''These are the times when any night could be your last night''

>Evan

Quando estávamos a passar junto ao banco o primeiro tiro que ouvimos acertou-me de raspão no tronco. Na verdade o sistema avisou-me da aproximação de alguém, mas eu estava à espera que ele fizesse algum barulho ou movimento percetível à audição e visão humana, se eu avisasse a Cassie antes disso ela ficaria desconfiada. E com razão...

Mas distraí-me e só ouvi o tiro quando foi disparado, tendo apenas um milésimo de segundo para evitar que a bala me acertasse nalgum órgão importante.

Assim que Cassie correu em direção do supermercado eu virei-me e acertei à primeira num homem que estava perfeitamente saudável, que caiu morto mas ainda assim disparei mais alguns tiros para ela não desconfiar.

Depois segui para ir ter com a Cassie, não me preocupei com a ferida porque a bala não ficou alojada no meu corpo e o Décimo Segundo Sistema irá encarregar-se de estacar o sangue em segundos, daqui a um dia, dois no máximo a ferida provocada pela bala não passará de uma cicatriz avermelhada e daqui por uma semana já nem cicatriz devo ter.

Cassie nem se iria aperceber a não ser que eu caísse no erro de tirar o casaco sem antes checar se me sujei com sangue porque apesar de estacar o sangue o sistema não se encarrega de limpar o que já secou.

Foi só abrir o casaco para ficar mais à vontade para ela reparar na mancha de sangue na minha camisola.

A primeira coisa que me veio à cabeça foi mentir-lhe e dizer-lhe que o sangue não era meu mas sim do homem que eu matei mas isso seria estúpido demais pois eu tinha o casaco por cima da camisola, portanto resta a verdade…

—Eu… tem calma Cassie não dever ter acertado em nada de importante porque eu não senti nada.

—Se tu o dizes….

Ela está assustada, de alguma forma eu quero acalmá-la porque sei que este ferimento não me vai fazer mal nenhum mas não posso.

—Eu trouxe álcool se quiseres desinfetar a ferida- disse ela retirando o álcool da mala e passando-mo.

—Ok, obrigada. Eu tenho também uns pensos que trouxe comigo da quinta. Não te preocupes, está tudo bem.- disse tirando as camisolas e virando-me para que ela não veja a ferida, enquanto a limpo e ponho o penso, se bem que não era preciso, enquanto isso vou falando com ela para a manter calma- Eu consegui tratar da tua perna e diga-se de passagem a tua ferida estava em bem pior estado que a minha. portanto vai tudo correr bem...

>Cassie

Ele está a tentar acalmar-me, eu estou aterrorizada mas por outro lado aliviada por ele não me pedir ajuda com a ferida. Primeiro porque aquilo não deve ser nada bonito de se ver e segundo porque eu não sei tratar de uma, ainda por cima com o Evan sem camisola com todo aquele físico todo à mostra!

—Ok, então… ham… assim sendo eu vou preparar as cenas para a gente dormir.

—Sim, faz isso.

Começo a ajeitar a cama com os cobertores e os lençóis que estavam no armário e por isso tinham menos pó, e menos não significa que não tivessem! Depois de fazer a cama vou à mochila do Evan buscar qualquer coisa para comer e dou-lhe também qualquer coisa para ele que já tratou da ferida, vestiu-se e parece totalmente normal. Não, ele não parece, ele está.

—Cassie, está tudo bem. Acredita em mim. Eu desinfetei a ferida e pus o penso, dentro de dias estou como novo.

Mas como é que ele não sente dores? Como é que ele conseguiu tratar da ferida a ele mesmo na boa? Como ele pode ter tanta certeza de que tudo vai correr bem? Era suposto ele estar assustado, mas pelo contrário ele está a tentar acalmar-me a mim.

Queria perguntar-lhe isso mas não posso, por muito que desconfie dele ele não me está a fazer mal e pode ajudar-me a salvar o meu irmão e se eu desconfiar dele nunca se sabe o que ele pode fazer… mas porque é que eu estou a pensar nisto? É o Evan, o rapaz que me salvou e que tratou de mim, porque é que eu havia de desconfiar dele?

—Vamos deitarmo-nos? Assim que amanhecer voltamos para a quinta- ele diz.

—Sim finalmente! Mal posso esperar por chegar, estou farta deste lugar.

—Podia ser pior.

—É tens razão eu já dormi em sítios bem piores...

