Niko chegou na mansão dos Khoury na hora combinada com Félix, mas este não estava em casa. Quem estava, bem na sala, era Eron conversando com Doutor César.

Dona Bernarda logo percebeu que o Carneirinho não estava nada à vontade e se sentia deslocado, então o convidou para ir até o lado de fora.

— Niko, por um acaso eu já te mostrei as plantas que eu mesma cuido no jardim dessa casa? Vem meu filho, vem ver.

Ela o tomou pelo braço e o levou para um passeio. A mais velha da família sabia que era melhor manter Niko afastado de César, enquanto seu neto não chegava em casa.

Na noite anterior, Félix dormiu na mansão, o que não era mais tão comum, já que passava maior parte do tempo na casa de Niko. Mas naquele dia Cesar não se sentiu bem à noite e Félix dormiu lá. Ele havia saído cedo para cuidar dos problemas do pai. Vez ou outra, ele ia até a Polícia Federal pressionar os investigadores que tentavam rastrear e recuperar parte da fortuna roubada por Aline. Além disso, o julgamento dela se aproximava e Félix fazia questão de acompanhar tudo de perto.

Niko estava preocupado.

— A senhora sabe do Félix? Depois que me mandou uma mensagem, dizendo que estava voltando pra casa, ele não atende mais o celular. Ele já devia estar aqui.

— Ele ligou há alguns minutos, disse que estava preso no trânsito e quase sem bateria.... e sem carregador. Estava aflito porque o pai o espera, junto com o advogado, e você ia chegar. Ele me pediu para cuidar de você. – Bernarda disse seguido de uma piscadela.

Niko desejava que o companheiro chegasse logo mas sorriu, se sentia bem na companhia de Dona Bernarda. Entre roseiras, bromélias e samambaias os dois conversaram por alguns minutos. Até que uma pessoa se aproximou deles. Era Eron.

— Niko, será que eu podia falar com você, em particular? É coisa rápida.

Niko e dona Bernarda se entreolharam. Eron continuou falando:

— O Félix está demorando muito, então, com a ajuda da Pilar, Doutor César já assinou tudo que precisava. Eu já terminei aqui e preciso voltar pro hospital. Só que antes eu queria dar uma palavrinha com você.

O Carneirinho, que tem sérios problemas em dizer não, aceitou conversar com o ex-companheiro.

— Tá... tá bom. Vamos sentar ali, naquele banco?

Dona Bernarda notou que Niko não estava confortável com a situação mas, como ele disse sim para a conversa, ela pediu licença.

— Eu vou cuidar das minhas roseiras. Estarei logo ali, Niko. E o senhor, Doutor Eron, tenha uma boa tarde. Passar bem.

Os dois sentaram no banco próximo à fonte de água e Bernarda se afastou, mas não deixou o jardim. Ficou de onde podia ver o banco, mas também os carros que chegavam.

Não demorou muito e o carro de Félix entrou pelo portão e ela caminhou até o neto. Félix desceu do carro com pressa, bateu a porta e caminhou na direção da entrada da casa quase correndo, esbaforido, ofegante.

—Vovotrix! – Gritou, como de hábito. – Niko já chegou? Aposto que sim. Cadê ele? E papi, está com a lacra... o doutor Eron? Onde, na sala? No escritório?

— Calma, Félix! Assim você vai ter um troço!

— Ai, vovó, corri o mais que pude. Imagina Niko sozinho, encontrando Papi pela frente, e ainda mais com aquela criatura da boca mole aqui em casa...

— Calma, está tudo bem! Niko está no jardim e seu pai está na sala.

Félix foi em direção ao jardim mas deteve-se, virou-se e começou a caminhar na direção da entrada da casa. Deteve-se de novo. Virou para um lado, deu dois passos, voltou, caminhou para o outro mas parou. Colocou as mãos na cintura.

— Pelas contas do Rosário! Não sei pra onde ir primeiro.

Bernarda riu.

