Cenas Inéditas Feliko

Carneirinho ao ponto


Félix já tinha planos. Esses planos incluíam seu Papi Soberano, Niko, os meninos e uma casa na praia.

Antes, porém, de conversar com Niko à respeito e antes mesmo de apresentá-lo à casa de Angra, Félix decidiu que precisava conhecer mais sobre as finanças do restaurante.

Então um dia, ele deixou a casa de Niko, onde havia dormido, pela manhã bem cedo. Foi até a mansão de Mamy Poderosa, verificar se seu pai precisava de alguma coisa. Logo que ficou livre, se arrumou como quando trabalhava de diretor do San Magno. Colocou terno, gravata, pegou sua pasta com o laptop e rumou para o restaurante japonês do Carneirinho.

Niko abriu um sorriso quando o viu chegar, não o esperava ali aquela hora, logo depois do almoço, pois não haviam combinado nada. Félix fez sinal para que os dois se encontrassem no pequeno escritório. Eles entraram, Niko fechou a porta e foi surpreendido pela melhor notícia dos últimos tempos.

– Chegou o novo administrador deste estabelecimento!

– Félix?!

– Anda, Niko. Me mostra onde fica a papelada. Quero ver números. Quero saber de tudo. Quero demonstrativos contábeis, livro com entradas e saídas, sei lá... o que você tiver aí. Quem é seu contador? Preciso falar com ele. E espero que você confie mesmo em mim porque preciso ver extratos bancários, se possível me deixa entrar na conta da empresa pela internet que já vejo tudo lá e descubro bastante coisa.

– Mas isso significa... significa que você aceita ser meu gerente?

– Carneirinho, vamos dizer que, se você quiser, eu aceito administrar e fazer uma análise financeira do seu restaurante. Você disse que poderia abrir uma filial, não disse? Então, quero ter certeza disso. E quero ver de que porte poderia ser essa filial. Eu te falo depois porque vou fazer isso, pode ser? Você confia em mim?

Por um tempo Niko ficou mudo. Aquilo parecia ser o princípio de algo que ele esperava muito que fosse acontecer. Ele não sabia exatamente o que Félix tinha em mente, mas uma coisa era certa: eles iam ficar mais próximos. Félix não estava fazendo isso à toa e, quem sabe, ao jeito dele, aquela era a maneira que ele encontrou de dizer que aceitava entrar para a família que já contava com dois meninos. Pelo menos, para a empresa ele já estava entrando.

Niko se virou para a mesinha onde havia um computador, clicou na tela e entrou no website do banco e disse com um sorriso:

– Claro que confio em você, Félix.

Enquanto a tela carregava, Niko escreveu todos os números necessários, bem como todas as senhas, em um pedaço de papel.

Félix sentou-se na mesa animado. Niko retirou de gavetas e prateleiras tudo que Félix pediu e colocou sobre a mesa.

– Nós não conversamos direito ainda, precisamos combinar o seu salário.

– Carneirinho, vem cá.

Félix o puxou em sua direção, de maneira que Niko caiu sentado em seu colo, e o beijou.

– Esse beijo já pagou pela análise financeira.

– Seu bobo, eu falo sério! Você tem que receber um pagamento pelo seu trabalho!

– Niko, eu nunca falei tão sério em toda minha vida.

– Félix...

– É verdade. Confia em mim. Depois eu te explico.

– Não dá pra explicar agora só um pouquinho?

– Vai, Niko... vai trabalhar e me deixa aqui, criatura!

– Nós vamos conversar melhor sobre isso depois, hein!

– Depois.

Niko se virava para sair do escritório quando Félix o chamou de volta.

– Carneirinho, pela análise financeira toda você já pagou com seus beijos. Mas pelo trabalho de administrador, sempre que eu estiver por aqui... eu aceito se você trouxer, de vez em quando, umas duplinhas de ovas de salmão... um camarão... dois camarões...

