– Tens a certeza que não te doí?- perguntou Zero, pela milésima segunda vez, enquanto fazia-me a ligadura no pé.

– SSSSSIIIIMMMM!- talvez se eu alonga-se a palavra, ele a compreendesse.

Estávamos na casa do director Cross. Parece que Zero não me queria sozinha e ferida (principalmente ferida) no meu confortável e lindamente decorado quarto.

– Não sejas assim, Ayame.- aconselhou Kaien- Zero estava bastante preocupado contigo. Ele culpa-se por estares com uma entorse no pé.

– Não fales de mim como se eu não estivesse aqui.- disse Zero, tentando esconder a vergonha- Além disso estás a referir-te a mim como se eu fosse um maricas.

Eu e Kaien rimos em uníssono. Sentia-me bastante bem, por, aos poucos, estar a conhecer Zero.

– Zero, porque não vais mostrar à Ayame onde ela vai permanecer…?- hesitou.

– Até quando terei que vos dar trabalho?- perguntei.

Antes do director poder responder, Zero interrompe-o.

– Até estares bem o suficiente para recomeçares as aulas.

– Mas eu já me sinto melhor…- ele fitou-me com um olhar que me dizia “É melhor estares calada!”.

Para eu não esforçar o pé, Zero pega-me ao colo (naquilo que se chama “ o abraço da princesa”) e dirige-se até ao quarto onde permanecerei até “me sentir bem”.

Depois de, com algum esforço, abrir a porta, Zero deita-me na cama e diz-me:

– Já volto. Tenta não fazer nenhuma asneira enquanto eu não estou.

“Ele deve pensar que eu sou uma criancinha, é que só pode”. Coloquei-lhe a língua de fora. Ele riu-se e saiu do quarto.

Enquanto estava sozinha decidi tratar da minha higiene. Depois de vestido o pijama, sentei-me na cama e escrevi uma carta ao meu pai (que neste momento já deve estar desesperado por notícias minhas).

“Olá pai. Espero que te encontres de boa saúde. Desculpa só mandar o postal agora, mas tu sabes como sou- sempre a estudar (mentira). A academia é tal e qual como tu a tinhas descrito: moderna e, acima de tudo, exigente. Pelo menos, o teu maior receio já foi ultrapassado- fiz novos amigos. Tenho uma colega de quarto chamada Yori, que me tem muito em comum contigo: é teimosa, resmungona, eléctrica e manda-me para a cama às onze. Tenho a certeza que ias adorá-la. Agora tenho de te dar as más notícias (más para ti) - também fiz amigos rapazes. Nomes não digo, antes que vás buscar a espingarda a casa do vizinho. Por agora não tenho nada a acrescentar. Cuida-te, Ayame.”

Era quase ilegível, já que o espaço para escrever era mínimo.

Enquanto pensava se devia ou não contar ao meu pai sobre vampiros, Zero apareceu. Fiquei surpreendida ao vê-lo já com o pijama (mais surpreendida fiquei ao perceber o quão sexy ele ficava assim vestido). A t-shirt branca e as calças cinzentas realçavam a elegância dele.

– Está tudo bem?- perguntou.

– Melhor não podia estar. Obrigada por tudo isto.

– Não tens que me agradecer.- sentou-se ao meu lado.

– Posso fazer-te mais uma pergunta?- questionei-o.

– Força.

– O que fazias na cidade?

– A tentar esquecer dos meus problemas e de uma certa “melga” que me tem irritado.- respondeu.

– “Melga”?

– Sim. Uma rapariga que tem se intrometido nos meus problemas, na minha vida.- fitou-me.- Ela tem-me dado cada enxaqueca…

Percebi que ele estava a referir-se a mim.

– Talvez ela esteja demasiado preocupada e não possa deixar-te fazer tudo sozinho.

– Mas ela tem de confiar em mim.- sussurrou- Sempre me desenrasquei sozinho, e vou continuar a fazê-lo, estou habituado a fazê-lo.

– Talvez seja tempo de mudares.

– Talvez.- murmurou e riu-se.

Minutos em silêncio.

–Zero, posso pedir-te uma coisa?

– Claro, o que quiseres.- respondeu.

Sorri. Ele ia-se arrepender do que tinha dito.

– Já me salvaste tanta vez, e eu nunca te retribuí…

Ele ia interromper-me e dizer “Não foi nada” ou “Não tens nada de retribuir”. Não o deixei falar.

– Deixa-me salvar-te Zero.- pedi.

Ele olhou-me confuso.

Coloquei a minha mão à frente da sua boca. Ele percebeu o que eu queria dizer.

– Não, não o vou fazer.- levantou-se e dirigiu-se à porta.

– Só desta vez.- voltei a pedir.

– Ayame, para!- gritou- Não estás a ver que me estás a dificultar a vida? Não é tão simples como tu pensas! Uma vez provado sangue, não consigo parar.

– Por favor.- Ao ver uma lágrima a rolar pelo meu rosto, Zero lentamente voltou a sentar-se ao meu lado. Pegou na minha mão, virou o meu pulso, aproximou-o da boca e … hesitou.

– Eu confio em ti.- murmurei-lhe.

Se estava com medo? Sim raios! Estava cheia de medo. Até um cão poderia cheirar o fedor a medo que saía dos meus poros. Mas tinha de confiar nele. Tinha de confiar que aquilo era a coisa certa a fazer.

Uma dor fina invadiu-me. Os olhos de Zero estavam da mesma cor que o meu pulso. Elevou-me da cama e encostou-me à parede. Tirou os cabelos que tinha no pescoço e mordeu-mo. A dor intensificou-se.

– Zero, já chega.- tentei dizer-lhe.

Ele recusou a afastar-se, e continuou a beber o meu sangue. Talvez tivessem passado dois ou até três minutos até ele, finalmente, me largar.

Os olhos voltaram à sua cor normal. Dirigiu-se à porta:

– Zero, espera!- tentei chamá-lo.

– Vou só buscar um penso para o teu pescoço. Já volto.

Depois de se ter ido embora, sentei-me. Estava mesmo cansada. Mas não podia dormir, agora não. Não havia vestígios de sangue em nenhum lado.

Zero voltou rapidamente com o penso. Depois de colocado disse:

–Desculpa se te assustei.

– Não tenho medo de ti.

– Acho que já tinhas dito isso- voltou a rir-se. Parecia mais bem-disposto.

– Mesmo que não tenhas medo,-continuou- trouxe-te uma coisa. Tirou uma bolsa preta do bolso e deu-me o seu conteúdo.- Esta é a Artemis. É uma arma anti vampiros.

Artemis era um bastão metálico prateado, mas de repente ela aumentou para o dobro do tamanho.

– Sempre que sente um vampiro perto, Artemis aumenta de tamanho. Não mata vampiros, mas deixa-os incapazes de mover ou mesmo inconscientes. Neste momento, o vampiro que ela deve estar a sentir sou eu.- sussurrou.

– Porque estás a dá-la a mim?- questionei-lhe.

– Todos os alunos que sabem da existência de vampiros tornam-se supervisores. Todos os supervisores têm uma arma única. Esta é tua!

– E se eu não quiser ser uma supervisora? E se eu não quiser usar a Artemis?

– Não tens escolha.

– Quantos supervisores há, então?

– Dois. Eu e tu.

– Espectáculo.- repliquei.

“ Adeus às noites a dormir”, pensei.