As meninas chegaram um pouco mais das 19:00 horas, Adriana apareceu com sacolas de compras na mão.

— E eu que pensava que só Renata era amante de shopping... _ comentei enquanto elas entravam.

— É que isso faz parte da noite loira. _ disse Adriana.

— E o que é que tem aí? _ perguntei.

Então ela tirou o conteúdo de dentro das sacolas: pijamas.

— Ah não... _ resmungou Renata sentando na cama.

— Noite do pijama! _ cantarolou Adriana quase gritando.

— Nossa... _ murmurei, agora é que havia me lembrado que perdi a melhor fase pra se viver com as amigas; mas agora não havia tempo a perder. Empurrei Adriana na direção do banheiro com um pijama rosa nas mãos. _ Vai logo vai, a gente te espera aqui.

Enquanto Adriana estava no banheiro sentei perto de Renata na cama.

— Ela sempre foi eufórica nas noites de pijama. _ disse ela. _ Tínhamos algumas parceiras no ensino médio, mas com o tempo fomos nos afastando.

— Eu sinto tanto por não poder estar com vocês no passado... _ murmurei.

— Tudo bem Laurinha, não podíamos fazer nada. O importante é que você está aqui com a gente agora.

Renata descansou a cabeça no meu ombro e suspirou.

— Você já se apaixonou por um amigo Laurinha?

Fiquei quieta, a pergunta que Renata me fez era estranha e a forma como ela me chamou também.

— Hum.... _ balbuciei _ não lembro, mas acho que não...

Um amigo de infância que eu havia tido era Railsom, depois dele, poucos conquistaram minha confiança, tanto homens quanto mulheres.

— Por quê? _ perguntei.

— Nada, é que... o que você faria se isso acontecesse?

— É... _ pensei que Adriana iria me esganar. _ Se o meu amigo não fosse comprometido eu procuraria saber se ele sentia algo por mim da mesma forma que eu sentia por ele.

Renata se sentou na cama, ereta, e ficou encarando o chão.

— Renata, isso está acontecendo com você?

Adriana rompeu a porta do banheiro como uma modelo, rodopiou e disparou um pijama vermelho na direção de Renata, que disparou pela portinha.

— O que eu perdi? _ perguntou Adriana?

— Nada de mais...

— Sobre o que estavam falando?

— Nada...

— Como assim nada? Não existe nada. a não ser que você seja como o Railsom e o restante desses homens... isso me tira do sério!

Fiquei encarando-a por uns segundos até que ela sentou ao meu lado, Renata entrou apressada no banheiro com uma coisa vermelha nas mãos, o pijama.

— Ela estava te falando do Antônio né?

— Antônio?

— Ah... ela não te falou o nome.

Adriana pegou o celular e procurou por algo, até que me mostrou uma foto.

Três homens na frente de um muro, sorridentes e com os braços por cimas dos ombros um do outro. Os meninos.

— Sabe esse grandão aqui? _ disse ela apontando para um homem branco, o maior de todos. _ Já viu a diferença dele pra Renata?

Renata saiu do banheiro e eu percebi como ela não havia crescido tanto assim.

Peguei o outro pijama e fui trocar de roupa, enquanto me despia comecei a pensar na foto, dava pra saber que o rapaz do meio era Railsom, e o da direita era ele, Tiago.

Vesti o pijama rapidamente porque meu corpo se arrepiava todo só de pensar nele, já tinha ouvido sua voz e já tinha visto sua foto, se eu o visse pessoalmente teria algum ataque. Eu precisava me precaver.

Quando saí do banheiro as meninas estavam esparramadas no meu colchão vendo um clipe da Whitney Houston no meu notebook.

— O que vamos comer?

— Eu também quero saber. _ disse Renata sorrindo.

— Laurinha, você é a dona da casa, tem que providenciar nossa alimentação...

— E quem disse que fui eu que convidei vocês?

— Sua insensível! _ exclamou Adriana enquanto Renata ria.

— Não quero nem saber, podem dar o jeito de vocês...

Adriana saiu da cama resmungando.

— Tudo é eu... sempre...

Ela havia trazido um lanchinho por isso não ficamos com fome.

— Mas e aí? _ puxei assunto _ Como as coisas andaram no orfanato depois que eu fui embora?

O sorriso de Renata desapareceu e ela desviou o olhar ao falar.

— Bem... basicamente continuou do mesmo jeito, me aproximei mais do Antônio nesse período, ele me protegia.

— E quanto tempo demorou pra você ser adotada?

Renata pensou.

— Uns seis meses, acho. Fui a primeira a ser adotada depois que você partiu.

