Chamas e Brisas

Capítulo 18 - Zara


Após uma tarde inteira de conversas e encontros com os moradores do vilarejo, Luna retornou à loja de lembranças, não com segredos ou histórias, mas com um mapa atualizado de Solumia e suas redondezas. As linhas e contornos do papel pareciam dançar sob seus dedos, cada marca uma promessa de aventura e descoberta.

Enquanto folheava o mapa, um rumor capturou sua atenção. Dizia-se que os príncipes da Nação da Terra, Kaelan e Dorran, haviam se refugiado em cidades distantes da capital. Kaelan, o mais velho e estrategista, teria estabelecido sua base em Thalgora, uma cidade conhecida por suas fortificações impenetráveis e minas profundas. Dorran, conhecido por sua conexão com o povo, escolheu Eldoria, uma cidade escondida entre colinas verdejantes e rios sinuosos, onde a natureza e a terra eram um só.

Luna sabia que rumores eram como o vento; podiam ser verdadeiros ou simplesmente passar sem deixar rastro. No entanto, a possibilidade de encontrar os príncipes e entender suas motivações era tentadora. Ela guardou o mapa cuidadosamente, sentindo o peso da responsabilidade e da curiosidade em seus ombros. A busca pela verdade sobre Kaelan e Dorran em Thalgora e Eldoria seria o próximo capítulo de sua jornada.

Luna atravessava as ruas do vilarejo com passos leves, o mapa seguro em suas mãos como um tesouro recém-descoberto. O sol começava a se pôr, tingindo o céu de laranja e rosa, e as sombras alongadas das casas dançavam ao seu redor.

Ao chegar ao ponto de encontro, ela encontrou Aeris e Lyra em meio a uma conversa animada, sentados em um banco de madeira desgastado pelo tempo. Aeris, com uma sacola de roupas ao lado de seus pés, parecia relaxado, enquanto Lyra gesticulava com entusiasmo, cada palavra acompanhada por um gesto expressivo.

Elian estava um pouco afastado, segurando uma peça de roupa contra a luz, examinando-a com um olhar crítico. A bolsa de Aeris repousava ao lado, com a espada cuidadosamente embainhada, o cristal no pomo cintilando sutilmente.

- Encontrei algo! - disse Luna, apontando para o mapa. - Rumores sobre os príncipes da Nação da Terra… mas apenas rumores.

- Bom, não podemos ficar vagando atoa pelo reino. – disse Aeris com um sorriso animado.

- Então Luna, qual nosso próximo destino? – pergunta Lyra com um sorriso, fitando os olhos azuis celeste da dobradora de água.

- Eldoria, está mais perto. E dizem que o príncipe Dorran montou uma base por lá. – mostra o mapa para a princesa do fogo.

- Ele é confiável? – pergunta Aeris, pois não se lembra dos príncipes. Encontrará eles quando era muito jovem, ambos já tinham a idade que hoje o loiro possui.

- Minha família orquestrou um encontro com a família real de Solumia, lembro dele ser o mais amado pelo povo, por ter um carinho enorme por seus súditos. – responde Lyra, com seu olhar sob o mapa, analisando o tempo que iria demorar para chegar nessa cidade. – Acho que vamos precisar de cavalo. – balbucia para si mesmo, mas Elian ouve.

- Acho que não vai ser preciso. – solta o jovem príncipe ao se aproximar do grupo.

Elian estava vestido de maneira prática, mas com um toque de elegância que refletia sua personalidade calma e observadora. Sua túnica era de um azul profundo, quase cinza, com detalhes sutis em um tom mais claro ao longo das bordas, dando a impressão de nuvens contra um céu noturno. As mangas eram longas, mas ajustáveis, permitindo que ele as enrolasse se necessário. Suas calças eram de um tecido resistente, mas confortável, de cor cinza-escuro, que complementava a túnica. O conjunto era finalizado com botas de couro macio, adequadas para longas caminhadas ou para a prática da dobra de ar.

- Como assim? – pergunta Aeris, quase ao mesmo tempo que sua irmã.

- No lago eles tem muitas embarcações que cruzam os rios, e pelo que esotu vendo no mapa, um rio cruza o meio da cidade que queremos ir. – explica Elian, apontando para o rio no mapa.

- E você disse não ter encontrado nada lá. – brinca Aeris com um sorriso gentil. – Temos que alugar?

- Ou convencer alguém as nos levar. – solta Luna, com um sorriso fitando os olhos azuis de seu irmão. – Temos que achar alguém que esteja indo para lá, ou que apoie o príncipe. – sua mão logo vai para seu queixo, fazendo uma expressão pensativa.

