AS CRIANÇAS PERDIDAS

Em algum lugar remoto da Alemanha,

por volta de 640 anos atrás.

— Meu Deus, que fome!

Gretel resmungou encolhendo-se entre os braços sem conseguir aguentar mais os severos roncos em seu estômago.

— Aguente um pouco mais, — acalmou Hansel, que guiava sua irmã pela floresta numa longa caminhada sem rumo, — devemos estar bem perto de sair desse lugar.

— Mas nós já estamos há dias tentando… sem as pedrinhas isso é impossível, Hansel! — A menina reclama, tentando se manter de pé enquanto caminhavam. — Temos que comer algo logo, antes que eu morra de fome!

O garoto cessa os passos e olha para a figura frágil, ferida e suja de sua irmã e reflete sobre a situação em que se encontravam.

Há quanto tempo estavam perdidos?

Dias, semanas talvez. Era incerto saber, mas tinham que admitir que se continuassem mais algum tempo naquele ritmo não iriam mais sobreviver por muito tempo. Aquele lado da floresta era muito perigoso e… sombrio.

Era estranho, não fazia sol nem sequer raiou um dia desde que se perderam. Uma chuva incessante caía por longos períodos, o céu sempre sinistro e deixando rastro de lama por todos os lados, quase se tornando um escorregadio e nojento pântano.

Deveras, uma ideia estúpida ter entrado naquele lugar, ainda mais depois que as pedras deixadas no caminho de volta para casa desapareceram. Mas isso não teria acontecido se Gretel tivesse se distraído com um coelho e o perseguido.

A menina um palmo mais alta e de longos cabelos loiros era sua única companhia. Apesar de serem gêmeos, os dois não eram parecidos – físico e psicologicamente. As únicas características que possuíam em comum eram os treze anos, os cristalinos olhos azuis e o cuidado um com o outro.

A inteligência e a timidez estavam com Hansel, enquanto que Gretel era sempre emocional e impulsiva. E era ela quem sempre causava confusões, claramente por causa dos seus atos… imprevisíveis.

Mas Hansel não a culpava, pois também lamentava por não ser capaz de saber como voltar para casa. Por tudo que aconteceu e o motivo que trouxeram para esse destino. Ambos foram ingênuos. A única esperança era acreditar nas suas estratégias e cuidar para que nada aconteça com sua irmã.

— Está bem. — Concorda o garoto, por fim. — Mas precisamos encontrar um abrigo seguro antes..

— Certo!

Empolgada, a menina saltou como pôde e seguiu o irmão até um pequeno morro de rochas a alguns metros dali. Uma espécie de miúda caverna, o suficiente para mantê-los ocultos dos perigos da floresta e até mesmo do temporal.

Eles deixaram tudo que carregavam consigo para debaixo daquelas rochas, mas não demorou e, pouco depois, antes que pudessem sair para a caça, Gretel pressente algo e indaga.

— Ei, está sentindo esse cheiro? É delicioso!

Hansel desconfia, mas se presta ao sentido. Realmente, algo cheirava muito bem.

— Isso cheira a…

— Torta de Amoras!

Os olhos de Gretel brilharam e sem pestanejar, correu para longe do abrigo. Mais uma vez... impulsiva. Hansel tentou impedi-la, mas a menina já estava fora do alcance quando decidiu correr atrás dela.

A noite já havia ascendido, deixando a floresta ainda mais densa e sombria quando enfim encontraram uma pequena campina no alto dum morro. Ali um casebre jeitoso e iluminado, e era construído em um tronco de uma grande árvore, impressionando bastante os gêmeos.

— Uau…!!! — Soou em uníssono.

Distraído, o garoto não se deu conta dos passos de Gretel, que escalou os galhos prestes a alcançar algo na janela daquela casa. Era dali que vinha o cheiro, a tal torta. Aparentemente alguém deixou ali para esfriar.

Quando a menina já metia a mão, gritou.

— Não, Gretel... Espere!

E ele correu até ela, subindo aos galhos, porém a menina ignorou. A fome era tanta que ela não media nenhum tipo de consequência e sanidade. Devorou a torta, de pedaço em pedaço, quase sem mastigar.

Porém, como deveria ser esperado, então alguém surge de dentro da casa.

— O que estão fazendo?

— Aaaahhhh!!

Gretel sobressaltou e, com o susto, soltou a tigela e caiu para trás se arranhando num galho, junto com o resto da torta que foi derrubada, caindo lá do alto até os metros abaixo no chão.

— Gretel! — Hansel se aproxima e ajuda a irmã a se levantar e a não cair dali, mas ela chorou ao ter se machucado.

— Quem são vocês?

Volta a perguntar a senhora lá de dentro. Uma velha senhora, com uma aparência muito agradável apesar do nariz um pouco avantajado, e muito elegante para uma camponesa com aquele vestido azul-marinho bem forrado.

— Perdoe-nos, ela não queria causar confusões…

Respondeu Hansel, um pouco gago e envergonhado com a situação.

— Es-estamos perdidos e e-ela só estava com muita fo-fome… por favor senhora, não queríamos arrumar confusão.

— Oh, coitadinhos…

A mulher, que pareceu bem preocupada, se afasta da janela e pouco depois surge novamente abrindo a porta.

— Porque não entram, crianças? Se estão perdidos e com fome, eu posso fazer comida e cuidar de vocês até que tudo esteja bem.

A desconhecida os olhava comovida e sorriu simpática. E apesar de muito gentil, Hansel sentiu um certo desalento. Algum tipo de sensação ruim que não saberia explicar.

— Isso seria ótimo.. na verdade.

Gretel no entanto concordou sem pensar duas vezes e um sorriso se alargou nos lábios rubros da mulher. Apesar de perigoso aceitar ajuda de desconhecidos, como sempre seus pais os alertaram, tinha que concordar que precisavam daquela ajuda. E por mais tentado a recusar que estivesse, negar a ajuda seria burrice.

Estavam muito fracos, machucados e com fome imensa, e a casa daquela mulher parecia aconchegante e segura por dentro. Podiam ver uma lareira quentinha acesa e um banquete recheado logo na mesa. Tudo o que precisavam naquele momento.

Seria mesmo aquela estranha ser vossa esperança de voltar para casa?

— Certo...

Concordou o garoto, mesmo com um pé atrás. E ambos entraram na casa daquela senhora.

E desde então não foram mais vistos fora dali...