essa loirinha deveria ser uma graça!

Soraya soltou uma gargalhada que paralisou todos os meus músculos.

— Graça? Aquilo? Ah Laureen... aquela menina era perturbadora... ela conquistava tudo onde chegava e isso não era uma coisa boa. Pra você ter uma noção até a minha mãe vivia pra ela!

Fingi espanto tentando controlar as lágrimas.

— Sério?

— Ela era uma cobrinha... _ Soraya falava olhando pro nada. _ sabia mais de mim do que eu mesma! _ e riu novamente. _ Não suportava olhar pra ela... ainda bem que os velhos que a adotaram moravam do outro lado do mundo.

Fiquei em silêncio tentando me recompor.

Soraya levantou.

— Pois bem, já confirmei o que eu já sabia. Volte ao trabalho Laureen, depois eu acerto as contas com aquela pestinha.

CH

Enquanto eu me encontrava sozinha no escritório tentei terminar os relatórios que faltavam, mas meus pensamentos estavam em Audalice e no que Soraya faria com ela...

O quarto do castigo eu sabia que não existia mais, ele estava ocupado por outras crianças, será que Soraya ainda tinha coragem de agredi-las? Correndo o risco de ser presa já que agora havia uma certa fiscalização no orfanato? Se minhas suspeitas estivessem certas... sim, ela era louca.

CH

Quando cheguei em casa no final da tarde só tomei um banho rápido com a preocupação ainda pairando sobre minha cabeça. Tinha marcado com as chiquititas e elas logo chegariam.

Minutos depois Adriana apareceu com Renata trazendo pasteizinhos e logo notaram minha feição.

— Nossa... parece que o clima não foi bom no trabalho hoje... _ disse Renata se sentando na cama.

— Nem um pouco... _ resmunguei sentando ao lado dela enquanto escovava meus cabelos.

— Você nos disse que encontrou aquela carta, onde está? _ perguntou Adriana.

— Ah sim. _ falei. _ Pega aqui na gaveta.

Adriana foi ao criado mudo e pegou o papel que agora era o motivo de uma possível briga entre Soraya e Audalice.

— Meu Deus. _ Adriana arquejou se juntando a nós. Enquanto elas liam a carta eu ficava as observando, a cara de espanto, os olhos apreensivos correndo pelas letras bem feitas que nem pareciam ser de uma mulher louca.

Renata enfim estava vendo o que havia sido motivo de toda aquela intriga anos atrás entre mim e Soraya, já Adriana pegava novamente o papel que ela mesma leu na noite da festa, mas que não terminou por conta do nosso plano: ler a carta e descobrir o que Soraya tanto escondia, em seguida descobrir algo que pudesse incriminá-la, levando a um adulto ou até mesmo à polícia e fazer justiça pela morte de tia Carlota que eu tinha plena certeza, tinha sido culpa daquela bruxa.

E agora, ali estávamos nós, com basicamente o mesmo plano de anos atrás, mas novamente, só eu tinha plena certeza de que ela era culpada de tudo.

— Quem escreveu essa carta? _ perguntou Renata.

Engoli em seco.

— Meninas, vocês sabem que a tia Carlota me contava muitas coisas... e segredos.

Elas me olharam atentas e eu respirei fundo pra continuar.

— Sei que parece bobagem mas a anos atrás, guardar um segredo e fazer uma promessa pelas chiquititas era uma das coisas mais sérias que eu poderia fazer por isso não contei antes que... a tia Carlota me falou certa vez que Soraya não era filha dela.

As meninas arregalaram os olhos.

— Eu sabia! _ disse Adriana.

— Ela me contou _ continuei_ que quando era mais jovem morava em um orfanato em outra cidade mas tinha uma família e tudo mais, só que teve que vir embora e Soraya era um bebê, a mãe dela tinha problemas mentais... e tia Carlota acabou sequestrando a criança.

Elas arquejaram.

— Nossa senhora...

— Caramba...

— Pois bem, _ prossegui_ isso a tia Carlota me contou e eu não sei porque, sinceramente preferia que ela não tivesse feito isso, Soraya não sabia nada e quando ela percebeu que eu sabia de alguma coisa em relação ao passado dela, ficou com mais ciúme de mim e vocês sabem no que isso resultou.

— Meu Deus Laureen, essa história é muito macabra... _ murmurou Adriana.

— Então, _ falou Renata_ quer dizer que a verdadeira mãe de Soraya tentou contato com ela através dessa carta?

— Sim, _ respondi_ na verdade essa carta era pra tia Carlota mas foi Soraya quem pegou.

— Ainda lembro da noite que você me contou isso. _ observou Adriana.

— E Soraya tinha uma certa revolta com a tia Carlota, e tirou as próprias conclusões quando leu a carta, e acabou fazendo o que fez.

— Laureen, _ disse Renata_ você sabe o grau da acusação que você está fazendo não é? Soraya seria capaz...

— De matar? _ minha voz subiu umas oitavas_ Claro que sim. Você ainda duvida?

— Quando éramos crianças pensávamos que era Soraya pelo que ela fez com a gente, mas se você parar pra pensar em outras alternativas... e Suelen? Suely? Elas sumiram do mapa!

— E agora lembrei que Maíze nos contou que foi Suelen a culpada daquilo... _ Adriana pensou alto.

— Aquela era outra sonsa! _ repliquei. _ Por que Suelen faria isso?

— Segundo Maíze, _ disse Renata _ Suelen tinha matado tia Carlota sem querer... ela tinha dado um remédio que não deveria, uma coisa assim.

Fiquei atônita.

— Ela me respondia algumas coisas quando íamos dormir... _ completou Renata.

— Mesmo assim, eu continuo desconfiando daquela cobra. Lembro muito bem que a desculpa que eles davam era que Suelen estava presa, já Suely...

— Tiago não tinha perguntado à Maíze sobre ela?

— Sim, e hoje eu entendo que Soraya deu dinheiro pra Suely ir embora e nunca mais voltar.

— E ela foi capaz de fazer isso. _ Murmurou Renata.

Me joguei na cama.

— Ai minha cabeça... _ resmunguei.

— Isso tá sendo mais complicado do que eu imaginei... _ disse Adriana.

— É... _ falei _ eu sabia que não seria fácil, mas agora com Suelen e Suely em cena está mais difícil encontrar provas contra Soraya...

— Principalmente com um crime que aconteceu a anos atrás né... _ observou Renata. _ o local do crime já foi modificado centenas de vezes, as armas do crime provavelmente nem existem mais... a pessoa que cometeu pode estar no orfanato ainda, mas também pode estar do outro lado do mundo... ou até já ter morrido.

Um calafrio percorreu minha espinha.

— Testemunhas. _ murmurei.

— O quê? _ perguntou Adriana.

— Só vamos encontrar o verdadeiro assassino se formos atrás de testemunhas...

— E quem seriam? _ disse Adriana.

Olhei pra elas e revirei os olhos.

— Além dessas que estamos falando, todas as pessoas que estavam no orfanato nos dias em que aconteceram essas coisas e até pessoas que foram depois... sei lá.

— É... já temos um rumo. _ disse Adriana.

— A questão é, como vamos encontrá-las?