— Félix... seu pai já resolveu tudo com o advogado, sua mãe ajudou. Eu, se fosse você, ia logo até o jardim.

Bernarda indicou a direção do jardim com a cabeça e arregalou os olhos, sinalizando que algo importante pudesse estar acontecendo lá.

Félix franziu a testa. Não entendeu o que a avó quis dizer. Ela prosseguiu:

— Você sabe, jardins tem muitas plantas verdinhas e flores bonitas... as lacraias adoram!

Bernanda riu, mas Félix sobresaltou-se e correu para lá. Logo que avistou o banco próximo à fonte, viu seu companheiro sentado ao lado do ex-companheiro. E este, de nome Eron, segurava a mão do Carneirinho, mesmo que Niko não estivesse muito confortável com aquela situação.

O que Félix viu o deixou bastante furioso. Ele começou a caminhar até lá lentamente, na esperança de que não fosse visto e conseguisse escutar sobre o que falavam. Mas Eron logo percebeu a aproximação dele, soltou a mão de Niko e levantou-se.

— Félix!

— Ora, ora... doutor Eron! Respirando ar fresco? Não devia estar lá dentro com meu pai?

— Eu estava dando uma palavrinha com o Niko mas já vou. Já resolvi tudo que vim fazer aqui. Sua mãe ajudou e...

Félix cerrou os olhos, desconfiado. Respirou fundo e antes que conseguisse dizer qualquer coisa, Eron tomou o rumo a caminho de onde estacionavam os carros.

— ... e eu preciso ir, estou atrasadíssimo!

— Espera aí, criatura, eu não terminei de falar, aliás nem comecei...

— Eu tenho pressa, Félix, boa tarde – Eron apressou o passo, de longe acenou para Niko. – Tchau Niko. – E praticamente correu até seu carro.

Félix virou-se lentamente na direção de Niko e sentou-se ao lado dele no banco.

— Posso saber o que estava acontecendo aqui?

— O Eron quis conversar comigo e...

— E você sentou aqui ... nesse lugar agradável... no banco juntinho com ele... como dois pombinhos.

— Félix?!

— Estavam relembrando o passado?

— Do que você está falando?

— Ou fazendo planos para o futuro?

— Que futuro? Do futuro dele com o namorado ou do meu futuro com você?

— Niko, eu fiz uma pergunta objetiva. O que você e aquela lacraia faziam sentados, sozinhos, aqui no jardim? - Félix parecia de verdade aborrecido.

— Pra seu governo, ele estava me falando do André! Você viu os dois juntos na confirmação de Bodas da Paloma, não viu?

— E por isso pegou na sua mão, para falar do outro? Aquela lacraia é mesmo cheia de truques, a mim não engana. O pior é que você deixou. Você deixou ele pegar...

— Para Félix! Eu não sentei aqui com ele porque quis, eu apenas estava sendo gentil em escutá-lo e ele estava também sendo gentil comigo. Não fui eu quem o chamou, mas... mas vivemos anos juntos então...

— Você falou pra ele que vai viver comigo agora? Que você vai embora de São Paulo comigo? Melhor nem falar, ele vai dizer que estou me aproveitando de você...

— Que isso Félix... na verdade, foi seu pai que falou pra ele...

— Meu pai? Meu pai falou o que pra ele?

— Seu pai disse a ele que vamos todos pra casa de praia, e ele falou que se preocupa comigo, com a maneira que seu pai vai me tratar... por isso pegava na minha mão... ele estava sendo carinhoso, e isso mexeu comigo, mas não como você pensa...

— Mexeu com você?! Sinceramente... Niko, eu não vou perguntar se seu coração é uma montanha russa porque ele está mais para trem fantasma!

— Como é?

— É sim, um trem fantasma, com uma lacraia assustadora vivendo dentro dele.

— Félix...

— Tem uma lacraia no seu coração e não há o que fazer!

Niko achou graça, pois não havia outra opção. Ele percebeu o quanto Félix ficou atordoado ao vê-lo com seu ex-companheiro e todo aquele comportamento era devido a ciúmes.