Niko riu enquanto Félix continuou:

– E vai separando uma mesa porque quero um jantar especial hoje também.

– Tá bom, Félix. - Niko ia abrir a porta mas parou porque Félix tinha outro pedido:

– E quero você sentado jantando comigo.

– Pode deixar, doutor Félix. - Mais uma vez Niko se deteve ao sair porque Félix falou mais uma coisa:

– Capricha porque é meu pagamento!

Niko apenas riu, parado que nem bobo olhando pro namorado.

– Carneirinho, vai ficar parado aí? Me admirando enquanto eu trabalho? Pois como administrador eu exijo que o chef retorne ao trabalho já!

Niko continuava rindo enquanto abriu a porta e saiu. Ele estava extremamente feliz. Ia ter Félix ali, por alguns dias analisando todos aqueles números, e depois sabe-se lá o que ele estaria planejando. Niko sentia que era algo muito bom.

Já era bem tarde quando Félix decidiu encerrar o trabalho dentro do escritório e os dois sentaram para jantar, conversando ainda sobre a empresa. À uma certa altura, Niko mudou de assunto.

– Félix, tá tudo bem?

– Tudo ótimo, Carneirinho.

– Estou estranhando uma coisa...

– É? O que foi?

– Sei lá. Desde o café da manhã hoje.

– O que, me fala.

– Você está diferente.

– É algo na minha pele? O que foi, uma espinha?

– Não Félix... nada disso...

– Alguma coisa no meu cabelo? Me fala, criatura!

– Para Félix! Sua pele é ótima. Seu cabelo então...

– O que foi, é no meu corpo? Estou engordando, é isso. Você acha que estou ficando com pneuzinho! Pode falar, seja sincero.

– Félix! Para bobo.

– Niko, não me assusta! O que foi, me fala, me fala que eu conserto. Sei que não é no... enfim... aquilo lá não tem defeitos, falemos a verdade.

– Não é nada disso! Nada no seu corpo, nem na sua aparência. Mesmo se fosse algo desse tipo, não faria nenhuma diferença pra mim. Para, Félix.

– Mas você disse que estou diferente, que desde o café da manhã que você notou...

– Notei sim, mas não é nada disso.

– O que é, Carneirinho?

– Eu comi geleia, de manhã, não comi?

– Comeu... até demais...

– Comi torradas com manteiga também.

– Nem me fale... não sei como você consegue comer aquilo tudo... mas enfim...

– Pois é, e agora estou tomando cerveja.

– Bom, eu prefiro vinho. Mas você quis cerveja, fazer o que.

– E da porção de camarão empanado você só comeu dois e me deu todos os outros.

– Dei ué, eu sei que você gosta. Sei que nem faz parte do menu mas você faz porque gosta.

– Pois é, Félix. Isso não é estranho?

– O que é estranho? Pelas contas do Rosário, criaturinha! Você tá dando mais voltas que aquelas rodinhas de gaiola onde andam ratinhos de estimação! Fala logo!

– Félix.. é simples. Você não reclamou! Você não reclamou da geléia, nem da manteiga de manhã. Agora não falou nada da cerveja, e ainda me deu os camarões quase todos. Venhamos e convenhamos, isso é muito estranho! Você não falou mais do meu peso, nem reclamou do que eu comi.

– Carneirinho... olha... - Félix ria. - Me diz uma coisinha, você está sentindo falta das minhas reclamações?

– Não.. é que...

– Está com saudades de quando eu te chamei de Orca e disse que você ia virar uma bola?

– Claro que não... Félix...

Félix ficou em silencio, só rindo. Niko olhava para ele, com cara de quem ainda não tinha entendido nada.

– Niko, escuta uma coisa. Eu gosto de você como você é. Não importa... se você é mais cheinho ou menos fofinho. Se te faz feliz comer geléia... coma sua geleia, tá? Se você gosta tanto dos camarões empanados, coma seus camarões. Só não quero que você fique doente, mas eu sei que você se cuida. Mas quanto à sua forma fisica... a verdade é que eu nem quero que você emagreça.