- Temos dinheiro para alugar? – pergunta Lyra, fitando Aeris.

- Dinheiro não problema, mas espero que não seja caro. – argumenta o loiro, que faz o grupo arquear a sobrancelha, pois não sabiam a quantidade que carregavam de dinheiro.

- Quanto exatamente temos? – pergunta Luna curiosa.

- Tive uma pequena aventura num cassino ilegal em Fortalium, onde juntei uma quantidade boa de ouro. – sua mão fazia gestos para tentar explicar, mas se rende com os olhares curiosos. – Temos 42 moedas de ouro, 34 de prata e 22 de bronze.

Lyra carregava consigo algumas moedas de ouro que utilizará no cassino, mas acabou se mantendo em silencio com um sorriso cumplice enquanto observava os dois gritando com Aeris, e ele procurando ajuda para sair dessa situação, recebendo uma careta vinda da morena como resposta.

- Então? – pergunta a princesa do fogo, com um sorriso divertido em seus lábios. – Vamos procurar um barco?

- Vamos. – solta Luna, mas ainda lançando olhares mortais para seu irmão.

- Pelo menos vista a roupa que te comprei. – levanta uma sacola perto de seu pé, entregando a mesma na mão de sua irmã. – Ai sim podemos ir, sem parecer ciganos. – complementa com um sorriso.

Luna retirou-se para um canto discreto, onde a luz do entardecer ainda brincava entre as folhas. Com dedos ágeis, ela desatou os laços da túnica que seu irmão lhe dera, uma peça de tecido leve e resistente, tingida com a cor do céu ao amanhecer. A túnica deslizou suavemente por sua pele, deixando-a com a sensação refrescante do ar da tarde. Ela vestiu a nova roupa, uma camisa de linho de um azul suave e calças de algodão que permitiam movimentos fluidos, essenciais para uma dobradora do ar. O tecido abraçava suas formas com conforto, sem restringir sua liberdade. Com a roupa nova, ela sentiu-se renovada, pronta para se reunir com seus companheiros. Luna saiu do esconderijo e avistou o grupo já a caminho do lago, suas silhuetas recortadas contra o reflexo dourado das águas. Ela apressou o passo, o tecido de suas roupas sussurrando com cada movimento, ansiosa para compartilhar as novidades e continuar a jornada que os aguardava.

O pequeno porto do vilarejo era um lugar de despedidas e encontros, onde as águas do lago beijavam gentilmente as embarcações ancoradas. Luna, Aeris, Lyra e Elian percorriam o cais de madeira, suas vozes se misturando ao som das ondas e ao burburinho dos marinheiros. Eles buscavam um barqueiro que os levasse até Eldoria, mas um após o outro, os rostos enrugados pelo sol e sal recusavam, balançando a cabeça com suspeitas ou temores não ditos.

Cansados e desapontados, o grupo se recolheu à pequena taberna do porto, um espaço aberto onde o aroma do mar se encontrava com o cheiro de comida e cerveja. Sentaram-se em uma mesa de madeira desgastada, observando o sol mergulhar lentamente no horizonte, tingindo o céu de tons de laranja e púrpura.

- Soube que estão querendo se matar. – uma voz forte dispara ao se aproximar de Aeris.

Contra o pano de fundo do sol poente, cujos últimos raios dourados beijavam o horizonte, uma jovem mulher emergia, capturando a atenção de Aeris. Ela tinha cerca de 18 anos, com uma pele negra que resplandecia sob a luz crepuscular, contrastando com a camisa branca de marinheiro que usava. Seus cabelos pretos, cortados na altura dos ombros, enquadravam seu rosto e balançavam suavemente com a brisa do lago.

Seus olhos cor de mel brilhavam com um espírito indomável, refletindo o último brilho do dia, enquanto um sorriso rebelde adornava seus lábios, prometendo aventuras não contadas. A camisa branca estava desabotoada da metade do peito para cima, revelando uma corrente de prata que descansava contra sua pele, e no centro, um cristal pendia, capturando a luz e refletindo-a em mil cores.

- Mas dependendo se aceitarem meu preço, eu levo vocês para a morte. – ela sorri, fitando os olhos azuis de Aeris, o mesmo apenas arqueia a sobrancelha procurando palavras para responder.

- E qual o seu preço? – a princesa do fogo lança a pergunta, fazendo a jovem marinheira fitar seus olhos.

