Como podem imaginar, a minha mente tem sido alvo de inúmeros “ataques” desde aquela noite. “Como é que Zero é um vampiro?” Sei que ele não é o homem mais simpático, mas sempre o considerei como um rapaz responsável e sério. Nunca o consideraria um Drácula, uma personagem egoísta que vive para arruinar as vidas alheias.

Havia tantas perguntas que se formavam na minha cabeça, todas sem resposta. Uma delas devia-se ao facto da rapariga atacada não se lembrar de nada. Mais que estranho…era impossível (a menos que ela tenha alzheimer, o que é improvável).

Não conseguia esperar mais pelas respostas. O meu encéfalo estava prestes a explodir com tanta informação. Queria questionar Zero, ele que entre todas as pessoas, conseguiria explicar-me melhor o que se está a passar. Mas isto não é fácil, já que ele não se encontra na academia há três dias.

Sem qualquer outra opção, dirigi-me ao gabinete do director (como pai adoptivo, ele devia saber da situação, não?). Tinha um plano bem definido- iria fazer de conta que não sabia de nada, começava a falar da falta de memória da rapariga e ele (ingénuo para quem tem trinta anos) desvendaria alguns detalhes. Confesso que não era um plano perfeito, mas não consegui engendrar nada melhor do que isto.

Acreditem ou não, nem tive de abrir a porta.

– Tem a certeza que Ayame não representa um risco para nós?- perguntou um rapaz, coloquei o meu ouvido na porta.- Ela pode ligar os acontecimentos de há três dias com a regra do não contacto entre as turmas.

– Kaname-kun, se assim fosse eu teria permitido que lhe apagassem a memória, tal como fizeram à outra rapariga.- Respondeu o director.

Apagaram-lhe as memórias?

– Peço-lhe, Kaname Kuran, que volte para o dormitório e que acalme os seus subordinados.

–Assim o farei.

Ao ouvir alguém a levantar-se, escondi-me atrás de um pilar. Um homem alto, de cabelos castanhos-escuros imergiu do gabinete e dirigiu-se à saída do corredor. Decorei a cor branca do seu uniforme.


“A minha missão aqui está comprida”, pensei, “Agora só me resta perguntar à Yori quem é este Kaname da turma da noite”.

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Batiam as sete e meia da noite, quando saí do quarto. Yori não só explicou-me quem era Kaname como também, deu-me uma descrição detalhada de todos os outros pertencentes à turma. Encaminhei-me para o dormitório da turma da noite, mostrando uma quantidade de confiança que não tinha, no momento. O facto de as pessoas estarem a dirigir-se para os seus aposentos, não me deixava mais descansada. Porém, esta hora era a única que me permitia investigar sem interrupções.

Estava uma noite fresca, sem lua nem estrelas. Uma noite escura, demasiado escura.

Antes de bater à porta, lembrei-me do que Yori disse:

– Tem cuidado. Eles são tão encantadores que podem distrair-te.

Quem me abriu a porta, foi um loiro de olhos azuis, com ar de actor. Ela tinha razão- ele era sexy.

Para lhe decifrar o nome, tive que me lembrar das descrições minuciosas de Yori.

–Aidou-senpai, boa noite.- Cumprimentei.

–Boa noite…-hesitou.

–Ayame Miyamoto.

–Espera…dizes-te que o teu nome era Ayame?- o rapaz podia ser bonito, mas não parecia ser muito inteligente.

Forcei um sorriso.

–Sim. E gostava de falar com Kaname-senpai, se não houver problema.

Ele abriu-me totalmente a porta e incentivou-me a entrar.

–Por aqui.

Durante o caminho, vi e reconheci certos vultos que se escondiam na escuridão, mas, mesmo assim, consegui perceber que os seus olhos estavam repletos de fúria. Nem Ruka (Yori: “é a rapariga mais bonita da turma. Tem cabelos castanhos claros”) nem Kain-senpai (Yori: “Rapaz mais alto do dormitório da noite e tem cabelo loiro-arruivado”) se apresentaram, apenas desviaram-me o olhar.

Subitamente Aidou parou e bateu a uma porta.

– Kaname-senpai? Tem uma visita.

O homem do outro lado da porta suspirou e, sem pressas, abriu-nos a porta. Na sua cara, não distingui qualquer surpresa por me ver.