—Seus pais são legais?

— O meu pai era um homem de 50 anos que tinha uma mulher de 25, então... eles eram legais sim. Ele tinha um filho de outro casamento, crescemos juntos numa casa aconchegante no centro da cidade, bem longe do orfanato, graças a Deus... Depois que concluí o Ensino Médio meu pai faleceu e meu irmão foi pra França com a noiva.

— Sinto muito Renata.

— Ah, não sinta. Ele fumava muito. E eu até me dou bem com a minha mãe, minha mãe de aluguel.

—Mãe de aluguel?

— É... nós nos damos bem mas não nos tratamos nunca como mãe e filha. Ela só mora comigo ainda porque eu recebo uma pensão do meu pai, estou fazendo um curso na universidade do estado e...

— Qual curso?

—Veterinária.

— Ai, que legal!

— Pois é... pelo menos convivemos bem, não mais na casa que morávamos mas em outra menor que não dá tanto trabalho...

— Que bom que você conseguiu dar uma guinada na sua vida...

— Eu fiz o que estava ao meu alcance, tive sorte sim, mas não posso dizer que fui feliz. Estou feliz agora porque você está aqui, disso eu sei.

Senti vontade de chorar. Peguei as mãos delas com as minhas e as apertei. Nunca pensei que as meninas se sentiam da mesma forma que eu do outro lado do oceano, quer dizer, pensei sim, mas sempre afoguei esse pensamento.

Adriana se chegou a nós com o lanchinho e eu logo perguntei.

— E você Adriana?

— Eu o quê?

— Como ficou depois que eu fui embora?

Adriana enfiou alguns biscoitos na boca e deu um grande gole no refrigerante.

— O que foi? Renata estava me falando sobre a adoção dela, porque não me diz como o orfanato seguiu?

— Virou um inferno. _ murmurou ela.

Prendi a respiração.

Eu sabia que o orfanato era um lugar terrível desde a morte da Tia Carlota mas pensava que depois que eu tinha saído tudo havia melhorado, afinal, Soraya odiava a mim não é mesmo?

Mas... se eu achava aquele lugar um inferno e Adriana me falara que tinha se tornado um inferno, o que havia acontecido lá realmente?

— Nossa... eu pensei que depois da minha partida as coisas iriam melhorar...

Adriana falou com os olhos abaixados, beliscando a comida.

— Se enganou Laurinha, depois que você saiu tudo piorou; o trabalho aumentou e eu virei o objeto preferido pra Soraya atormentar. Sempre vivia de castigo por motivos fúteis, sorte que Tiago sempre me ajudou.

— Ela trancou você no quarto? _ perguntei receosa.

Adriana levantou os olhos para mim.

— Naquele quarto?

Fiquei esperando.

— Não. Ela me trancou no meu próprio quarto, umas duas vezes. Mas eu não tinha medo dela, apesar de...

Ela parou e voltou a comer.

— Apesar de o quê?

Renata suspirou e Adriana deu de ombros.

— Apesar de ela ter me batido algumas vezes.

Expirei lentamente.

— É claro que ela não bateu tanto em mim como bateu em você, mas mesmo assim, eu me senti sozinha.

Senti as lágrimas encherem meus olhos.

— Adriana, não importa em quem ela bateu mais, o que a gente sabe é que ela agrediu a todos nós. Não importa se ela me espancou e depois só beliscou você, ela é a culpada por todos os nossos traumas. _ minha voz se alterou_ Ela não tinha o direito nem de cuidar da gente! Ela não podia...

— Não podia mas fez! _ Adriana me interrompeu. As lágrimas já desciam por meu rosto. _ Ela fez Laurinha. Nem você e nem eu tínhamos culpa de nada, mas também não tivemos escolha.

— Adriana ela tinha um ciúme doentio, o problema dela era comigo e não com você!

—Nós éramos carne e unha! Tínhamos uma ligação forte! Você acha que ela não percebia? Ela conhecia cada um de nós. Ela sabia em quem tocar.

Fiquei calada. Só nesse momento vim perceber o porquê da dor que eu sentia todas as noites quando já estava com minha nova família, o porquê dos pesadelos com meus amigos. Éramos tão próximos que a dor que um sentia era sentida por todos os outros.

— Soraya tentou de todas as formas nos fazer esquecer você e Tia Carlota também, mas quem não conseguia esquecer realmente, era ela. Eu sabia Laurinha, que ela não me batia porque eu estava sendo desobediente ou malcriada, _ Adriana me encarou _ mas porque, todas as vezes que ela olhava pra mim, ela via você.