Jill permaneceu parada, em estado de choque. Não sabia se ampara Sabrina ou se corria para a cabana e aproveitava a chance para tirar Kelly de lá. Pensando bem, Hyde adentrara uma espécie de passagem secreta na floresta; quem poderia lhe garantir que Harper não viera mais rápido por este mesmo caminho, ou até já estava lá dentro? Muito arriscado tentar salvá-la. Ainda que estivesse sozinha, não poderiam fugir rapidamente com Bri desmaiada. Pelo menos, pensou Jill se sentindo extremamente impotente, sei que Kelly está viva, pois certamente fora ela quem falara com Hyde quando este saía.


Jill apoiou a cabeça de Sabrina nos joelhos e rasgou um pedaço da blusa (já em farrapos) para fazer uma compressa. Se ao menos pudesse pegar um pouco de água limpa...


Rezando para Hyde não resolver voltar, escondeu a inerte Bri atrás de um arbusto mais decente e correu em linha reta até a fonte natural. Percebeu que estava morrendo de sede. Bebeu um pouco e molhou a compressa improvisada. Estava a meio caminho do arbusto quando ouviu a cabana estremecer do lado de dentro. Paralisou.


Quando Jill percebeu que alguém tentava arrombar a madeira podre pelo lado oposto à porta, um corpo caiu pelo buraco formado. Gemendo pelo esforço, Kelly se levantou.


- Pode tirar isso agora? – arfou ela estendendo as mãos amarradas para trás.


O coração de Jill quase pulou para fora quando um par de mãos atendeu ao pedido com um estilete, mas uma cabeça loura apareceu e Jill pôde distinguir Trevor saindo pelo buraco recém-formado.


Não compreendendo absolutamente nada, Jill abriu a boca, mas antes que pudesse falar Kelly avistou-a e seu rosto se abriu em um sorriso confuso e feliz.


- Jill! Como você chegou aqui? – ela parou diante da amiga examinando o estado de trapos desta.


Kelly não estava muito melhor: de frente, o rosto estava muito vermelho, ela suava e tinha o ombro cortado. O sangue escorria livremente deste corte, mas ela não parecia ligar, apesar de seu osso estar quase visível.


- Não de uma maneira muito fácil... mas... – Jill olhou para Trevor. – Supostamente ainda deveríamos estar te esperando.


Trevor entendeu a censura divertida e soltou um riso sem humor.


- Perdoem-me, espero que entendam as complicações que encontrei pelo caminho. – disse, se aproximando e colocando um braço em volta de Kelly.


Kelly olhou de um para outro. – Sabrina está aqui? – Um misto de surpresa alegre e vergonha nos olhos.


Jill apontou para o arbusto e para a compressa dizendo: - Está ali. Acho que levou uma mordida e agora desmaiou. Está ardendo em febre.


- Mordida? – assustou-se Kelly.


- Estamos cercados por um rio. – acentuou Jill apontando para a claridade sombria.


Kelly e Trevor se entreolharam de olhos arregalados. – Crocodilos! – exclamaram juntos.


- Parece que não fui só eu que ganhei uma enferma. – comentou Jill apontando para o ombro da amiga.


Trevor imediatamente fez Kelly correr até o arbusto e se sentar ao lado de Sabrina. Jill sorriu e os acompanhou. A compressa já estava quente, mas serviu para deixar Sabrina menos vermelha. Enquanto Trevor rasgava sua blusa de lã em pedaços para estancar o sangramento de Kelly, Jill contava a eles como haviam chegado até lá.


- ... então vimos Hyde sair com um vidrinho cheio de sangue e trancar a porta. E Bri desmaiou. Sua vez.


- Bem... – começou Kelly. – Pra começo de conversa, acho que você vai querer saber como cheguei aqui.


Jill assentiu com a cabeça, mudando o pano de lado na testa de Sabrina.


Kelly respirou fundo, escolhendo as palavras.


- Primeiramente, eu mandei aquele bilhete para vocês duas sem pensar em mais nada. Só queria que continuassem como eu sabia que não poderia sozinha. – ela olhou para Trevor pedindo desculpas por não ter confiado nele. Ele apenas sorriu complacente.