– Menina Miyamoto, faça favor de entrar.

Ao entrar, fiquei aturdida com o contrate de luminosidade entre os dois locais. Aquele local era ainda mais escuro que a noite de hoje. Com dificuldade, distingui uma estante recheada de livros e um sofá bem centrado no compartimento.

Depois de me acomodar, o silêncio era constante. Não sabia por onde começar.

– Suponho que o director se tenha enganado em relação a ti.- Incentivou ele.

–Kaien quantificou a minha inteligência dando apenas relevância aos meus exames escolares. Considero-me bem mais inteligente do que os meus resultados levam a acreditar.- sorri.- Como sabias que eu estava a ouvir?

– Pessoas como nós têm alguns sentidos mais apurados.

Aí estava a confirmação de que necessitava.

– Que mais têm vocês de extraordinário?- perguntei.

– Força e velocidades estonteantes. Além disso, alguns de nós têm habilidades especiais.- Replicou.

– Alguns?

– Deves perceber que até vampiros necessitam de ter um governante e um governado- uma hierarquia. Sem ela, era impossível haver qualquer tipo de responsabilidades e leis. Gostava que tomasses atenção e não te esquecesses da forma de uma pirâmide.

Assenti.

– A hierarquia dos vampiros é bastante semelhante à do antigo Egipto. No topo, há uma raça pura quase extinta, considerados os “deuses” dos vampiros- os que mandam. Esses são denominados “puro-sangue”. Cada puro-sangue tem um elemento ao seu dispor- água, ar, terra ou fogo.

– A seguir, vêm os nobres. Estes têm o dever de proteger os seus “deuses”, sendo treinados desde nascença para isso mesmo. Têm poderes especiais mais diversos que os puro-sangue. Além de poderem ter um elemento, podem ter ao seu dispor mais força física ou até poderes psicológicos como hipnose. Tu até conheces este último.

"Não, acho que não", pensei.

Ele voltou a suspirar.

– Se prestaste atenção à conversa entre mim e o director, sabes que este último foi utilizado na tua colega.

"Ah, isso", pensei.

– Imediatamente a baixo, vêm os vampiros chamados de “normais”, sem poderes especiais. A seguir, vêm vampiros “pré humanos”, ou seja que antes já foram humanos, também sem qualquer habilidade. Estes vampiros, se não controlarem a sede de sangue, transformam-se em monstros- denominados de “Nível E”. Estes vampiros são insaciáveis e incontroláveis, mas também uns verdadeiros estúpidos.

–Porque diz isso?- perguntei.

– Dado a sede que têm, fazem tudo para obter sangue. Assim, tornam-se demasiado distraídos e despistados, facilmente derrotados.

–Ser um vampiro Nível E é assim tão horrível?- voltei a perguntar.

–Eles são os únicos que não conseguem controlar a sede. Perdem a humanidade toda que tinham.

– Como é que um humano se transforma num …?

– O humano tem de morrer com sangue de um puro-sangue no organismo.

– Porque é que haveríamos de ter o vosso sangue no organismo?- ter sangue de outra pessoa no organismo é, pelo menos...nojento.

–Acredites ou não, há contrabando de sangue de vampiros. O nosso sangue cura todo o tipo de doença, mesmo as fatais.

Permaneci em silêncio.

–É por isso que temos de nos manter escondidos. Manterás esta conversa em segredo?

– Espera.- comecei- Então vocês são?

– A maior parte são nobres.

Pensei um pouco. A conversa dele com o director, a expressão “subordinados”…

– E tu és um puro-sangue.- afirmei.

Ele escondeu a surpresa com um sorriso.

– Exacto.

– E Zero?- cruzei os dedos e rezei para que a resposta não fosse o que eu mais temia.

Kaname suspirou.

– Ele é um pré-humano.

Raios! Esta porcaria de cruzar os dedos não resulta!

– Isso quer dizer que…- fui incapaz de terminar a pergunta, porém ele percebeu o que eu queria dizer.

– Sim.

Silêncio durante longos minutos.

– O que posso fazer para o ajudar?- perguntei, finalmente.

Ele olhou-me triste.

– Nada. A transformação em Nível E é como um comboio- não há nada que o pare.

“Raios me partam”, pensei.