- Achei que o loirinho era o líder, pois o magricelo parece ser medroso e a bonitona ali uma rebelde nos momentos importantes. – aponta para Luna, que não sabia se recebia isso como um elogio. – Mas seu olhar me faz pensar que é você, ou talvez os dois. – da de ombro, soltando uma pequena gargalhada. – Mas meu preço é simples, 10 peças de ouro, e me levem junto para dentro da cidade.

A proposta da marinheira pairava no ar, carregada de promessas e perigos. Aeris virou-se para Lyra, buscando em seus olhos a resposta que suas palavras ainda não haviam formado. Lyra, sentindo o peso da decisão, retribuiu o olhar, sua expressão um misto de dúvida e determinação. Em silêncio, eles comunicavam-se através de uma linguagem que só eles conheciam, um diálogo de olhares que falava de confiança e companheirismo. Com um aceno quase imperceptível, Lyra deu seu consentimento, e Aeris voltou-se para a marinheira com um sorriso decidido.

- Antes de tomar a decisão, por que os outros não vão para Eldoria? – pergunta Aeris, fitando os olhos cor de mel da marinheira.

- Vocês não sabem?

A risada da marinheira ecoou pelo porto, uma onda de humor que se espalhou pelo ar da noite.

- Vocês são corajosos, ou talvez apenas loucos. - ela disse, ainda sorrindo. - Querem navegar para Eldoria sem nem saber o que os espera lá? - seu sorriso rebelde e os olhos cor de mel brilhavam com diversão, enquanto observava o grupo diante dela.

O grupo, por sua vez, trocou olhares entre si, um misto de embaraço e determinação em seus rostos. Eles sabiam que a jornada para Eldoria não seria fácil, mas a gargalhada da marinheira trouxe um momento de leveza, lembrando-os de que, mesmo nas incertezas, havia espaço para alegria e a aventura do desconhecido.

- E o que está acontecendo? – pergunta a princesa do fogo.

- Armadilhas, bandidos e assassinos. Um monte deles estão espreitando as montanhas, procurando pelo príncipe. – ambas mãos repousam em seu quadril, e continua com um sorriso. – Então podemos ter algum imprevisto nos rios que atravessam as montanhas, por isso as viagens para aquele local estão sendo canceladas.

- Então não vai ser fácil. – bufa Aeris, pois eles tinham que conversar com o príncipe Dorran, para assim tentar uma negociação para cessar fogo com o irmão. – E qual o seu motivo de ir para lá? – pergunta o loiro, surpreendendo a marinheira.

- Assim como não pergunto o motivo quererem se arriscar, peço para que não se intrometam em meus assuntos. – diz cruzando os braços.

- Mas mesmo assim quer ajuda de dobradores para ter uma travessia, de certa forma segura. Seu cristal, eu sei para oque serve. – Aeris com um sorriso calmo, observava um os olhos nervosos da moça. – Olha, caso isso não se torne um problema para nós, eu aceito sua proposta. – o loiro levanta-se, ficando de frente com a marinheira, que não era baixa, mas não chegava na altura de Lyra.

- Combinado, mas ainda serão 10 moedas de ouro. – solta a marinheira com um sorriso rebelde. E estendendo sua mão para o fechamento de negócio.

Aeris estendeu a mão e selou o acordo com um aperto firme, um gesto de confiança e expectativa. A marinheira, com um sorriso que ainda carregava o eco de sua gargalhada anterior, respondeu com igual firmeza.

- Meu nome é Zara. - ela disse. - E eu serei sua guia até Eldoria.

Com as apresentações feitas, Zara os conduziu ao seu navio, um pequeno veleiro que parecia dançar suavemente sobre as águas calmas do lago. O casco era de um tom escuro, quase indistinguível contra a superfície do lago à noite, e as velas, embora recolhidas, prometiam uma viagem rápida com o vento certo.

O navio era compacto, mas bem equipado, com um único mastro e uma cabine pequena que oferecia abrigo do clima e espaço para armazenar seus pertences. O convés tinha espaço suficiente para que todos se acomodassem, embora de forma aconchegante. Zara mostrou-lhes como tudo funcionava, desde o leme até as cordas que controlavam as velas, cada elemento uma parte essencial da embarcação que logo seria sua casa no caminho para Eldoria.

Eles embarcaram, sentindo o balanço suave do navio sob seus pés, e enquanto Zara preparava-se para zarpar, eles se acomodaram, olhando para as estrelas que começavam a aparecer no céu noturno, refletindo sobre o lago e em seus corações cheios de esperança.

