-Sabes, é uma vergonha não gostares de Bruno Mars. É pior que um crime federal.

Esta rapariga que não tem bom gosto nem sabe o significado de “crime federal” chama-se Sayori Wakaba (que eu carinhosamente chamo de Yori), e é a minha mais recente amiga/companheira de quarto. Ao contrário de mim, gosta de ter os cabelos curtos, é tímida e gosta de música fatela.

-Por causa desse teu mau gosto, podia despedir-te do posto “melhor amiga para todo o sempre”- disse-me.

-Podia dizer-te o mesmo. -respondi-lhe.

Ela amuou mas logo deu-me um abraço.

-Como vejo que vai ser difícil mudar o teu horrível gosto musical, vamos mudar de assunto.- Começou ela.- Como vai o Zero?

-Na mesma.- Forcei um sorriso- Se aquele rapaz quiser falar comigo, vai ter de ser ele a dar o primeiro passo. Estou cansada de me sentir um lenço de papel nas mãos dele: usa-se e coloca-se no lixo.

Ela olhou-me triste durante um curto espaço de tempo.

-Aquele rapaz sempre foi assim. Não te preocupes com isso.- recomendou-me.

Frequentava a academia à uma semana, porém Zero não me dirigira a palavra nem uma única vez. Sempre que me dirigia a ele, ignorava-me e desviava o olhar. Uma coisa é certa- arranjava sempre maneira de me deixar completamente de lado.

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Já passavam cinco minutos das vinte horas- primeira vez que não cumpria uma regra. Desejava arduamente que ninguém me visse. Na tentativa de me acalmar, repeti mil vezes (talvez até mil e uma) para mim própria “Ninguém vai-te ver”, “Ninguém vai-te ver”, sem efeito. Apenas faltavam dois corredores para chegar ao dormitório, iria sobreviver.

Aprecei-me.

Saído da escuridão, um grito ecoou pelo meu caminho. Um som desagradável, ríspido, quase cruel.

Tentei não pensar naquilo e continuar com a minha aventura. Esperava que o grito não tivesse chamado a atenção de ninguém, em especial a dos supervisores (uma espécie rara e quase extinta de guardas nocturnos da escola).

Outro grito imergiu. A emergência do som era evidente, a pessoa em questão deveria estar realmente em apuros.

Ignorar aquele chamamento de ajuda, faria de mim uma criminosa? Não propriamente, mas iria encher-me de uma culpa que nunca poderia ser apanhada. Deixei de pensar em mim própria por uns momentos. Segui a minha natureza, o meu caracter a minha intuição.

Assim, pensei em mim como a Mulher Maravilha e arrisquei. Corri até ao local donde os gritos pareciam vir- as escadas.

Pouco antes de acabar de descer o primeiro lanço, vi-o… um rapaz abraçado a uma rapariga, numa cena que poderia ser considerada normal de um casal enamorado, íntima, se não fosse o facto de a rapariga ter um líquido vermelho a saírem-lhe por dois poros bastantes abertos do pescoço. Sangue.

O rapaz tinha cabelo cinzento, um pouco despenteado, que fazia um contraste esbelto com o uniforme preto. Era demasiado parecido com Zero. Demasiado parecido mas não igual. Os olhos eram da mesma cor do sangue da rapariga, um vermelho asqueroso. Aquilo não era Zero. Aquilo era uma criatura sedenta encarnada no corpo do filho do director.

Uma criatura que podia fazer aquele género de coisa a qualquer um que se colocasse no seu caminho. Uma criatura que, mesmo vendo a rapariga indefesa, consegue atacá-la. Uma criatura que consegue arrecadar com a culpa (mesmo escondida naqueles olhos) por todas as pessoas que morreram e foram feridas (física e psicologicamente) por sua causa. Um vampiro.

Algo fresco escorreu-me pela face- uma lágrima. Estava aterrorizada.

Foi neste momento que o monstro percebeu a minha presença. Levantou-se, deixando a rapariga cair no chão duro e frio, e elevou uma mão (talvez para me confortar) mas vendo-me sem reacção, logo a baixou.

Os olhos perderam todo o vermelho anterior e voltaram ao cinzento habitual.

-Zero, como foste capaz?- perguntei-lhe, apontando para a rapariga.

Com o olhar, seguiu o meu braço e avistou a rapariga. A sua cara expressava espanto- como se não soubesse o que tinha feito.

Contemplei-o com uma expressão dura, desiludida e fria. Ele, num murmúrio, disse:

- Desculpa.- E com uma velocidade estonteante, desapareceu.

Caí sobre o meu próprio peso, estava cansada. Deixei-me ficar lá por um período de tempo, que a mim pareceu-me demasiado longo. Ergui-me e com algum esforço levei a rapariga à enfermaria.

“Que dia longo”, pensei.