- Então, continuou ela, achei que seria interessante ter uma conversinha com o Sargento. Ele sabia bastante para quem aparentemente não chegava nem perto de Harper. Fui até a sala dele e estava aberta e vazia. Mexi em alguns arquivos e achei algo interessante.


Jill sorriu para ela e tirou a folha de nomes do bolso.


- Isso mesmo. Sublinhei a parte importante para memorizar mais fácil. Pelo que percebi, Hyde tem boa memória e sentiria falta de sua preciosa folha de informações. Nessa hora, Hyde entrou na sala. Não estava armado, mas percebi o quanto é forte fisicamente. Ele me jogou em cima de um arquivo e tenho a impressão de que quebrei um osso do ombro. Tentando reagir, fiz ele vir pra cima de mim, mas me apoiando na mesa, escorreguei e caí pela janela. – ela lançou um olhar triste para o próprio ombro que Trevor terminara de enfaixar precariamente. – Demorou um bom tempo para conseguir tirar o caco de vidro... e quando o fiz, já tinha uma arma apontada para minha cabeça. Ainda caía vidro sobre nós dois e ele amarrou minhas mãos com essa corda tão forte que parece de aço.


Trevor quebrou um galho num gesto instintivo de raiva nesse momento.


- Hyde me trouxe para cá por uma trilha escura e úmida, mas em menos de meia hora já estava dentro da cabana. Ele deve ter me dopado e quando acordei, meu ombro sangrava muito e ele já tinha um vidro cheio do meu sangue. Então, vi que Trevor estava sentado ao meu lado, também amarrado.


- Encontrei Harper enquanto buscava uma arma para vocês. Não pude me defender, levei uma baita pancada na nuca. Fiquei desmaiado até perceber que estava sendo arrastado por uma floresta e quando cheguei aqui, me senti ao mesmo tempo em pânico e muito contente. – explicou o rapaz sorrindo para Kelly.


Ela sorriu de volta.


- Mas onde está Harper agora? – perguntou Jill.


- Não sabemos. – respondeu Kelly. – Trevor a viu sair, mas ela não voltou desde então. Hyde saiu como você viu. Então, - disse ela retomando a narrativa – sozinhos e com um estilete bem à mostra, conseguimos arrombar a cabana.


- Eu disse para ela não fazer isso, mas quem discute com essa teimosa? – disse Trevor. – Ela foi direto com o ombro na madeira. Deve ter farpas no lugar do seu osso quebrado.


Kelly deu de ombros como se estivessem falando do tempo e uma farpa abriu o curativo improvisado. Ela gemeu de dor e Trevor correu para tirar o pedaço que saía do ombro. Corajosamente, Kelly não gritou enquanto ele arrancava com ferocidade o instrumento que influía dor à sua amada.


Trevor refez o curativo enquanto Jill perguntava:


- Descobriram o que aconteceu com as outras garotas?


Os dois olharam para ela com uma expressão sombria que Jill entendeu. Em silêncio, pensou naquelas jovens que tiveram suas vidas desperdiçadas por causa de sangue.


- Por que só garotas? – indagou Jill de novo, refletindo.


Foi a vez de Kelly dar um sorriso torto sem humor. – Hyde precisaria de muito esforço para atrair rapazes.


Jill ia responder com outra pergunta, mas Sabrina começou a abrir os olhos. Ela retirou a compressa e a primeira coisa que viu foi o ombro de Kelly aberto, pois Trevor tentava retirar outras possíveis farpas. Levantou-se rápido, assustada, na mesma hora que Jill abaixava para lhe dar assistência caso necessário. Bateram a cabeça uma na outra.


- Ei!


- Que cabeça dura!


- Espero que tenha regime para a cabeça, porque você precisa de um!


- Depois dessa, nem vou mais lembrar meu nome, quanto mais de um regime!


As duas pararam de falar e riram, se abraçando. Os outros dois encararam-nas sem ter o que dizer.


Sabrina sentou-se lentamente, já séria. Ela olhou para Kelly por um minuto. Esta retribuiu o olhar silenciosamente. Jill e Trevor apenas observaram. Nada aconteceu. De repente, Kelly começou a chorar e Sabrina abraçou-a sem dizer uma palavra.


