- Como é que é?


- O quê? Tem certeza?


- Eu... ia encontrá-la há duas horas, mas ela não apareceu. Como Kelly não costuma se atrasar, fui procurar no quarto. Vi o pátio, o refeitório, o campo... só o que me restou foi supor que ela estava com vocês. Hoje parecia decidida a acabar com essa briga. Então ouvi um barulho de vidro quebrando e corri para cá.


Trevor observou as duas enquanto entravam em pânico. Jill estava atônita e Sabrina a ponto de chorar. Tremia convulsivamente, temendo o pior.


- Bri? – Jill se acalmou um pouco para olhar a amiga. – Tudo bem?


- Claro que não! E se aconteceu alguma coisa com ela? Se Harper tocá-la... – uma lágrima de raiva realmente escorreu agora.


Jill tocou o braço de Sabrina tranqüilizando-a.


- Bri, ficar nervosa não vai ajudar. Vamos encontrá-la. Com Harper ou sem Harper! – ela olhou para a cara confusa de Trevor e de volta para Sabrina. – Depois de tudo que fez por nós, acho que tem o direito de saber o que está acontecendo.


Sabrina sentou-se no chão e abraçou os joelhos enquanto Jill desfiava para Trevor todas as suspeitas que tinham até o momento.


- Então, com isso, podemos concluir que Harper tem Hyde subordinado à sua operação de contrabando de seja lá o que for...? – perguntou-se Trevor após ouvir a história.


- Certo. E acho melhor falar com ela. Chega de fingir que não sabemos de nada. Kelly está em perigo! – Jill propôs.


- Em parte você está certa. – Sabrina voltava a pensar calmamente. – Mas temos uma boa idéia de onde ela está.


- Na floresta! – Jill exclamou.


- Correto. E se formos até lá, temos mais chances de voltar vivas do que encarando Harper diretamente.


- Mas não podem ir de mãos vazias. – argumentou Trevor. – Se aquele idiota babaca estiver armado, vocês três correrão riscos.


- E também não vamos ficar paradas – disse Sabrina, levantando-se. – Kelly já está correndo riscos. Vou buscar umas armas pra gente...


- Não. – interrompeu Trevor. – Eu pego. Harper ainda está por aí, certo? Não vou deixar que se machuquem. Esperem aqui, que eu já volto.


- Mas... – protestou Jill.


- Vocês tem que trazê-la de volta. – Trevor segurou os ombros de Jill. – Não... não me deixem sem ela. Por favor. – Trevor começava a se desesperar também. Jill balançou a cabeça afirmativamente e Sabrina disse a ele:


- Não se preocupe. Ela estará de volta logo. Para todos nós.


Trevor soltou Jill, mais calmo. Acenou para elas e saiu correndo, na direção do pátio. As duas fitaram a silhueta do rapaz. Agora estava escuro e elas andavam com cuidado em meio aos cacos de vidro. Decidiram dar uma olhada na sala do sargento. Talvez ele tivesse esquecido algo que pudesse lhes dar uma pista.



Entraram pela porta, que não estava trancada – o que era notoriamente óbvio, a julgar pela janela. Dentro da sala não estava muito diferente da janela. Uma bagunça de papéis no chão, a cadeira caída de lado e a mesa quase escorregando por onde, algumas horas antes, havia um grande vidro. Nem todos os arquivos estavam revirados mas um em especial chamou a atenção de Jill. Era uma única folha, abandonada sobre um arquivo intacto. Estava meio amassada e continha alguns nomes em que Jill reconheceu a letra de Hyde.


- Bri, dá uma olhada nisso.


Sabrina se aproximou e espiou por cima do ombro de Jill. – Mas aqui tem o nome de Celinne! E... essas outras da lista também sumiram!


- Isso significa um esquema premeditado? – Jill indagou.


- Espera... presta atenção nisso. – Sabrina apontou para a folha. Jill demorou dois segundos para entender o que ela quis dizer: ao lado dos nomes constava o tipo sanguíneo de cada garota. Além disso, ambos estavam sublinhados com uma caneta que as duas sabiam pertencer a Kelly. No último nome, o sublinhado estava manchado e torto. Ela fora pega nesse momento e pelo estado da sala, resistira bastante.


