Los Angeles, 19 de setembro de 1971

“Querida Kris,

Perdoe-me a demora para te escrever. Foi o quê, duas semanas? Puxa! Aconteceu tanta coisa que nem sei como contar.

Lembra-se de Trevor? Não conseguimos salvá-lo, infelizmente. Sinto tanto pela Kelly, ela ainda está muito abalada. Quando a vimos chorando desesperadamente em cima do corpo, nem tivemos coragem de chegar perto. Ficamos ali, Bri e eu, observando com um aperto no coração. Era um ótimo rapaz, muito dedicado e gentil. A família recebeu a notícia muito mal, mas depois que souberam como ele se fora, prometeram fazer de tudo para que sua morte não tivesse sido em vão.

Isso te dá uma idéia da situação em que se encontra o Sargento Hyde. Ele será julgado por assassinato, mas provavelmente terá a pena reduzida porque colaborou muito mais do que a polícia esperava. Contou o esquema nos mínimos detalhes, acrescentando a lista de compradores do sangue e que o laboratório em que o analisavam tinha gente de Harper trabalhando lá para acelerar o processo e tornar os negócios mais rápidos.

Aliás, tivemos uma grande ajuda para sair da sombria floresta. Você não vai acreditar! Mrs. Crayon nos viu passando pela cerca de arame. Achando que estávamos completamente doidas, mandou chamar Taylor. Ela estava de férias, mas veio correndo (quase bateu o carro no portão, segundo Tommy) e chegou a tempo de ver Harper boiando amarrada por galhos no rio! Isso eu queria ter visto, mas estávamos ocupadas com Hyde. A Kelly deve ter dado uns golpes de sumô nele; ficou três dias desacordado!

Fomos repreendidas por atacar dois superiores, mas tive a impressão de que Lauren Taylor estava com muita vontade de rir ao ver as três lá, sangrando, com meros dezenove anos e ver todo o estrago que fizemos. Ela fez uma pausa e acrescentou que o grande feito iria para nossas fichas, ou seja, seríamos admitidas em qualquer delegacia e poderíamos até pegar casos especiais em um futuro próximo! Ela também elogiou nosso excelente trabalho em equipe. Não tenho certeza se gosto disso... foi tudo tão cansativo que dormi umas doze horas no dia seguinte. Acho que seria loucura arriscar a vida a cada caso que pegássemos. Imagine, servir de isca para capturar um bandido! Mas por outro lado, seria divertido... ainda mais se for com Bri e Kelly.

Taylor aproveitou que estava na Academia para visitar o exótico jardim e pediu que a acompanhássemos (parece ter gostado de nós). Ela aprecia especialmente a companhia de Sabrina, pois as duas têm uma visão de mundo bem parecida e longas discussões das quais me abstenho sobre o futuro do país.

Conversa vai, conversa vem, surgiu o assunto das frutas estranhas. Havíamos suposto que Harper iniciava o trabalho de atrair suspeitas mexendo nas frutas – o que se confirmou pela própria autora da armadilha – e pensávamos na possibilidade de serem frutas falsas, mas quanto a isso tivemos outra surpresa: eram frutas verdadeiras, mas Harper também estava envolvida em um negócio de compra e venda de fertilizantes “milagrosos”. Por isso as frutas tropicais se desenvolviam muito bem por aqui, o fertilizante fazia um efeito excelente nessas terras. E lembrando que havia áreas com rastros de queimada na floresta, foi onde Harper testou a primeira versão do fertilizante, que não deu nada certo e devastou parte das terras. Que pena, eram frutas tão bonitas... mas fertilizadas com um produto químico bem tóxico que poderia matar alguém. Desse negócio, Hyde nada sabia.

Taylor tem mais uma semana de férias, mas vai ter que cuidar do inquérito e de todos os processos legais, então ficou aqui mais um pouco. Foi embora ontem, nos agradecendo muito e pediu para que escrevêssemos. Bri e eu ficamos dois dias na enfermaria e já retomamos as atividades normais da Academia. Kelly ainda está lá desde a nossa aventura, muito quieta e paciente. Provavelmente nem ouve todas as recomendações de Mrs. Crayon e não disse uma palavra quando ela pôs seu osso no lugar certo, nem quando seu ombro inteiro estralou ao ser costurado. Não tenho certeza se ainda tem vidro lá dentro embora a enfermeira tenha garantido a uma desesperada Bri que nada além de carne e ossos recebe sangue dentro de Kelly.

Ah, sim, eu já ia me esquecendo. Celinne foi mesmo capturada enquanto estava na enfermaria, já que não assinou a saída. Harper tinha um comprador urgente e não podia mais esperar até ela decidir ir à floresta. Tratou de aproveitar que Mrs. Crayon saíra para buscar um remédio no depósito e mandou Hyde tirá-la silenciosamente da enfermaria. Como estava com muita pressa, esqueceu-se de assinar a saída ou de dar baixa na ficha da moça para disfarçar. No fundo, era uma negociante muito atrapalhada que não soube encobrir suas pistas. Hyde, então, era um monte de músculos sem cérebro que não dava palpite nas decisões, só fazia o que lhe era mandado e recebia o dinheiro depois.

Segundo Bri – que veio me dar a notícia muito alegre após uma aula teórica particularmente chata -, Kelly sai hoje da enfermaria. Com mais algumas horas de repouso, vai estar pronta para “quebrar mais uns ossos”, nos termos de Mrs. Crayon. Fui vê-la hoje de manhã e ela parece bem melhor. Está com um curativo enorme no ombro e bem pálida, afinal, perdeu muito sangue. Ainda sorri de um jeito fraco e abatido, mas está bem animada e até riu e conversou bastante.

Agora são sete horas e posso ouvir um pássaro cantando lá fora. Bri deve estar estourando por aí, para buscarmos Kelly. Prometo mandar notícias o mais breve possível.

Com amor,

Jill”

Jill sorriu fechando o envelope. Sabrina já estava no pé da escada gritando que ela descesse para buscarem a enferma.