Fui levada pra casa por alguém. Eu não tinha forças para me manter em pé. Como eu ia contar para os meus pais que Kentin estava morto?

E os pais dele?

Rosa me levou até o meu quarto. Meus olhos ardiam de tanto chorar. Me sentei na cama e peguei um ursinho de pelúcia que eu tinha no criado mudo. Fiquei olhando pra ele. Kentin que me presenteou no meu aniversário de 7 anos, meu primeiro aniversário sem meus pais. Ken foi o único que procurou saber e se lembrou da data. Foi nesse dia que começamos a conversar. Uma lágrima caiu sobre a pelúcia. Rosa me abraçou. Mais lágrimas, das duas. Ela também estava sofrendo.

—Não se preocupe com a notícia... Kentin já disse o que devemos fazer. —Contou antes de ir embora.

Já sozinha, decidi tomar banho. Me olhei no espelho. Eu estava toda suja, ainda com o sangue dele. Tirei rapidamente a roupa, frustrada. Liguei o chuveiro e deixei a água cair sobre minha cabeça.

Por um momento, senti como se todas as minhas preocupações tivessem indo ralo abaixo. Mas tudo isso parou quando vi o sangue escorrer. Soquei a parede.

Como pude deixar fugir tanto do controle?

Como pude não fazer nada?

Por que não ignorei tudo e o transformei?

Por que não fui egoísta?

Desliguei o chuveiro e vesti algo limpo. Ensaquei as roupas sujas e rasgadas, misturei com os sacos de lixo e saí para colocá-los na lixeira em frente de casa.

Na calçada, ouvi gritos agudos, desesperados. Sabia que vinham da casa do Kentin. Fiquei parada com os olhos marejados. Tentando ser firme enquanto meu pais, recém chegados em casa, estranhavam o som.

Em alguns segundos, a mãe do Kentin saiu de casa apavorada junto com o marido atordoado. Corremos para ampará-los.

—Meu filho... ah, eu quero meu filho! —Gritava em choro.

O pai chorava também, tentava consolar a esposa, mas não conseguia. Ele nos contou o que aconteceu. Tinham acabado de ligar do hospital informando que Ken foi atropelado mas não resistiu. Não fiz nada a não ser chorar junto com minha mãe.

Meu pai estava ansioso e inquieto mas ainda era o mais calmo de todos ali. Nos levou até o hospital.

A sensação conforme eu caminhava até a entrada parecia esmagar meu coração impiedosamente.

Os pais dele entraram em um quarto para reconhecer o corpo. Mesmo na sala de espera eu ouvia claramente o que era discutido lá dentro. Infelizmente parecia que só eu conseguia ouvir.

Droga de audição!

—Não! Filho, acorda! Por favor, meu Deus, devolva meu filhinho! Mamãe tá aqui! Me abraça! Diz que me ama de novo!

Morri em silêncio escutando a mãe dele. Me lembrei da declaração. Senti meu coração ser amassado e pisoteado.

Abracei minha mãe tampando os ouvidos na inútil tentativa de fazer toda aquela dor acabar. Ela me levou até o carro novamente. Minutos depois meu pai se juntou a nós e voltamos pra casa.

Os pais de Kenti provavelmente passariam a noite no hospital.

Em total clima de luto fingimos dormir.

Não fui pra escola no dia seguinte. Encontrei um recado do meu pai na geladeira, informando a hora e o local do enterro. Pediu para que eu avisasse nossos amigos.

Comi alguma coisa e mandei uma mensagem para Rosa. Deitei na cama ainda sentindo um buraco no meu coração. Adormeci pela primeira vez.

Tive um rápido sonho com meus pais verdadeiros. Eles estavam parados na minha frente. A expressão em seus rostos só conseguia dizer "Sinto muito". Abracei os dois em prantos.

Acordei e me arrumei. Um tempo depois meus pais chegaram, se prepararam e saímos. Não tinha percebido antes, mas o céu ameaçava a chover.

Melhor cenário...

Muitos alunos e professores da Sweet Amoris estavam presentes. Rosa, Leigh, Castiel, Lysandre, Nathaniel, Melody, Íris, Kim e Violette ficaram juntos em um grupo. Cumprimentei todos por perto.

Não consegui vê-lo. Simplesmente não fui capaz de me aproximar do corpo.

A cerimônia começou.

—Kentin foi o filho perfeito, era dedicado, atencioso, estudioso, educado, obediente...tudo o que uma mãe que não podia ter filhos, como eu, iria querer. Sempre que chegava em casa, depois do colégio, ele me dava um abraço, um beijo na testa e dizia que me amava, todos os dias. Eu perguntei por que ele fazia aquilo na mesma ordem. Então ele me respondeu: "Porque eu sempre quis andar até minha mãe e abraçá-la. Uma vez, um anjo beijou minha testa e um milagre aconteceu. E o amor é um sentimento muito forte que, quando verdadeiro, deve ser dito todos os dias."

A mãe dele terminou com uma oração e o caixão foi sendo abaixado ao som de uma melodia lenta e baixa. Assim como nos filmes, começou a chover. Nesse momento não havia uma única pessoa ali que não estivesse chorando. Jogamos rosas brancas antes da terra ocupar toda a cova.

Muitos preferiram ir embora. Continuei estática. Meus amigos também continuaram lá. A mãe de Ken sorriu ao nos ver em frente a lápide com o nome do filho.

—Vocês realmente são amigos dele.

Assentimos.

—Seu filho era a pessoa mais altruísta e dedicada que eu já conheci. Eu realmente sinto muito. —Disse Castiel e todos concordamos.

Eu não conseguia olhá-la nos olhos. Sufoquei um nó na garganta.

—Me perdoa... —Ela não ouviu. —Eu sinto muito.

A mesma me abraçou forte.

—Eu também sinto muito. Sei o quanto ele era importante pra você. Ninguém poderia imaginar que isso aconteceria.

Eu quero morrer.

Depois de um tempo fomos todos embora.

Peguei o ursinho de pelúcia e fiquei deitada, olhando pra ele. Uma lágrima escorreu para minha orelha. Abracei o ursinho.

—Por favor, me perdoa. Eu também te amo. Descanse em paz, Kentin.