Aquela situação era complicada. Meu corpo estava quente mas minha pele gelada. Me senti dividida, como se minha próxima ação definiria meu rumo a seguir.

Tentei ficar calma, apesar de ser quase impossível. Cutuquei Castiel para que me soltasse, ele se distanciou um pouco e me encarou. Desviei o olhar e foquei no azulejo. A água escorria pelos nossos rostos. Eu ainda sentia minhas bochechas quentes. O silêncio, que pensei que seria eterno, foi interrompido por Lysandre batendo na porta.

—Castiel? Está tudo bem?

Ele não respondeu. Voltei a olhá-lo em protesto. De repente ele segurou meu rosto com as mãos e avançou chocando nossos lábios. Surpresa tentei recuar. Não foi uma escolha muito boa. Bati na parede de azulejo atrás de mim provocando barulho. Lysandre entrou no banheiro às pressas presenciando aquela constrangedora cena. Tentei empurrar Castiel, que segurou meus braços e os prendeu na parede. Lysandre agiu, o separando de mim.

—Castiel... Saia daqui e vá se vestir.

—Já cansei de você mandando em mim desse jeito! —Rebateu irritado.

—Por favor, não piore as coisas. Essa atitude é assustadora.

Minha cabeça estava cozinhando meu cérebro.

—Assustadora? Foi só um beijo!

—Olhe seu estado. Está apenas de toalha! Respeito seria pedir demais?! —Me defendeu Lysandre.

—Ah, vai dizer que ela não gostou. Tem cara de santinha mas quando teve chance de sair, preferiu ficar. —Olhou pra mim e deu um sorrisinho malicioso. Me impulsionei para revidar, mas antes que eu pudesse falar alguma coisa Lysandre "explodiu".

—Já chega!Castiel saia daqui agora! —Bradou apontando para a porta.

O ruivo, surpreso, resmungou e saiu do banheiro.

Eu também estava surpresa. Nunca tinha visto Lys elevar a voz antes.

—Você está bem? —Perguntou.

—S-sim...—Era mentira.

Acabei de beijar o Castiel. Meu coração estava acelerado, estava envergonhada, com frio e molhada... Estava estranha, tonta, enjoada e desconfortável.

Minha visão ficou embaçada e tudo em volta começou a girar. A última coisa que me lembro foi o rosto de Lysandre vindo até mim.

***

Tive um sonho: estava no meu quarto da casa dos meus pais biológicos. Minha aparência era a atual, 17 anos. O lugar é menor do que lembrava. Abri a porta e esperava ver o corredor que dava para a escada, mas o que vi foi um longo corredor com vários quadros nas paredes simetricamente postos ao lado de luminárias. Caminhei notando que os quadros eram retratos dos meus pais de sangue e meus. Sorri ao imaginar uma vida com eles ainda vivos.

O corredor não tinha fim. Continuei andando até que vi, com o canto do olho, algo se mexer. Virei rapidamente mas não notei nada fora do comum. Dei passos mais acelerados. A sensação de que havia algo ali só aumentava mas eu ainda não encontrava nada. Parei e me virei pra trás, de onde eu tinha vindo, e o corredor era tão longo que, onde devia estar a porta do meu quarto, agora era apenas escuridão.

Voltei à andar, mas de costas. A princípio nada aconteceu. Senti algo passar por mim, me virei e não vi nada. Quando estava para repetir o processo, na minha frente tinha uma garotinha. Usava um vestidinho branco até o joelho e estava de cabeça baixa, segurando um ursinho de pelúcia marrom. Eu queria sair correndo. Uma criancinha daquele jeito, naquele lugar era clássico de filme de terror. Mesmo assim puxei coragem me baseando que era tudo um sonho.

—Oi, qual seu nome? Está perdida? —Torci pra menina responder como uma pessoa normal, ficar calada só deixava as coisas ainda mais bizarras.

A menina falou alguma coisa, mas eu não consegui escutar.

—O quê? Desculpe, não entendi. —Cheguei mais perto.

Meu grande erro.

A garota me surpreendeu soltando um grito agudo que me fez cair no chão.

O som ecoava por todo o corredor, o que tornava ainda mais insuportável. Pressionei as orelhas com as mãos, falhando em amenizar o barulho.

—P-para!

A olhei, sua cabeça estava erguida, pude ver seu rosto. Era eu! Uma versão idêntica de mim bem mais nova.

Fiquei em choque por alguns segundos, até que a garota parou de gritar, deixando um zumbido tomar conta do lugar. Começou a se contorcer para trás. Ouvi seus ossos estalando, me agonizando e me deixando aterrorizada. Traumatizada.

Depois de estar totalmente contorcida, ela se virou para mim. Os braços moles e caídos, segurando a pata do ursinho. As pernas quase retas, da cintura pra cima estava virada e seus cabelos jogados pelo chão, no qual sua cabeça quase encostava. Me encarou e paralisei de medo. Ela abriu um sorriso psicótico. Sua boca tinha aumentado, pois suas bochechas pareciam querer saltar do rosto, e seus olhos lutavam para permanecerem abertos.

Imagina essa expressão, de cabeça pra baixo e tendo a sua fisionomia.

Pra piorar ela soltou uma risadinha macabra me arrepiando. Começou a vir até mim. Foi mais que um incentivo. Me levantei e disparei na direção contrária. De lances, olhava pra trás e vi a garota correr de uma maneira desengonçada que me assustava ainda mais. Mantinha o ritmo e estava me alcançando, com a risada demoníaca ficando mais alta.

Corri desesperadamente até que vi, no final do corredor, se formar uma porta. Mesmo acelerando senti como se a menina estivesse quase me tocando. Paguei a maçaneta e com toda força abri.

***

Acordei num pulo. Uma carga de adrenalina parecia percorrer meu corpo todo. Estava deitada no chão do banheiro com a cabeça sobre o colo de Lysandre, surpreso. Castiel estava na porta com a mesma expressão, e ainda de toalha. Tentei me levantar, mas caí de volta em seu colo. Senti meu corpo muito fraco e dolorido, como se eu tivesse corrido uma maratona por horas num sol torrante e sem nada para me hidratar. Estava ofegante e, apesar de ainda estar molhada, me sentia suada.

—O que... aconteceu? —Consegui perguntar.

Lysandre e Castiel se olharam por alguns segundos.

—Temos um problema! —Informou Lys.

—Um grave problema. —Castiel concordou.