— Disse que eu estou adotando os meninos? Disse? Ele estava te falando dos meus crimes e que não serei um bom pai?

— Félix!? Não...

Félix continuava falando como uma metralhadora. Quem diria que Félix Khoury não seria capaz de raciocinar, mas sim de falar o que viesse na cabeça movido apenas por emoção.

— Ele te deu uma cantada, pediu pra voltar? Quem aquela criatura pensa que é pra vir aqui na casa da minha mãe e se engraçar com você? Ele tentou te enrolar, aposto! Te fez promessas, te falou que pode te fazer feliz muito mais do que eu posso, não foi?

Enquanto Niko apenas o olhava, ora assustado, ora achando graça, Félix continuava o discurso inflamado, falava, e falava, tão rápido que quase perdia o fôlego. Agitava os braços, rodava as mãos, apontava dedos...

— Aquela lacraia da boca mole! Aposto que ele disse que sente saudades da familia que não teve, e agora decidiu que quer ter mais uns dez filhos com você, foi isso? Quer voltar a brincar de casinha!? Quer te levar com ele! Olha aqui, Niko, eu até poderia dizer que se você quiser ir, vai. Mas não! Não vou dizer, não. Você não vai! Aliás você vai sim, mas vai é comigo! Vai morar na praia comigo. Você é meu. Ninguém vai tirar você de mim, ninguém vai nos separar . Eu não vou deixar... eu...

Niko não esperou que Félix parasse de falar, simplesmente voou para cima dele o abraçando pela cintura, apertando o mais forte que podia e aninhando o rosto no peito dele.

— Ai, amor...

Félix foi pego de surpresa pelo gesto repentino. Ainda tentou articular mais algumas palavras mas não conseguiu, apenas foi se acalmando, recebendo o abraço apertado do companheiro.

Niko, que a princípio ficou assustado com Félix e depois achou graça, agora estava emocionado.

— Que lindo!

— O que... é... como assim, lindo...Carneirinho... eu...

— Adoro você morrendo de ciúmes.

— Niko... não... não é ciúmes... é zelo... é...

— Meu menininho ciumento!

Niko continuava agarrado em Félix, que começou a raciocinar e percebeu que havia praticamente surtado... e sim, surtado de ciúmes. Félix o abraçou de volta e começou a relaxar.

— Não é ciúmes... é cuidado. Estou cuidando do que é... enfim... cuidando do que é... do que é meu. Pronto falei.

— Cuida sim, amor. Cuida do que é seu.

Finalmente Félix sorriu. E riu dele mesmo. A cada dia que passava, não eram as outras pessoas as únicas que se surpreendiam com o comportamento dele, mas também ele se surpreendia com ele mesmo, com sentimentos que ele jamais imaginou que teria.

— Você é meu, não é, Carneirinho?

— Nós somos um do outro, Félix.

Félix partiu o abraço, olhou bem nos olhos do loirinho de cabelos cacheados que ele tanto ama e desculpou-se.

Como se precisasse, pois Niko estava adorando.

— Me desculpa?

— Desculpar do que?

— Eu pirei, eu sei lá, eu surtei. Eu vi vocês dois aqui sentados, ele pegando na sua mão... me deu uma coisa, eu nem sei explicar...

Niko apenas o olhava sorrindo. Félix abaixou a cabeça, e admitiu.

— Tá bom, eu sei o que me deu... foi ciúmes sim. Confesso.

— Nossa, eu preciso encontrar mais vezes com o Eron pra ver isso de novo, Félix... gostei! Gostei muito!

— Que encontrar com o Eron o que... nem fala uma coisa dessas...

— Félix...

Félix sempre foi possessivo e ciumento. Não seria diferente com o Carneirinho. Só que agora, os motivos eram outros. E Niko era ciumento também, então eles se entendiam.

Os dois começaram a rir.

E Bernarda assistia tudo de longe.

— Esse meu neto...

...

Fim da cena

...