- Idiotas. – resmungou Jill. – Suas grandes idiotas! – ela bateu num arbusto, espalhando folhas por todos os lados. Trevor riu enxugando as lágrimas de Kelly, enquanto Sabrina perguntava o que acontecera com eles.



Passaram um bom tempo repetindo a história. Sabrina permaneceu calada por um tempo. Então, Jill disse:


- Isso ainda está meio confuso para mim... podem me explicar tudo nos mínimos detalhes?


- Ok... – respondeu Sabrina. – Suponha por um instante que aquelas garotas recebessem pistas sobre uma espécie de... tráfico, como nós mesmas suspeitamos de Harper, se lembra?


- Claro! Toda aquela cena da banana...


- Isso. Um certo Sargento charmoso deixava escapar coisas estranhas sobre a floresta...


- E pelo que você disse, Jill, - disse Kelly – me parece que as vítimas tinham seu sangue examinado na fortuitamente apertada cerca. Assim, poderiam determinar se era valioso para vender.


- Exatamente! – exclamou Sabrina. – Aquela folha que você nos deixou, Kelly, me fez pensar isso também. Eles simplesmente analisam o sangue, raptam a garota e extraem o máximo que podem para vender por preços exorbitantes no mercado negro. E corpo das garotas ainda deve servir de adubo para essas terras. – terminou ela em voz baixa.


- Isso explica as saídas quase constantes de Harper! – complementou Jill. – Ela precisava ir a um laboratório fazer uma análise do sangue.


Ficaram um instante em silêncio. Então, Trevor se manifestou:


- Harper não faz o tipo sedutora, então duvido que algum rapaz fosse envolvido no esquema. E... aquelas que não tinham o sangue certo... – sua voz foi sumindo até morrer num fim de frase que as três sabiam qual era. Terminaria em morte, sem dúvida.


Se fitaram em silêncio, sem saber exatamente o que fazer; Bri ainda estava um pouco tonta, não tinham um caminho seguro para voltar e contavam com um estilete como melhor arma do momento.


Jill encontrou uma árvore perto do arbusto que adentrava o mato com muitas teias de aranha, mas podiam ficar agachados ali. Ela e Sabrina usufruíam do novo esconderijo. Trevor achou melhor acabar o curativo improvisado antes que as árvores fizessem novos arranhões sangrentos. Kelly, por sua vez, limpava o rosto dele com um lenço, porque este também sangrava ligeiramente. Permaneceram, portanto, atrás do precário arbusto que Jill destruíra de vez.


- Você precisa de um hospital, sabe. – disse Kelly.


- Olha só quem fala! – replicou Trevor deslocando o osso dela de volta ao lugar.


- E vai precisar mais ainda. – disse uma voz rouca, de repente.


Tinham estado tão concentrados em se limpar que não notaram um farfalhar de árvores. Hyde voltara.


- Não, não, não... – disse ele. – Isso não é bom. Deviam ter ficado quietinhos lá dentro. Sofreriam menos. – ele lançou aos dois um olhar maligno.


Ambos ficaram paralisados, sem saber o que fazer. Jill nem respirava e Sabrina fez menção de se revelar, mas felizmente Hyde não as ouvira, então Kelly chutou-a no estômago de volta para a escuridão da floresta por entre os galhos lançando um rápido e discreto olhar de alerta.


Jill começou a se embrenhar na floresta, puxando Sabrina. Lançando um último olhar de preocupação, esta desapareceu por entre as árvores.


Hyde olhou na direção delas.


- Ouvi alguma coisa aí. – ele se aproximou com a espingarda na mão.


- Não tem nada aqui. São só pássaros. – respondeu Trevor passando novamente o braço em volta de Kelly.


Hyde sorriu malignamente.


- Não tem problema. Seja o que for, vai ter uma surpresa no fim da trilha. – ele se afastou em direção à cabana. – Agora, levantem-se bem devagar... e venham cá. Sem gracinhas. – disse apontando a arma para Kelly quando Trevor fez um movimento brusco.


- O que vai fazer conosco? – perguntou ele.


- Quem sabe? Se ela não tivesse um sangue tão bonito e vermelho, eu poderia matá-la na sua frente. Seria uma ótima cena de se ver.