Não entendi nada. Minha mãe nunca me contou que tinha uma meia irmã. Na verdade nunca me contou nada sobre meus avós, ou qualquer outro familiar. Sempre pensei que, como meu pai, ela não tivesse ninguém além de mim e dele.
–Como assim meia tia ? E oque quer dizer com "neste corpo" ?-Perguntei.
–Bom, a verdade é que sou filha do seu avô, que foi atraído pela beleza da minha mãe, uma fada. Um mês depois, sua avó descobriu que estava grávida e ele não se encontrou mais com a minha mãe, então ele nunca soube da minha existência. E o quis dizer com "neste corpo" é que pra aparecer na frente de outras pessoas, eu preciso de um hospedeiro.
Eu estava absorvendo muita coisa ao mesmo tempo.
–Se você é filha de uma fada, com quem meu avô teve um caso, mas nunca soube que você iria nascer.... como vou ter certeza de que você é da minha família?
Ela avançou em minha direção, se virou e afastou os cabelos do ouvido. Atrás de sua orelha havia um sinal, uma marca de nascença que lembrava um coração com veias pulsando, semelhante ao do colar, e a mesma que eu tenho. Senti uma energia confortante. Como se eu soubesse que ela falava a verdade.
–Por que me trancou aqui ? O que quer comigo ?
–Só quero te proteger. Sei que seus pais morreram, os meus também. Quando eu descobri que você era a última parente viva.... bem, não vou deixar que nada de mal lhe aconteça.
Ela me abraçou. Por um momento fiquei feliz de não estar mais sozinha. Mas então recuei. Uma coisa assim, realmente era muito boa para ser verdade.
–Por favor não tenha medo. -Falou ela. - Não vou te machucar.
–Por que estava ajudando os lobos ?
–Precisava de alguma maneira para você me ver. Confesso que os manipulei para roubarem o colar. Se eu não tivesse feito isso, você nunca iria se conectar comigo.
–Muitas pessoas importantes morreram por causa disso. -Falei fria.
–Eu sei, e eu sinto muito. Não queria que fugisse do controle.
Me senti mal pois se eu estivesse no lugar dela, faria a mesma coisa. Ela tirou o colar e estendeu a mão. O peguei e coloquei no pescoço.
–Vamos acabar com a briga lá de cima, tia Agatha. -Eu disse.
Um sorriso foi aberto e estampado no seu rosto. Ela fez que "sim" com a cabeça. Depois fez um gesto com a mão e.. nada aconteceu.
–Ué ?! -Disse ela.
Fez de novo e de novo, mas nada mudava.
–O que houve ? -Perguntei.
–Não consigo desfazer a barreira. Tente.
Me posicionei e com a mão imaginei abrir o paredão de gelo, mas não tive sucesso. Ouvi uma risada irritante e familiar vindo das profundezas ocultas na escuridão do lago. Uma silhueta se formou, barulhos irritantes puderam ser ouvidos. Logo depois Debrah foi vista, junto com um monte de serpentes marinhas.
–Sentiu saudades ? -Disse ela, sem nenhuma dificuldade em projetar o som.
–De você fugir morrendo de medo da minha casa... ? Acho que não.-Respondi.
Ela fez um gesto com a mão e as serpentes avançaram. As picadas pareciam um milhão de agulhas me perfurando. Doía um pouco, na verdade incomodava. Agatha tentava se defender mas estava encurralada.
–Arg, já chega! -Disse ela.
Minha tia se pôs mais à frente e seus cabelos, de dourado, tomaram uma cor mais avermelhada. Percebi que estavam em chamas, apesar da água não apagá-los. Seu sobretudo saiu e afundou. Ela estava usando um vestido branco. Pela movimentação da água, suas pernas e braços ficaram à mostra, revelando marcas que pareciam finas sanguessugas por toda a área. Essas marcas, então, começaram a se mover. Agatha fez um gesto com a mão e todas as serpentes pegaram fogo e se desintegraram. Uma parede de bolhas impediu minha visão. Me distanciei um pouco e vi Debrah com uma faca investindo em minha tia, que estava distraída com as serpentes. Surpreendi Debrah, entrando no caminho. Chutei sua barriga e a lancei pra cima com tanta força que o gelo quebrou. Puxei Agatha pelo braço e fomos até a saída. Emergimos pelo buraco no gelo que fiz com Debrah. A mesma estava se levantando, ainda desorientada. Olhei para a terra, onde rolavam as lutas do pessoal. Rosa estava segurando Jeorge enquanto Nath dava o golpe final com a espada. Castiel encravou a Kukri no peito de Tamara. Lys deu um tiro peito de Raphael, que desabou no chão. Ele parecia exausto fisicamente e emocionalmente. Assim que virou e me viu colocou um sorriso gentil e aliviado no rosto. Fiz o mesmo. E com o olhar disse que estava tudo bem, mesmo que a mulher ao meu lado estivesse com marcas pelo corpo e com o cabelo em chamas. Me voltei para Debrah, parecia tão indefesa com apenas uma faca na mão. Naquele momento eu sabia o que fazer, não sei como... mas eu entendi. Segurei o colar e o arranquei do pescoço. Me concentrei e imaginei a Arma Divina. Quando abri os olhos ela estava em minha mão, o colar tinha se transformado nela. Avancei. Debrah não desviou, nem posicionou a faca. Encravei a adaga no peito dela. Estávamos ajoelhadas, sua cabeça estava meio apoiada em meu ombro e a minha no ombro dela.
–Por que não se defendeu ? -Perguntei sussurrando em seu ouvido.
–Porque eu sabia que não ia conseguir... -Disse ela sussurrando no meu. -Até demônios sabem os seus limites... Pelo menos agora eu terei um descanso.
–Quem é o seu mestre?
–Você não vai ter chance... Tudo o que ele quer.. ele consegue! Não importa quem tenha que sacrificar..
Ela começou a gemer de dor. Senti sua pele esquentar e rachar.
–Me diga quem ele é ?
–Seu nome é.... Asmodeus.
Com a pronúncia do nome senti um calafrio na espinha. Antes que ela terminasse de falar mais alguma coisa, se despedaçou e se transformou nos insetos com o bater de asas irritante. Desapareceram floresta adentro. Me levantei e fui junto com Agatha, já normal, ao encontro de todos. Ela deu um breve resumo sobre nosso parentesco e que aquelas marcas eram uma proteção para o corpo da hospedeira. Contei sobre o nome que Debrah havia me dado.
–Pelo menos temos um jeito de matá-lo. - Falou Rosa apontando para minha mão, que antes tinha a Arma Divina, agora apenas meu colar.
–Tudo sempre graças à meus pais. -Disse abrindo o colar e revelando a foto deles.
Castiel deu um passo pra trás. Sua expressão era uma mistura de ódio e tristeza, não sei dizer muito bem.
–Cast o que foi ? -Perguntei me aproximando.
–Não encosta em mim ! -Sua voz saiu meio tremula.
–Hey, o que aconteceu ? -Perguntou Lys.
–Foi ela... -Ele apontou para o lado onde tinha a foto da minha mãe. -Ela... é a bruxa que matou meus pais!