Charlies Angels: Before The Beginning

Capítulo 7: Orgulho e mudanças


Uma semana depois, as coisas estavam na mesma. Jill estava absurdamente calada e triste. Sabrina já se mostrava internamente arrependida. Mas não tinha o sangue impulsivo necessário para pedir desculpas. Entendeu o que Kelly dissera sobre justiça e isso, pensava, era o que mais a deixaria alegre... se estivesse com elas.


Kelly por sua vez remontava seu passado. Quando se viu sozinha, quando soube que existia e quando viu que ninguém se preocupava com isso. Toda a solidão e desconfiança do mundo em volta. Ela se sentava ao refeitório por horas com Trevor (para alegria deste e inveja de muitas garotas). Ele respeitava o silêncio dela embora não soubesse o motivo. Segurava sua mão como conforto. Percebia que ela fechava os olhos e parecia aliviada quando ele fazia isso. Kelly não falava, não olhava para as outras mesas e não percebia as mudas tentativas de contato de Sabrina.


As investigações foram esquecidas durante esse período. Celinne não parecia mais importar tanto. Jill folheava dia após dia a ficha da garota, mas não tinham mais nenhuma pista e muito menos ânimo ainda para prosseguir. Trocavam olhares que diziam “Se ela estivesse aqui, teria um bom plano para nós”. Mas Kelly não estava.



À medida que o tempo passava, as saídas de Harper se tornavam mais freqüentes. Isso coincidiu com mais dois desaparecimentos. Ninguém parecia perceber ou se importar com isso. Muita gente achava que a chegada do inverno desestimulava as recrutas a continuar o curso. Estando Sabrina no pátio e Kelly no quarto, Jill e Trevor caminhavam pelo campo conversando. Sempre trocavam olhares interrogativos ao refeitório, quando as outras duas estavam naquele clima estranho de tristeza e desconforto. Jill conversara com ele umas duas vezes explicando que elas tinham brigado feio.


- Acho que devíamos forçá-las a se entenderem. – argumentava Jill nesse dia.


- Discordo. – disse Trevor suavemente. – Dependendo do motivo da briga, temos que deixá-las perceberem o erro. Não podemos forçá-las desse jeito, porque reatar forçadamente sem dúvida vai levá-las a outra discussão que pode acabar com tudo para sempre.


- Pelo que eu sei, elas já perceberam o erro. Mas não tem coragem de pedir desculpas. Pessoalmente, Sabrina está sendo muito covarde!


- Acredito que as duas estejam equivocadas. – comentou Trevor amenizando. – Mas não gostaria de vê-las sofrer por mais tempo.


- Você é interessante, não? Tão calmo, só quer o bem delas e nem sabe o porquê disso tudo. – Jill parou de andar e encarou-o. – Fico muito feliz que Kelly esteja com você!


- Pessoalmente tenho a impressão de que estou ficando terrivelmente vermelho.


- Acredito que isso signifique que você gosta muito dela.


Trevor corou mais ainda e concordou com a cabeça.



- Notou que tem muita gente indo embora ultimamente?


Trevor estava sentado com Kelly numa mesa ao canto do refeitório, ignorando os olhares insinuativos que recebia das garotas.


- O que você acha disso? – disparou Kelly de repente.


- Eu? Sei lá, só achei estranho... tem alguma coisa a ver com...?


- Você vai derreter. – interrompeu Kelly olhando em volta.


- Desculpa... o quê?


- Os olhares calorosos que está recebendo. Provavelmente acompanhados de pensamentos desesperados para me fazer tropeçar ou cair da escada.


- Está particularmente sombria hoje. – comentou Trevor.


- Não posso suportar mais que isso. – ela se levantou de um salto, bateu com as mãos na mesa e saiu sem dizer nada.


Trevor observou abismado, mas sorriu. Sabia que aquilo só podia significar uma mudança boa.



Jill e Sabrina entraram no quarto em meio a outra discussão. Coisa que se tornara muito freqüente sem ninguém para apaziguá-las.


- ... e você está sendo especialmente teimosa, orgulhosa, chata, birrenta e... – Jill repetia o que dissera para Trevor com um pouco mais de agressividade.


- Ei, olha.


- Não, olha você...!


- Cala a boca, Jill. Veja isso. – Sabrina apontou para a escrivaninha.


Jill se aproximou e viu um pequeno bilhete escrito às pressas, mas numa caligrafia muito caprichada.



“ O que acham que estão fazendo? Tem gente sumindo, sabem?”



Logo abaixo, uma pequena tabela.



-



Entrada



Saída



Majors, C



09:00h



- Bri! Foi copiado de uma das páginas da enfermaria!


- Exato! E Majors deu entrada, mas não saiu da enfermaria.


- O que provavelmente significa que ela sumiu nesse meio tempo. Devemos falar com Mrs. Crayon o mais depressa possível.


- Isso parece uma pista importante.


- Claro, vamos amanhã mesmo! – Jill fez uma pausa. – Mas quem...?


Sabrina lançou-lhe um olhar significativo. Jill arregalou os olhos compreendendo.


- Isso é um pedido de desculpas! Você TEM que aceitar! – Jill apontou um dedo acusatoriamente para Sabrina.


- Essas coisas não precisam de resposta. – Sabrina virou de costas para que Jill não visse uma lágrima.


- Eu vou te forçar a ficar de joelhos, sua egocêntrica!



