No dia seguinte acordei com um sonho estranho me perturbando o caminho todo até o orfanato. No sonho algumas lembranças se misturaram e nelas estavam as chiquititas e eu escrevendo cartas para tia Rita, um costume carinhoso que tínhamos, na verdade, só Adriana escrevia, eu e Renata fazíamos desenhos.

Quando botei os pés na mansão a carta que me traria respostas atingiu meus pensamentos. “A carta que eu e Adriana roubamos do quarto de Soraya na noite da festa!” Precisava encontrar essa carta. Urgentemente.

Soraya dessa vez saiu para comprar algumas coisas, segundo ela eram pro orfanato, para mim ela só ia ficar zanzando pelo shopping à procura de um ser pra estripar.

Depois que me encontrei sozinha comecei a vasculhar o escritório. Cada canto. Cada buraco. A escrivaninha, as gavetas, o armário. Nele haviam várias caixas, algumas que ninguém mexia a um bom tempo pelo visto já que a poeira estava impregnada. Abri uma que possuía uma dúzia de pastas dentro, bem acabadas... e coloridas.

CH

Eu sorria comigo mesma enquanto vagava pelo corredor cautelosamente junto com Adriana; ela havia dito à Soraya que estava com dor de barriga, por isso iria ao banheiro e demoraria; então fomos juntas com uma lanterninha que Antônio havia nos emprestado, ele sempre tinha essas coisas.

Estar ali era perigoso pois lá pertinho ocorria a festa mas Adriana ficaria na porta espiando qualquer movimento no escuro e eu vasculharia o guarda-roupa de Soraya.

Procurava por todo o canto até que, na porta esquerda do guarda-roupa encontrei vários vestidos, bem diferentes dos que ela usava, esses eram de festa, pareciam mais chiques. Quando passei a mão nos vestidos percebi que embaixo deles havia um conjunto de pastas, se estavam ali e não no escritório era porque ela queria esconder alguma coisa...

Corri os dedos por todas, de cima a baixo, até que os meus dedos encontraram uma pasta fina no meio das outras, parei e a puxei com cuidado, dentro dela havia apenas um papel, velho, com algumas coisas escritas numa letra muito bonita mas ao mesmo tempo estranha.

— Laurinha, _ sussurrou Adriana para mim_ não demora.

— Espera, _ retruquei _ vem olhar aqui.

Ela veio na pontinha dos pés e se ajoelhou ao meu lado, foquei com a lanterna para a folha que tinha encontrado.

Querida Carlota

— Querida Carlota... _ murmurou Adriana.

— Hã?

— Acho que... acho que isso é uma carta Laurinha.

— Carta?

—Sim, uma carta.

— Ela é para Tia Carlota não é?

Adriana balançou a cabeça.

CH

As pastas coloridas!

Tinha que ter alguma coisa ali dentro...

Tirei todas as pastas de uma só vez e todas acabaram no chão. Me ajoelhei e comecei a abrir desesperadamente cada uma delas. Precisava achar aquela maldita carta e saber o que de tão importante tinha lá. Até hoje, Soraya achava que eu havia tido conhecimento daquilo e por isso me mandou pro outro lado do oceano.

Será que Soraya seria tão tonta a ponto de deixar a carta no mesmo lugar? Só tirou do quarto e deixou ali?

Abri uma pasta que já estava bem extraviada e meus olhos reluziram.

Sim, ela o fez. E deixou com que eu a encontrasse novamente...

—Querida Carlota... _ sorri. _ te encontrei.

E a porta se abriu.

CH

Meu coração foi à boca e voltou. Quando olhei pra trás vi Audalice me espiando com uma expressão curiosa da porta.

— Audalice, pode fechar a porta por favor?

Ela fechou e veio em minha direção.

—O que você está fazendo?

— Bem, é... eu estava procurando uns documentos aqui...

Levantei e coloquei a carta rapidamente dentro da minha bolsa.

— Que bagunça...

— Bem que você poderia me ajudar a arrumar.

— Claro!

E ela se pôs a juntar as folhas com suas mãozinhas, enquanto eu tentava respirar.

— Você sabe se a Soraya já chegou?

— Ainda não, mas acho que já vai chegar...

— Por quê?

— É que... ela faz isso de vez em quando. Sai e volta quando o Sol começa a esquentar...

— Hum... e você sabe o que ela vai fazer quando sai assim?

Audalice me olhou e falou mais baixo.

— Acho que ela vai encontrar o namorado dela.

— Namorado? _ falei baixo também.

— É... _ concordou_ Ela fica um tempão se arrumando e quando fala no telefone fica igual uma boba. Nem parece que é ela mesmo.

— Como assim, não parece...?

— É porque ela é muito chata! Mas não vai contar que eu disse isso, por favor! _ disse ela com os olhos suplicantes.

— Tudo bem, seu segredo está guardado comigo. _ dei uma piscadela.

— E também... _ continuou ela _ Todo domingo um homem vem aqui, mas como a Soraya libera o jardim pra gente brincar, quase ninguém vê ele.

— E você já viu? _ comecei a ficar interessada.

— Já! Uma vez que vim ao banheiro enxerguei ele no escritório com ela, só que não deu pra ver direito, mas estavam rindo.

— Hum... que estranho.

Audalice olhou e viu que as pastas já estavam todas organizadas.

— Então, já vou indo... tchau!

E saiu em disparada.

Então... tudo indicava que Soraya tinha um companheiro, e a meu ver não era só um namorado, mas também um parceiro pra suas artimanhas. Vagabunda.

CH

Aquele banheiro precisava de uma lavagem rápida. Soraya era tão mão de vaca que contratava uma diarista duas vezes por semana pra limpar o casarão, isso porque ela não podia mandar as crianças trabalharem, se não...

Tentei me concentrar, estava ali por uma boa causa: ler a carta.

A folha estava desgastada e a caligrafia parecia ser de uma pessoa bem culta... estranho.

Querida Carlota

A muito tempo que não lhe vejo e devo confessar que desde sua partida me sinto profundamente angustiada. Com certeza já tem uma ideia de quem esteja por trás dessas letras, mesmo depois de todos esses anos ainda tenho em mim um desejo implacável, ainda desejo reencontrar minha menina.

Sim, acredito que ela ainda esteja com você, sua alma tão boa se pudesse acolheria todas as crianças do mundo, mas nunca pensei que seria capaz de tirá-las do seio de sua família.

Mas venho por meio desta lhe dizer que recuperei minha saúde e quero recuperar o tempo que perdi. Aguardo sua resposta em breve, já esperei demais e não aguentaria mais a espera.

Me devolva aquilo que você me roubou.

E lembre-se, que não adianta me enganar novamente, porque se não eu irei atrás de você.

Abraços.

Minhas mãos estavam tremendo. O que significava aquilo meu Deus?

CH

Sim, a mãe de Soraya havia entrado em contato com tia Carlota, a freira louca, mas o problema foi que esse contato nunca se concretizou, porque Soraya se meteu onde não devia, e acabou descobrindo toda a verdade da pior forma.

A verdade?

Mas tia Carlota não havia roubado ela porque simplesmente quis mas porque queria salvá-la!

Que merda. Merda. Merda.

Se aquela carta tivesse chegado um pouco mais cedo e não tivesse ido parar em mão erradas, talvez, só talvez, tia Carlota ainda estivesse aqui.