- Ela entendeu tudo isso, mas... não consigo compreender a relação... – disse Jill. – Tipo sanguíneo? Pra quê?


- Tampouco eu posso entender. – respondeu Sabrina. – Aquela floresta vai responder para nós. Jill, pegue essa folha e vamos esperar lá fora. E... – Sabrina olhou em volta. –me dê aquela lanterna.



Trevor adentrou o pátio de treinamento armado silenciosamente. Não conseguiu acender a luz, portanto seguiu cautelosamente pelo breu. Só precisava achar as escadas e tatear entre alguns caixotes. Atravessou o espaço entre os alvos fazendo pouco barulho; alcançou rapidamente os degraus e subiu tentando não tropeçar.


Já estava quase no fim da escada quando percebeu que não estava sozinho. Olhou para trás, mas um breu de inconsciência o engoliu. Uma pancada na nuca. Não se viu rolar os degraus, nem cair lá embaixo com um baque pesado.



- Bri...


- É, eu sei.


- Bri...


- Já SEI! Trevor está demorando!


- Não é só isso! Não temos mais tempo, sabe! Kelly pode estar em apuros agora!


Nesse momento, um tiro se fez ouvir, vindo da floresta. Jill agarrou o braço de Sabrina totalmente em pânico.


- Jill, alguma coisa aconteceu com Trevor...


- Já notei! Mas se lembra do que ele disse?


Sabrina confirmou com a cabeça; trazer Kelly de volta a qualquer custo. Lançando um olhar culpado em direção ao distante pátio, Bri correu atrás de Jill que já disparara aterrorizada em direção à cerca encoberta de altos pinheiros que escondia o frio e a escuridão das árvores, raramente visto pelas garotas do campo gramado.


As duas andaram um pouco examinando o arame metálico. Absolutamente normal e cheio de folhas. Sabrina se perguntava como escalar um pinheiro quando Jill gritou um pouco à frente. Correndo até lá, encontrou a loira agachada em uma parte do ferro.


Olhando de perto, havia sido discretamente cortado, provavelmente com um alicate, de modo a formar uma abertura em que a cerca abria para cima, pois não fora arrancada.


- Bri, tem alguma coisa aqui... – comentou Jill levantando o arame aonde fora cortado e passando a mão na parte fincada no chão.


Sabrina ajoelhou na grama e acendeu a lanterna no arame. Iluminado, era possível notar pequenas manchas vermelho-escuras endurecidas no metal. As duas se entreolharam.


- Mas isso é sangue! – exclamou Jill.


- Não deve ser fácil passar por essa abertura milimétrica sem se cortar. Jill... – Sabrina de repente se deu conta de uma coisa. – Isso não te leva a pensar que saber o tipo sanguíneo de garotas através de uma simples marca de sangue pode passar despercebido e facilitar um esquema?


- Mas esquema de quê? – Jill entendia cada vez menos.


- Começo a perceber que tráfico é um negócio muito amplo... mas deixo os créditos da descoberta para Kelly. – respondeu Sabrina. – Assim que recuperarmos nosso anjinho seqüestrado, você terá respostas.


Jill encarou-a mais confusa ainda. Ia começar a discutir, mas Kelly era mais urgente.


Sabrina começou a se enfiar pelo buraco. Não é preciso dizer que ela saiu pelo outro lado em farrapos e deixou sua singela marca de sangue no arame também.


Jill não deslizou tão rapidamente. Ela passou as pernas, mas o quadril entalou, a calça abriu no lado e o sangue escorreu pela grama. Sabrina aproveitou a deixa para comentar:


- E aquele regime que você ia começar semana passada?


- Perdi a receita! – comentou a outra arfante, finalmente passando a cabeça pela abertura.


- Francamente, o que tem nessa sua cabeça?


- No momento, muitas folhas. – Cuspindo folhas e amaldiçoando pinhas, Jill se desvencilhou da cerca que foi imediatamente encoberta pelas árvores. E as duas se viraram para encarar a floresta.