Lyra encontrou conforto no abraço de Aeris, enquanto o navio começava a se afastar da segurança do porto. A brisa noturna acariciava seus rostos, trazendo consigo o cheiro salgado do lago. Eles se aconchegaram mais, compartilhando o calor entre eles, enquanto o veleiro cortava as águas tranquilas, levando-os em direção ao horizonte que agora se misturava com as estrelas.

A princesa do fogo, notou o olhar distante de Aeris, que estava fixo na bolsa onde sua espada repousava. O cristal no pomo da espada brilhava sob a luz das estrelas, como um farol solitário em meio à escuridão. Havia uma profundidade naquele olhar, um mar de pensamentos e memórias que Lyra sabia serem tão vastos quanto o próprio lago que navegavam. Ela se aproximou suavemente, colocando uma mão sobre a dele, um gesto que faz o loiro baixar seu olhar e ir de encontro com o dela, um sorriso surgindo em seus lábios logo depois.

- No que está pensando? – pergunta Lyra.

- Em destino... – ele faz uma pausa, pois era uma mentira. Ao tomar coragem, um brilho surge em seu olhar. – Estou com medo na verdade. – solta um riso fraco e tímido.

- Por que? – pergunta a morena.

- Na Floresta Esmeralda, achei que iria morrer. Nunca pensei que teria que enfrentar uma pessoa com tal poder. Um poder igual de minha mãe, mas sendo usado para coisas ruins. – ele desabafa, com um medo em sua voz e incertezas.

- Não sabemos como ela pode fazer isso, e nem como tem um dragão para comandar. Mas!

Lyra, com a determinação ardente de uma princesa do fogo, segurou o rosto de Aeris entre suas mãos, guiando seu olhar até que seus olhos se encontrassem. O reflexo das estrelas em seus olhos dourados brilhava com uma promessa silenciosa.

- Nos enfrentaremos isso juntos. - ela disse, sua voz firme e cheia de convicção.

Era mais do que uma promessa; era um voto, um elo inquebrável que os unia diante de qualquer adversidade que pudessem encontrar nas águas desconhecidas de suas vidas. E naquele olhar compartilhado, havia uma força que transcendia palavras, uma aliança forjada no fogo e no ar.

Aeris inclinou-se suavemente, sua testa encontrando a de Lyra em um gesto íntimo de cumplicidade. O mundo ao redor parecia desaparecer, deixando apenas o som da respiração dela, um sussurro de vida e presença. Seus dedos tocaram delicadamente o queixo de Lyra, uma promessa silenciosa pendurada no ar entre eles. E antes que seus lábios se encontrassem, ele sussurrou, com uma certeza que vinha do fundo de sua alma, “Juntos.” Era uma palavra simples, mas carregada com toda a profundidade de seu compromisso compartilhado.

Luna deslizou silenciosamente para a cabine do veleiro, seus olhos refletindo uma curiosidade astuta. Lá, ela encontrou Zara, a silhueta da marinheira delineada pela luz suave que ainda escapava do crepúsculo. Com mãos firmes e seguras, Zara comandava o timão, guiando a embarcação com uma habilidade que falava de anos de experiência em águas tanto calmas quanto traiçoeiras. Luna observava, fascinada pela dança harmoniosa entre a marinheira e o mar, um balé silencioso de sombras e luz onde cada movimento era uma palavra em uma história ainda não contada.

Zara, com um sorriso que refletia a liberdade do mar, notou a presença de Luna e a convidou a se aproximar com um gesto amigável.

- Como posso ajudá-la, maruja? - ela perguntou, sua voz misturando-se ao som das ondas e do vento nas velas.

- Estava curiosa para saber o motivo de me ter chamado de “Bonitona Rebelde”. – solta ao se aproximar de Zara, sentindo a brisa que batia em seu rosto.

A gargalhada de Zara encheu a cabine, um som tão vivo quanto o mar que ela navegava.

- Há uma chama em você, algo que não se dobra nem mesmo diante das ondas mais selvagens. É uma qualidade rara e bela, daí a ‘bonitona’. E o ‘rebelde’? Bem, isso é o que faz você se destacar em um mar de rostos comuns. - Zara piscou para Luna, um brilho de cumplicidade em seus olhos cor de mel, e voltou sua atenção para o timão, guiando o veleiro com a confiança de quem conhece cada segredo que as águas podem esconder. Luna, com um sorriso que refletia tanto o desafio quanto a admiração, aceitou o elogio e a alcunha, sentindo-se parte daquela aventura que se desenrolava sob o céu estrelado.