Niko sorriu. Aquele dia estava mesmo cheio de surpresas

– Jura, Félix?

– Juro. Pra mim você está gostoso. - Félix falou baixo junto ao ouvido do Carneirinho: - Tão gostoso que minha vontade é te comer aqui, agora mesmo. Mas fazer o que... eu espero até mais tarde.

Niko ficou vermelho, tomou um gole da cerveja do copo à sua frente.

– Félix... você falando assim... me dá até vontade de ir lá pro escritorio e...

– Humm, vamos? Vamos Niko, vamos que eu prefiro comer carne de carneiro do que sushi.

– Mas e os camarões...

– Niko e dai, depois Edgar prepara outros.

– A cerveja vai esquentar...

– Sinceramente, criatura, voce é o dono desse restaurante, depois voce abre outra cerveja! Eu como administrador declaro que uma cerveja à mais ou à menos nesse jantar não vai interferir nas contas!

– Mas e toda essa comida, vai ficar na mesa?

– Olha aqui, Niko, eu disse que não quero que voce pare de comer, pode comer sua geleia que nao implico mais... mas eu devo ter tocado mesmo corneta no Sermão da Montanha pra você dar a ideia de ir pro escritorio e agora desistir porque acha que a comida é mais importante!

– Félix, fala baixo, os clientes estão olhando!

– Que clientes, Niko? Já está quase na hora de fechar. Vamos, vamos logo lá no escritorio que agora não dá pra esperar. Era só o que faltava voce me trocar por uma cerveja e uns camaroes...

– Você que acabou de dizer que nao se importa mais com o que eu como!

Eles levantaram da mesa. Niko comunicou à Edgar que eles iriam voltar ao escritório, por alguns minutos, para verificar alguma coisa nos papéis nos quais Félix estava trabalhando e caminharam até lá.

Félix segurou o Carneirinho pelo braço e disse em seu ouvido:

– Não me importo mais com o que você come, contanto que você não deixe de comer outra coisa...

– Félix! Olha o Edgar!

– Ele nao ouviu nada... anda Niko entra ai!

– Seu mandão!

Eles entraram no escritorio, trancaram a porta e a "refeição" foi servida. Antes de voltar para a mesa Félix comentou:

– Niko, antigamente quando éramos apenas amigos, e eu comia aqui no restaurante, eu não fazia ideia que o melhor prato era servido na mesa do escritório.

– Pois é, seu bobo. Podia ter descoberto antes. O polvo à moda da casa estava guardado para um cliente especial.

– Claro que o cliente especial sou eu. Mas olha, não vem com essa de polvo não. Porque, Niko... você tá mais pra uma lagosta!

– Félix não provoca.

Ambos riam.

– Minha lagostinha favorita. Alias, meu lagostão!

– Olha, lá vem você de novo implicar com meu tamanho!?

– Vou implicar sim, e de verdade, se um dia você ficar magro demais ou gordo demais. Você está no ponto. Carneiro ao ponto, meu prato predileto.

– Félix...

– Abre, abre essa porta porque quero voltar pra mesa e terminar o jantar.

Os dois voltaram pra mesa rindo, pediram que Edgar trouxesse mais camarões e Félix decidiu acompanhar Niko na cerveja.

– Adorei o dia aqui hoje, Félix!

– Se prepara porque amanhã tem mais. Agora que sou o administrador, vou colocar ordem nesse estabelecimento.

– Adoooro

– Falando igual a mim, Niko?:

– Não pode? Vou ter que pagar pelo uso das suas frases?

– Era o que me faltava você me imitando agora.

– Pois eu devo ter salgado a Santa Ceia pra não poder falar igual você.

– Carneirnho, o que é isso?

– É o apocalipse, meu bem.

Os dois não se aguentavam de tanto rir, ainda bem que o restaurante já estava fechando.

–-Fim da cena --