Faltei aulas após aquele dia. Me recuperei devagar.

Meu treinamento com Lysandre, que por várias vezes eu me forçava a ir, acabou ajudando a não pensar muito naquilo.

Todos estavam deprimidos, mas não podíamos desistir... Mesmo que quiséssemos.

Três meses se passaram.

A nova missão do Nathaniel era me ocupar com alguma atividade. Ele estava preocupado e quis me ajudar, é uma das coisas que admiro nele. Por dias saímos para jogar, almoçar e passear. O local da vez era o novo parque que inauguraria no sábado.

O encontrei me esperando na entrada do parque. Compramos os ingressos e andamos em alguns brinquedos. Com o tempo fui me soltando e parecia a primeira vez que eu sorri sinceramente. Ele me comprou algodão-doce, maçã-do-amor e outras guloseimas. Tudo estava indo bem. Começou a anoitecer e combinamos de ir em um último brinquedo, na montanha-russa. Era enorme e dava diferentes voltas, pra cima, pra baixo. A fila estava gigante. Quando finalmente chegou a nossa vez, nos sentamos no melhor lugar, na frente. Coloquei a trava de segurança. Sempre gostei de adrenalina desse tipo e, assim como todos, estava empolgada. O carrinho começou a se mover. Subiu e subiu, quando chegou no topo, despencou como em queda livre. Todos gritando de euforia. O carrinho dava viradas bruscas para direita e para a esquerda, era possível minha cabeça sair do pescoço. Em meio a berração, senti alguém sussurrar algo no meu ouvido. Tentei virar e ver quem era, mas não consegui, o carrinho estava rápido demais. Segundos depois senti de novo, era uma voz misturada com homem e mulher... eram as vozes dos meus pais. Em uma oportunidade me virei e não vi ninguém próximo de mim. Segurei a mão do Nath, ele me olhou surpreso, mas logo entendeu o que eu queria dizer... algo ruim iria acontecer. Senti minha mão molhada, eu estava suando. A montanha-russa terminava com uma volta de 360 graus. Antes de chegarmos nela, ouvi as vozes mais uma vez, um pouco mais nítida: "Segure!". Antes que eu pudesse pensar em alguma coisa, o carrinho fez a volta de 360°... deu um solavanco no meio do caminho, voltou alguns centímetros, pra pegar impulso, ouvi um barulho de pequenos metais se batendo, e depois seguiu em frente. Me preparei pra levantar a trava de segurança e sair do brinquedo, mas ele não parou... continuou a toda velocidade. O pessoal nem ligou, ir mais uma vez era o que todos queriam. Olhei para o cara que controla a máquina, ele parecia confuso. Isso obviamente não era uma simples volta grátis. Percebi algo brilhando no chão, eram parafusos. O carrinho subiu e subiu de novo, deu mais um solavanco antes de chegar ao topo. Segurei forte a mão do Nath, e segurei a trava de segurança, ele fazia o mesmo. Antes eu não tinha percebido o quanto era alto, do topo eu podia ver algo semelhante a minha casa, que levava meia hora até o parque. O carrinho despencou mais rápido que antes. Ouvi uma das últimas cadeiras sair do trilho, olhei e vi que a pessoa que a ocupava tinha percebido também e tentando avisar a amiga do lado o que aconteceu. De repente, todas as cadeiras saíram dos trilhos, como em um salto com todo o carrinho. Todos, de gritos de euforia passaram para gritos de terror. Pedidos de socorros era como um coro bagunçado. Os homens na máquina de controle não sabiam o que fazer. O problema não estava ali. Vi algumas faíscas do lado do carrinho, estávamos sem as rodas. Tentei parar o carrinho com minha magia, mas não conseguia. Tinha alguma coisa me bloqueando. Estava chegando a primeira curva, nesse momento as travas de segurança se destrancaram, a segurei firme, forçando contra meu peito. Olhei pra trás, faltava algumas pessoas. Olhei ao redor e vi os corpos espatifados próximos dos trilhos. Me virei de volta. Outras curvas brutas, pra esquerda e pra direita. Ouvi um estalo agonizante, o rapaz que sentara na segunda fileira estava com o pescoço quebrado e a cabeça dançava desordenada, a garota ao lado dele tentou se distanciar, mas o carrinho passou perto dos ferros e a cabeça dela foi arrancada do corpo. Tentei parar o carrinho de novo ou pelo menos proteger aquelas pessoas, mas tive o mesmo resultado negativo. Estávamos chegando na parte que eu mais temia: a volta de 360° . Antes de subir, dei um pulo sentada, forçando meu acento pra baixo. Nath me olhou e fez o mesmo, logo em seguida os que sobreviveram nos imitaram. Ouvi o carrinho prender os canos, onde deviam estar as rodas, nos paralelos dos trilhos. Assim eu esperava que não caíssemos logo de primeira. Começou a subida, paramos no meio da volta, ficando de cabeça pra baixo. Me segurei com as pernas no acento. Nathaniel dizia para as pessoas fazerem igual. Alguns caíram, sobrarando apenas eu, ele e mais 4 pessoas... um casal e duas crianças, que claro, entraram escondidos.

—Usem a trava de segurança como apoio. —Aconselhou Nathaniel.

Fizemos isso. As crianças estavam chorando e gritando de medo.

—Vamos dar impulso pro carrinho. —Falou.

Conseguimos levar o carrinho alguns centímetros à frente. Estávamos nos esforçando e quase conseguindo, mas uma das travas se soltou e uma das crianças ficou pendurada por um braço. Não pensei em nada, apenas fui. Me segurando em tudo que podia, cheguei na criança, era um menino. O agarrei antes da trava se desprender por completo.

—Fique calmo. Vai dar tudo certo. —Disse.

Fiz ele se envolver um mim, enquanto eu nos segurava na cadeira. Eu estava tentando ir para a outra trava de segurança. Estávamos muito alto do chão. Falei pra continuarem o impulso, mas então ouvi o cano do carrinho sair dos trilhos. Nathaniel se aproximou e pegou a outra criança, uma menina. O casal e nós tentamos nos segurar nos ferros mais próximos, mas era impossível. Nesse meio tempo, os visitantes do parque já tinham sido evacuados. Bombeiros, policiais e ambulâncias estavam posicionados perto da montanha-russa. Eles estavam montando uma enorme escada perto da gente. Finalmente posta, as crianças desceram primeiro. Com o movimento o carrinho balançava e se libertava dos trilhos. O casal foi logo em seguida. Quando tentei me aproximar da escada o carrinho cedeu de trás e parou onde eu estava, segurado apenas por duas fileiras. Num rápido movimento, Nath me segurou. Sabíamos que era questão de segundos tudo ir abaixo. Ele tentou me lançar para a escada, mas então tudo caiu. Minha única reação foi empurrá-lo.

Caí.

Observei os bombeiros pegando ele. O ouvi gritar meu nome. A sensação de estar caindo era a mesma que eu sentira em meu sonho, quando pulei do armário. Fechei os olhos e me preparei para o impacto. Senti meu corpo encostar no ferro, ouvi um "track", e fui, literalmente, dobrada ao meio. Meus pés atingiram minha cabeça por trás. Tudo embaçou e minha audição foi ficando abafada. A última coisa que ouvi foi Nathaniel, desesperado, gritar meu nome.