- Rebelde, talvez, mas bonitona é questão de perspectiva. - ela disse, jogando o cabelo por cima do ombro com um gesto despreocupado. - E quanto ao espírito indomável, bem, isso é o que nos faz dobradores, não é? Nós moldamos o mundo, não o contrário. - sua postura era a de alguém que não apenas enfrentava as tempestades da vida, mas dançava com elas, e sua resposta deixava claro que ela não se intimidava facilmente, nem mesmo por uma marinheira tão carismática quanto Zara.

- Dez moedas de ouro. - ela murmurou, pesando o valor da oferta contra os riscos. – Podia ter pedido mais. – seus olhos caem sobre Aeris e Lyra, que compartilhavam seu momento. – Com toda certeza vocês tinham mais. – um sorriso se forma em seu lábio, voltando o olhar para Luna.

- Não posso negar, mas seria difícil conseguir tirar algum dinheiro da dama do fogo. – brinca ao fazer o gesto de fogo com as mãos, arrancando uma risada da marinheira.

Uma brisa suave começou a soprar, levantando a túnica de Luna e revelando uma cicatriz antiga em sua barriga. Zara não pôde deixar de notar.

- Essa cicatriz… - começou Zara, tentando não parecer intrusiva. - Parece carregar muitas histórias.

- Cada marca em nosso corpo conta uma história, não é? - Luna olhou para baixo, sua expressão misturava dor e orgulho.

- Qual a historia por trás dela? – pergunta rapidamente Zara.

- Essa cicatriz… - começou Luna. - não é de uma batalha gloriosa ou de um monstro feroz. É de uma noite chuvosa e de uma decisão impensada de uma jovem que fugiu de casa por um motivo que agora parece tão… bobo.

Zara escutava atentamente, surpresa pela sinceridade nas palavras de Luna.

- Eu estava zangada, frustrada com algo que nem lembro mais. Corri para o bosque, longe da cidade, sem perceber o perigo ou a dor que causaria. Tropecei, caí e me machuquei. Lá estava eu, sozinha e perdida, até que… - Luna pausou, um sorriso triste iluminando seu rosto ao lembrar. - Até que o sorriso do meu irmão cortou a escuridão, sua mão estendida para me ajudar a levantar. E ao fundo, as vozes de minhas mães, chamando meu nome com tanto alívio quanto preocupação.

- Não são muitos que tem essa preocupação toda. – diz com um sorriso, escondendo uma magoa em seu coração.

- Sim, e essa cicatriz me lembra disso todos os dias. Me lembra de casa, da família e do amor que às vezes tomamos como garantido.

Luna olhou para Zara com uma curiosidade que ultrapassava a mera casualidade.

- E você, Zara? Carrega alguma cicatriz consigo?

Zara hesitou, um turbilhão de memórias aflorando em sua mente. Ela sabia que cada marca em seu corpo era um capítulo de sua história, uma história que ela raramente compartilhava. Com um suspiro quase imperceptível, ela escolheu suas palavras com cuidado.

- Meu corpo é um templo. - disse Zara, mantendo sua voz firme e seu olhar distante. - E como todo templo, ele guarda seus segredos.

Luna percebeu a mudança sutil na postura de Zara, o jeito como ela desviou o olhar, como se protegesse algo precioso. Não era apenas uma resposta; era uma confissão velada de dor e força, de batalhas lutadas em silêncio.

- Entendo. - Luna respondeu, respeitando o espaço que Zara havia colocado entre elas. - Todos temos nossos segredos, nossas histórias que preferimos manter para nós mesmos.

Luna se afastou, sentindo o peso do silêncio entre elas. Não era um silêncio desconfortável, mas sim um cheio de palavras não ditas e sentimentos ainda não explorados. Com um aceno suave, ela se despediu de Zara e se dirigiu ao grupo.

Zara permaneceu sozinha, seus olhos seguindo a figura de Luna enquanto ela se afastava. A luz das estrelas brilhava sobre o grupo adormecido, mas era o brilho dos olhos azuis cintilantes de Luna que capturava sua atenção. Zara observava, quase sem perceber, como o cabelo cor de mel de Luna, com pontas loiras que pareciam capturar e refletir a luz da lua, dançava ao sabor da brisa noturna.

Ela se perguntou sobre os segredos que Luna guardava, sobre as histórias que suas cicatrizes poderiam contar. Havia uma beleza na forma como Luna se movia, uma graça que era mais do que a soma de suas partes. Zara sabia que havia algo especial em Luna, algo que valia a pena proteger.

Enquanto a noite avançava, Zara se permitiu um momento raro de contemplação. A jornada até Eldoria seria longa e perigosa, mas talvez, apenas talvez, houvesse algo mais esperando por elas além da promessa de ouro e glória.