Cenas Inéditas Feliko
Pinta-me
A família passava o dia à beira da piscina. Jayminho, empolgado com a máquina fotográfica que Félix o ensinou a usar, aproximou-se para fotografar os pais.
Niko não gostou muito.
— Não tira foto agora do seu pai meu filho, meu cabelo esta horrivel. – Niko pedia.
— Tira sim, Jayminho. Tira para que todos vejam o que a temosia faz. – Félix dizia em tom de brincadeira, como sempre.
O Carneirinho não se sentia à vontade.
Tudo começou na noite anterior, quando ele insistiu em pintar os cabelos mesmo sob os protestos de Félix.
— Não faça isso, criatura! Se quer mudar a cor vá até o salão, isso não vai dar certo!
— Félix, você faz a manicure e pedicure de todos nessa casa, porque eu nao posso pintar o cabelo?
— Carneirinho, eu cuido das minhas unhas ha anos! Desde adolescente eu queria ir no salão de beleza mas Papi não deixava. Ele não deixaria nem que viesse o apocalipse então eu aprendi a me cuidar. Mas cabelo... cabelo eu sempre cuidei no salão. Jamais pintaria, eu mesmo, em casa. Eu nem sei fazer isso, nem sei pintar.
— Eu posso te ensinar. Posso pintar o seu se você quiser
— Mas só se eu tivesse passado henna na mechas de Salomé pra deixar você píntar meu cabelo!
— Vamos dar um jeito nesses fios brancos aí...
— Mas de jeito nenhum! Espera, você não gosta dos meus fios brancos... é isso?
— Não Félix... eu gosto.
— Ah bom.
— Olha, tudo bem você não querer pintar o seu, mas eu quero printar o meu. E eu sei como, sempre cuidei do meu cabelo eu mesmo.
— Não faça isso Niko...
— Vou fazer sim, Félix...
— Vou ter que te chamar de novo de bicha bur...
— Félix!
— Tá, tá bom... quer pintar, pinta... vai, anda com isso então...se vai fazer faz logo, já é tarde. Amanhã cedo os meninos já chamam pra ir pra piscina... anda com isso que quero dormir... sinceramente... pintar cabelo... eu devo ter salgado...
— Félix... para de reclamar, pode ser? Deixa eu me concentrar aqui?
— Ui, ta bom... não falo mais nada.- Com a mão Félix fez o gesto de passar o zíper na boca - Vou ficar aqui calado. Posso pelo menos ver?
— Se quer olhar, olha. Mas não me distrai.
E Félix desistiu de tentar convencer Niko a não pintar o cabelo em casa. Desistiu também de ficar implicando. Ficou mesmo quieto e só observando enquanto o Carneirinho tirou a camisa, colocou luvas descartáveis, prepararou a tintura de cabelo e começou a aplicá-la. Félix ficou ali parado, encostado na bancada da pia espiando todo o processo. Niko notou o olhar do companheiro pelo espelho, mas tentou não se distrair, pelo menos até terminar. Quando o fez, tirou as luvas plásticas e virou-se para Félix.
— Aprendeu?
— Nem prestei atenção.
— Estava aí esse tempo todo então fazendo o que?
— Esperando você acabar, ué.... já acabou?
— Acabei. Quer dizer, agora preciso deixar um tempo, depois entro no banho, enxáguo e pronto.
— Quanto tempo?
— Uns trinta minutos... um pouco mais... no mínimo vinte.
— Não é melhor ler na embalagem para ter certeza?
— Estou acostumado Félix.
— Vai marcar o tempo onde, no celular?
— Não precisa ser um tempo exato. Trinta minutos em média está ótimo.
— Se você diz...
— Tenho tudo sob controle.
— Bom, já que é assim, tenho tempo.
— Tempo pra que?
— Pra te fazer uma pergunta, posso?
— Claro!
— Você pinta como eu pinto?
— Como você pinta? Como assim... você falou que não sabe pintar...
— Presta atenção, criatura cacheada e loira! Sim, porque mesmo que você pinte o cabelo, você é loiro, é uma condição sua, não há o que fazer...
— Para Félix... - Niko se fingia aborrecido mas no fundo ria - Que coisa...
— Tá. Tá bom! É brincadeirinha! Mas voltando ao assunto, vou falar bem devagar para você entender. – Félix prosseguiu com um sorriso malicioso – Eu perguntei... se você pinta... com... o... meu pinto!
Niko entendeu a brincadeira, sorriu e nem se espantou quando Félix começou, com rapidez, a jogar pincel e recipiente de tinta dentro da pia, luvas e embalagens vazias no chão, afastou escovas de dente, perfumes e produtos de higiene para o canto de maneira a liberar espaço na bancada. Ele já vinha notando o olhar de Félix pelo espelho enquanto aplicava a tinta no cabelo e rapídamente ajoelhou-se.
— Eu pinto, Félix. Pinto com seu pinto, sim...
— Usa meu pincel Niko... usa e abusa...
E depois de um tempo Niko sentou-se na bancada da pia, Félix o ajudou dizendo:
— Quero seu pincel também, Carneirinho...
— Vou te pintar todo com ele, Félix...