Ajeitamo-nos na cama e deitamo-nos de lado virados um para o outro para continuarmos a falar.

—Onde é que tu costumavas ficar antes de eu te encontrar?- ele pergunta-me.

—Onde calhava, mas raramente dormia assim numa cama numa casa abandonada, tinha demasiado medo de encontrar outros sobreviventes ou mesmo algum dos Outros. Dormia no meio da floresta numa tenda onde era bastante improvável que alguém me encontrasse.

—Mas mesmo assim…

—É, eu estava a caminho da base de Writt Patterson e tinha de ir pela auto estrada para não me perder…

—E tiveste azar…

—Ou sorte, considerando que tu me encontraste- ele sorri- Agora pelo menos não estou sozinha.

—Não estás.

—Obrigada por tudo- digo sorrindo também.

—Outra vez, Cassie? O que é que eu já disse sobre os agradecimentos?

—Eu sei. É só que depois da chegada dos Outros e de tudo o que aconteceu eu nunca pensei que voltasse a confiar em mais alguém. Nunca pensei que fosse possível ter uma vida razoavelmente, muuuito razoavelmente normal.

Muito razoavelmente normal mesmo- ri-se ligeiramente.

—Eu gosto de pensar que estamos muito melhor que muitos neste momento.

—Lá nisso é verdade.

—Hum- digo bocejando.

—Mas vamos dormir?

—É, vamos.

Ele aproxima-se mais de mim e dá um beijo bastante demorado na testa, eu aproveito a nossa aproximação e quando ele se afasta aconchego-me nele de maneira a não restar espaço entre nós. Por um momento penso que talvez não tenha sido a melhor ideia mas logo depois sinto-o a passar os braços à volta da minha cintura e a aconchegar-me nele.

Juro que não sei o que se passa comigo. Eu devia afastar-me dele e não aproximar-me mais, ele levou um tiro, não tomou nada para as dores e está aqui como se nada fosse. Ele conseguiu abater uma data deles sozinho. Eu não sei quem ele é e cada vez ele me dá mais motivos para desconfiar. Mas por muito que queira, ou melhor dizendo, por muito que devesse eu não consigo afastar-me dele. Sabe tão bem estar nos braços dele, sinto-me tão segura! Gostava de dizer que a culpa é dos Outros como o é de todas as coisas que têm acontecido, mas infelizmente acho que os rapazes já tinham este efeito sobre as raparigas antes da chegada dos Outros. Ainda por cima quando o rapaz em questão é tipo Evan: simpático, carinhoso, atencioso, alto, musculado, olhos claros…

E é com estes pensamentos que acabo por adormecer embalada nos braços fortes do Evan…

>Evan

Adormeci poucos minutos depois de Cassie e acordei duas horas depois, o que equivale a umas dez horas de sono para os humanos.

Ela continuava enroscada a mim, eu deixei uma das minhas mãos na cintura dela e com a outra acariciei-lhe o rosto e o cabelo suavemente para não a acordar. Durante as seguintes sete horas fiquei deitado, observando cada pormenor do seu rosto como se estivesse a decorar o lugar de cada uma das sardas que ela tem no nariz e nas bochechas. Por mim poderia ficar assim mais uns milhões de anos (o que não é muito para a minha espécie), porque vê-la assim tão tranquila proporciona-me uma sensação maravilhosa que eu não sei explicar, talvez seja o amor tão falado pelos humanos. Mas será amor o que eu sinto por ela? Não pode ser possível, eu não sou como humano, pelo menos totalmente, para o poder sentir!

É nestes devaneios que passo a noite e as primeiras horas do dia mas depois decido levantar-me e preparar as coisas para partimos e logo de seguida acordo Cassie, que assim que percebe onde estamos e o que está a acontecer se levanta.

—Bom dia- digo sorrindo.

—Bom dia- diz ela bocejando- Como estás?

Demoro um milésimo de segundo a entender o sentido da pergunta.

—Como eu disse ontem não foi nada, assim que chegarmos à quinta tenho de mudar de penso mas daqui a uns dias estou pronto para outra.

—Não digas isso nem a brincar!

Isto é preocupação pela parte dela? Ela importa-se mesmo comigo? Ou está só com medo de ficar sozinha? Sem ajuda para resgatar o irmão?

Realmente os humanos são bastante complicados e o amor ainda mais, se é que é isto que é o amor...