O dia seguinte amanheceu nublado e emburrado. Jill estava no pátio de treinamento armado sem ter coragem de agradecer a Kelly, pois entendera que “essas coisas não precisavam de palavras”. Também achava que não era agradecimentos que ela queria e que segundo a mais nova teoria psico-analítica de Bri (que dizia algo sobre Kelly ter perdido um pouco da confiança nas duas e estar envergonhada por tê-las afastado, sem forças para se aproximar novamente), deveriam fazer algo para compensar. Descobrir mais alguma coisa e poder continuar com a investigação era um excelente modo de responder com mudas desculpas.


Saía quando Trevor entrou no pátio. Trocaram um sorriso e ela o viu colocar um casaco nos ombros de Kelly. Ela acertou a cabeça ao invés do coração do alvo, censurando-o.



Encontrou Sabrina à porta da enfermaria, horas depois. Passaram dez minutos ali paradas discutindo se deveriam se cortar como pretexto para a visita, mas Sabrina decidiu apelar para a simpatia e contar com a boa vontade da enfermeira. Para isso, achou melhor Jill ficar do lado de fora; Mrs. Crayon talvez não a tivesse perdoado por gritar no seu lugar de paz.



Mrs. Crayon parecia alvoroçada quando Sabrina entrou. Murmurava consigo mesma e arrumava uma mesa com os registros da enfermaria.


- Essa gente não tem mais respeito! Vão entrando e derrubando as coisas dos outros, e... – ela olhou para Sabrina – Olá, Duncan. O que faz aqui? Outra contusão? – ela avaliou a garota de alto a baixo.


- Não, eu só... resolvi passar e agradecer por ter cuidado de mim ultimamente, Mrs. Crayon. – Sabrina pegou uma flor de um vaso sem que a enfermeira percebesse e ofereceu a ela.


- Ah, querida, que gentileza! São raras as pessoas boas hoje em dia. – Mrs. Crayon cheirou a flor e sorriu para Sabrina.


- Mas me diga... o que houve por aqui? – perguntou Sabrina, genuinamente desinteressada.


- Vândalos! – bufou a outra. – Se arrastando até dentro da polícia! Ah, quando aceitei esse emprego as coisas não eram assim! Alguém mexeu nesse livro de registos, pelo modo como estava jogado no chão quando cheguei aqui.


Sabrina sorriu e anotou a informação mentalmente para repreender Kelly pelo trabalho mal feito.


- Que horror! Tem idéia de quem possa ter feito uma coisa dessas?


- Ah, querida, as garotas tem andado tão estranhas ultimamente... sabe, vem aqui com cortes e escoriações, parece até que andaram se arrastando por alguma floresta tenebrosa.


Isso deu a Sabrina algo em que pensar.


- Mrs. Crayon, não há uma floresta cheia de pinheiros atrás do campo gramado?


- É uma velha floresta cercada, querida. – ela olhou para Sabrina de uma forma perspicaz.- Sei o que está pensando, mas ninguém conseguiria pular aquele arame farpado enferrujado e não sei porque o fariam. Não tem absolutamente nada além de um rio escuro árvores secas naquele lugar.


Sabrina sorriu concordando. Ardia por dentro, morrendo de vontade de sair correndo e contar para Jill, mas Mrs. Crayon a prendia, tagarelando sobre boa educação.



Uma hora depois, Sabrina conseguiu se livrar da mulher.


- Até que enfim, achei que você tinha se machucado de verdade! – Jill a recebeu do lado de fora, aflita.


- Não, não. A mulher só me passou toda a sua biografia, mas estou fisicamente intacta.


- Tem razão, vaso ruim não quebra. – resmungou Jill.


O sol se punha, e Sabrina relatou tudo sobre a floresta acrescentando suas conclusões enquanto andavam sem rumo.


- ... e acho que seria um ótimo lugar para se livrar de alguém ou sumir com algumas frutas. – concluiu Sabrina. Jill olhava o horizonte pensativa.


- É um esquema interessante, mas ainda não sabemos... ei, o que é aquilo? – Parando de repente, Jill notou algo diferente.


Sabrina olhou rapidamente.


- É a sala de Hyde, não é? – disse. – Com a janela quebrada.


Jill deu uma risada sem humor nenhum: a janela não estava quebrada; fora totalmente estilhaçada. Como se alguém tivesse pulado por ela e outra pessoa tivesse pulado atrás.


- Ah meu Deus! - exclamou Jill arregalando os olhos.


- O quê? Sabe de alguma coisa? – Sabrina indagou preocupada.


- Hyde ficou bravinho porque descobriu que Kelly está com Trevor! – exclamou Jill de novo, com olhos divertidos. – Eu sabia que ele tinha gostado dela, mas a esse ponto?


Sabrina fuzilou-a, dividida entre assassinato e fazer parecer sem querer. Decidiu não matá-la nesse dia. Ainda.


Nesse instante, um rapaz apareceu correndo.


- Falando nele... – Jill apontou. O rapaz parou.


Trevor recuperava o fôlego da corrida e parecia aliviado de tê-las encontrado.


- O que houve Trevor? Ah, sou Sabrina Duncan, a propósito. – cumprimentou Sabrina, que conhecia o moço só de longe.


Trevor acenou para ela com a cabeça em um cumprimento e arregalou os olhos para Jill.


- Eu... nem sei como...


- Fala de uma vez, homem! – disse Jill achando graça.


- Kelly desapareceu! – foi tudo o que conseguiu dizer.