E depois de mais um tempo Niko enlaçou Félix com as pernas e eles continuaram transando ali mesmo, derrubando mais coisas no chão enquanto o Carneirinho tinha os cabelos cheios de tinta. E depois de um bom tempo, quando terminaram, ele se olhou no espelho e finalmente se deu conta de que não marcou o tempo em lugar nenhum. Calculou mais ou menos que a tinta já podia ser enxaguada, nem comentou com Félix que achava que podia ter passado da hora... puxou o companheiro para dentro do chuveiro e tomaram banho juntos. Dali foram para a cama e adormeceram.
Pela manhã, quando acordaram com a luz do sol invadindo o quarto, Félix notou que o cabelo do Carneirinho estava mais escuro e bem, bem mais enrolado que o habitual. Parecia ressecado e crespo. Félix não disse nada, embora tenha tido vontade de rir. Esperou Niko se olhar no espelho do banheiro e passar a mão no cabelo se assustando.
— Minha Virgem! Olha isso!
Félix não se conteve e riu com vontade. Niko estava apavorado
— A tinta deve ter ficado tempo demais. Vou fazer uma hidratação... quem sabe um banho de óleo...
Félix ria enquanto escovava os dentes.
— Para de rir, Félix e me ajuda! A culpa é sua também
— Minha culpa? Sinceramente...
— Sua sim, que veio com aquela história de pintar com o pinto...
— Você que devia ter marcado a hora, disse que tinha tudo sob controle...
— E eu tinha! Até você me distrair... agora vê se me ajuda! Depois da hidratação vou fazer uma escova, puxar esse cachos...
— Pelas contas do Rosário, Carneirinho. Não temos tempo pra isso.
Félix vestia a sunga de banho e pegava um roupão. Niko ainda estava atônito, se olhando no espelho.
— Como não temos tempo?
— Se esqueceu que dia é hoje? – Bastou Félix dizer isso e logo Jayminho batia na porta do quarto chamando pelos pais. - Olha o Jayminho aí. Já, já chega a criançada. Prometemos ficar o dia na piscina com ele, é a primeira vez que os coleguinhas da escola vem aqui.
Niko então se deu conta que não teria tempo para hidratar nem puxar e muito menos pintar de outra cor os cachos. Pelo menos até de noite. Se vestiu e foi, resignado, cuidar dos assuntos domésticos.
E mais tarde lá estavam eles na piscina. Enquanto Jayminho exibia orgulhoso seu talento para tirar fotos, Niko pedia que não fosse fotografado naquele dia.
— Jayminho, amanhã você tira foto minha, tá? Hoje tira só do seu papi, ele adora aparecer.
Félix brincava o tempo todo
— Tira sim, Jayminho. tira pra que todos vejam o que a temosia faz .
— Para Félix, nao sou teimoso.
— É sim. Falei para ler a embalagem, falei para marcar a hora no celular... Se bem que eu nem devia te chamar de teimoso, mas sim de homossexual de baixo QI, o politicamente correto para bicha bur...
— Para Félix! Só porque me distraí com a tinta?
— Se distraiu e ficou com essa juba crespa, que nem escova vai dar jeito. Tua sorte é que eu te amo mesmo que voce fosse careca..
— Ah, Félix...
Enquanto Niko o olhava como bobo, Félix disse ao filho:
— Vai craturinha, tira logo essa foto.
Eles se abraçaram e Jayminho finalmente fotografou os pais. O menino, já acostumado com o jeito deles de brincar brigando, ou brigar de brincadeira, assistia a tudo rindo. Mas não entendeu muito bem do que Niko reclamava.
— Pai, você está chateado por causa do cabelo?
— É meu filhote, culpa do seu papi, que me distraiu e...
— Mas seu cabelo está tão bonito!
— Você acha, filho?
— Tá mais parecido com o meu.
Niko então percebeu que fazia uma tempestande em um copo d'água. E Félix se deu conta que não tinha mais como implicar com Niko, pelo menos não por causa do cabelo. O menino voltou para junto dos coleguinhas e os dois companheiros ficaram ali na beira da piscina abraçados.
— Carneirinho, a culpa foi mesmo minha. Eu vi você lidando com o pincel... me deu uma coisa... não resisti.
— É, né? Pois é, eu sei pintar mesmo! Aplico bem a tinta...
— Niko...
— Hein?
— Estou falando do outro pincel... o maior...
— Félix... olha as crianças aí!
— Não estou falando nada impróprio, estou falando de cabelos!
— Sei, só se eu não te conhecesse muito bem...
— É serio! Olha, mais tarde eu te ajudo, tá? Te ajudo na hidrataçao, ajudo a alisar, dar uma massagem, puxar...
— Você está mesmo falando de cabelo? Não de outra coisa?
— Estou falando dos cachos...
— Tá bom.
— Dos cachos de baixo, né Carneirnho? - Félix riu alto. - Você cai em todas!
E assim seguia mais um dia normal na casa de praia da familia Corona Khoury. Pelo menos Niko não estava mais chateado com o cabelo. Deixou assim por algum tempo até Félix dizer que queria seu Carneirinho de cachinhos loiros e escovados de volta.
—-- fim de cena ---
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