As crianças já tinham sua rotina bem organizada, elas mesmas preparavam o café da manhã e quem tinha que ir pra escola se arrumava logo. Elas tinham todo o direito de ir, Soraya não conseguiu privá-las disso como fizera um tempo atrás. Nos dias em que estávamos outras pessoas estavam de olho no orfanato então Soraya não podia fazer simplesmente o que queria, mas isso não significava que ela obedecesse a todas as regras e fizesse isso de bom grado, eu conhecia a peça, e encontraria uma brecha ali para incriminá-la.

CH

Soraya entrou no escritório logo depois de eu ter me sentado em frente ao computador. A carta pesava como um chumbo na minha bolsa mas Soraya só murmurou alguma coisa e foi para o seu quarto, ela estava com olheiras profundas.

Depois das conclusões a que cheguei em relação à carta e ao que aconteceu anos atrás precisava decidir o que fazer e com quem falar sobre aquilo e a verdade chicoteou meu rosto.

Sim, eu havia ignorado quem fazia parte disso tanto quanto eu: Chiquititas.

Antes de eu decidir o que fazer primeiro Soraya irrompeu porta adentro.

— Criatura abominável! _ rosnou ela.

— O que houve? _ perguntei espantada.

Soraya tirou o papel toalha que estava na frente do vestido e mostrou uma mancha escura no vestido cinza. Atrás dela surgiu Audalice com um pote do que parecia ser geleia nas mãos.

— Essa peste que não olha por onde anda! _ gritou ela para a menina.

Audalice arregalou os olhos.

— Calma Soraya, ela é uma criança. _ falei.

— Sai daqui!!_ bradou Soraya pra ela, enquanto Audalice saía correndo pela casa. Fiz menção de me levantar e Soraya me encarou.

— Não perca seu tempo. Educação é uma coisa que essas crianças nunca vão ter.

Eu já estava ficando com raiva mas precisava manter a postura.

— Não deveria pegar tão pesado com elas Soraya, você sabe a situação em que elas se encontram e o que elas já passa...

— Blá blá blá... elas sofreram e tudo mais... claro que eu sei! E você já está falando igual a Carlota. _ Soraya me encarou com o cenho franzido.

Me fiz de desentendida.

— Quem é Carlota?

—Esquece.

— Pensei que você se importasse com as crianças... _ murmurei. Precisava arrancar alguma coisa dela.

— Eu me importo sim garota, e quem é você pra ficar me interrogando? Você está aqui para fazer o seu trabalho e não pra ficar ajudando crianças indefesas! Vou te falar uma coisa... _ Soraya abaixou o tom _ Essas crianças... que você olha e sente peninha... rá! Elas são mais espertas do que você imagina... são vividas! Estou aqui como já disse, pra honrar o nome de minha família, mas com essas crianças nem me preocupo.

Fiquei em silêncio.

— Espero que você não se intrometa aonde não é chamada, Laureen. Já tive problemas demais nesse orfanato com esses pestinhas, não quero ter com você.

Soraya disse olhando nos meus olhos e por um momento pensei que minhas lentes iam sair pra fora.

Ela saiu do escritório e bateu a porta, me deixando lá com as unhas encravadas na mesa e o coração a mil.

CH

Estava arrumando meu apartamento enquanto a noite tomava conta da cidade quando de repente tudo ficou escuro. Olhei pela janela e vi a rua toda no breu. Apagão.

Comecei a procurar por velas, elas tinham que estar em algum lugar por ali...

As achei depois de um tempo e as espalhei, uma na pia, uma na mesa e até uma no chão. Não gostava de escuridão, me sufocava.

Ouvi uma batida na porta.

Um arrepio percorreu meu corpo de cima a baixo.

Por que alguém estaria à minha porta àquela hora e no meio daquele apagão?

A batida se repetiu.

— Quem é? _ perguntei temerosa.

— Sou eu. _ era um homem, e essa voz eu reconheceria em qualquer lugar, era a voz que tinha ficado sussurrando coisas no meu ouvido durante uma tarde calorenta.

Abri a porta só um pouquinho e ele iluminou o rosto com o celular. Tiago.

Deixei ele entrar e nós ficamos nos olhando.

— Que foi? _ perguntei sorrindo.

— Nada... é que à luz de velas você fica ainda mais linda.

Fiquei sem jeito até que Tiago tomou meu rosto em suas mãos e me beijou carinhosamente. Logo percebi que ele não iria embora tão cedo...

Fechei logo a porta e Tiago foi se sentar numa cadeira perto da mesa.

— E então... tudo bem por aqui? _ perguntou.

— Tudo ótimo...

— Bem iluminado né...

— Você sabe que não gosto do escuro.

Tiago me analisou, eu estava com um xort e uma camiseta, bem jogada.

— Como você veio parar aqui?

— Hã?

— Como você veio...

— Ah sim! _ interrompeu ele_ Eu estava aqui perto sabe... aí de repente ficou tudo escuro, então lembrei que seu apê era aqui perto... então, aqui estou eu.

— Lembrou foi?

Segui para a cozinha pra ver se tinha alguma coisa pra comer e percebi os olhos de Tiago fixos em mim.

— Da próxima vez _ falei _ você bem que poderia me avisar antes né... olha o meu estado! Essa roupa não é própria pra receber visitas...

— Eu prefiro você sem nada... _ ouvi ele murmurar mas fingi não ouvir enquanto sorria sozinha.

— Acho que eu preciso ir ao supermercado comprar algumas coisas...

— E o trabalho? _ perguntou ele.

O encarei.

_ Está ótimo.

_ E quando vamos marcar pra sair?

_ Hã?

_ Jantar... ir na praia... você decide.

— Desculpa Tiago, mas não sei se você não entendeu a parte em que “ninguém tem que saber que eu estou aqui” e muitos já sabem...

— Poxa... mas seria tão legal... você sair e viver a sua vida... só acho né...

— Olha só... se você veio aqui pra ficar dando palpites sobre a minha vida acho melhor você ir embora...

Já estava indo em direção à porta quando Tiago me puxou e me olhou nos olhos.

—Desculpa é que eu só quero passar um tempo com você...

Respirei fundo.

— Tá, mas agora isso não é possível.

— Poxa... pensei que você fosse me deixar ficar aqui hoje...

Franzi o cenho e olhei pra ele.

_ Por favor? _ sussurrou.

Sorri.

Ao tentar me desprender ele me prendeu mais ainda e começou a beijar meu pescoço encontrando minha fraqueza. A confusão de braços e pernas começou. Roupas pra todo e qualquer lado. Uma vela que caiu mas conseguimos apagá-la logo em meio a nossas risadas. Não deu tempo de chegar na cama, e o tapete felpudo foi nosso cenário dessa vez.

CH

Suas mãos pareciam com a de um escultor. Elas me tocavam em toda parte, me esculpindo, perscrutando a superfície da minha pele, no escuro procurando o que queria. Me tornando uma deusa.

CH

No meio da madrugada abri meus olhos, e vi que já estava na cama. Sim, meus super poderes haviam voltado! Rá rá!

Rolei para o lado e senti o corpo de Tiago ainda ali, e ele despertou.

Então nosso sonho se repetiu.