''Even the best gambler will tell you that luck lasts so long''

>Cassie

Com uma facilidade surpreendente, Evan levou-me até à sala e posou-me delicadamente no seu sofá.

—Bom, e agora vou preparar a tua surpresa- disse sorrindo e piscando o olho- Fica à vontade, não temos televisão, mas podes sempre ler os livros da minha mãe ou estas revistas antigas para te entreteres- concluiu apontando para a mesa em frente ao sofá e saindo em direção à cozinha.

Ao olhar à volta percebi que a minha M16 se encontrava encostada à parede do outro lado da sala, junto com o material de caça de Evan.

—Pronta para o melhor jantar dos últimos meses!?- perguntou Evan aparecendo de repente.

—Si… im- Evan agarrou-me novamente só me pousando à mesa da sua cozinha.

O Evan tinha preparado tudo como deve ser. Para o jantar tinha grelhado uma qualquer ave, fritado batatas e até tinha feito arroz! Já tinha a mesa posta e tínhamos direito a velas e tudo, mas isso é mesmo porque não temos eletricidade!

—Por favor Evan, diz-me que não esgotaste todas as nossas reservas neste jantar!- disse num meio na brincadeira meio a sério.

—Por acaso já esgotei o arroz, mas ainda temos uma boa quantidade batatas e posso caçar mais animais a qualquer altura- disse sorrindo- Por isso podes desfrutar deste jantar descansada.

Ele sentou-se à minha frente e eu sorri-lhe e depois começámos a comer.

Já não me lembrava o quão saborosa podia ser a comida, mal falámos de tão desesperados que estávamos. No final tentei ajudar Evan a arrumar a mesa, mas este ignorou-me e arrumou tudo rapidamente agarrando-me novamente e levando-me novamente para o sofá.

—Obrigada, Evan, não só pelo jantar mas por tudo o que tens feito por mim.

—Cassie, eu já sei que estás muito agradecida por tudo, portanto podes simplesmente parar de me agradecer?- disse ele fingindo-se zangado.

—Vou tentar- disse, sorrindo.

O Evan fazia-me bem, fazia-me sentir feliz apesar de tudo o que tinha acontecido nos últimos meses e apesar do que poderia acontecer no futuro. Ele fazia-me esquecer tudo por instantes. Era como se não tivéssemos sido atacados por extraterrestres, como se fossemos apenas dois adolescentes.

—Estás pensativa, Cassie.

—Estava só a pensar em tudo o que perdemos com a chegada dos Outros, mesmo nas coisas mais simples e em como nada vai voltar a ser como antes. Custa pensar que nunca mais vamos por exemplo, celebrar o Natal…

—Vamos falar de outra coisa Cassie, fica mais fácil se simplesmente não pensarmos nisso.

—Certo, fala-me de ti então, da tua vida antes de tudo isto.

—Eu vivia aqui com o meu pai, a minha mãe e os meus irmãos. Costumava ajudar os meus pais aqui na quinta e estava a estudar Engenharia Mecânica.

—Wow

—O que foi?

—Nada, é só que nunca pensei. Pelos vistos não pretendias trabalhar com os teus pais aqui na quinta.

—Não, eu gostava de ajudar mas não era isso que eu queria fazer da vida. Nem eu nem a Lauren que foi estudar enfermagem em vez de ficar a ajudar os pais na quinta deles.

—Lauren!?

—Sim, era a minha namorada- respondeu Evan um pouco embaraçado- Nós estávamos juntos… desde sempre. Nós tínhamos vários planos juntos mas tal como o resto foram destruídos com a chegada dos Outros. Ela tal como a minha família apanhou a epidemia e… suicidou-se antes que a doença se encarregasse do fazer.

À medida que falava a sua voz ia ficando cada vez mais embargada. Instintivamente estendi a minha mão para a sua e apertei-a ligeiramente.

—Lamento muito- disse apenas.

—E tu?- disse Evan de repente.

—E eu o quê!?- perguntei meio alarmada.

A minha vida amorosa era um caos, eu tinha uma crush por um rapaz, o Ben Parish, desde sempre mas eu duvido que ele soubesse sequer da minha existência. E seria só um bocado vergonhoso contar-lhe isso.

—É a tua vez de me contares como era a tua vida antes da chegada dos Outros.

—Bom, eu vivia com os meus pais e com o meu irmão. Tínhamos uma vida normal. Eu frequentava o ensino secundário, enfim, eu era uma simples adolescente. Com a chegada dos Outros tive a sorte de ter um pai que em vez de me levar para a Disney como alguns dos meus colegas me preparou para o que aí vinha, se consegui sobreviver foi graças a ele. Bem, e também a um certo rapaz do campo, um tal de Evan Walker.- e encarei-o.

Ele sorriu e abanou a cabeça. Poxa, como ele estava sexy!

—Mas tu também não me pareces nada mal preparado para tudo isto!- disse retomando a conversa.

—Sim, eu costumava caçar com o meu pai e as tarefas na quinta eram puxadas o que acabou por me tornar mais forte.

Oh, se tornou! Bastava olhar para aquele corpo para perceber o quão bem definido ele estava!

—Sorte a nossa- gracejei.

—Verdade.

Os dias que se seguiram foram monótonos, eu e o Evan estabelecemos uma espécie de rotina de manhã ele trazia-me qualquer coisa para comer e levava-me para a sala. Depois ele ia fazer as suas tarefas e voltava com o almoço, depois falávamos sobre tudo e mais alguma coisa: sobre como eram as nossas vidas antes da chegada dos Outros, especulávamos sobre o objetivo dos outros em destruir-nos,…

À noite Evan saía para caçar, eu ficava à espera dele no sofá mas acabava sempre por adormecer apesar de pela manhã acordar sempre na minha cama… ou melhor na cama da Val.

Abri os olhos, estava bastante desconfortável mas não era de estranhar, eu ainda estava na sala, desta vez Evan não me tinha levado para o quarto. Será que ele estava farto desta situação?

—Evan!- chamei.

Ele não respondia.

—Evan, Evan!- gritei desesperada.

Ele continuava sem me responder e isso só podia significar uma coisa, o Evan não tinha voltado para casa ontem à noite.

—Não! Não, não, isto não pode estar a acontecer! Isto não é possível- murmurei totalmente desesperada.

O que ia ser de mim sem o Evan? O que é que será que lhe tinha acontecido? Teria sido morto pelos outros? Ou pior tinha sido apanhado por eles à espera que ele soubesse de outros humanos?

Eu tinha de sair dali o mais rapidamente possível antes que eles dessem comigo.

Tinha passado tão bem os últimos dias que me custava a acreditar que tinha de voltar a andar por aí sozinha, insegura, a comer mal,…

De repente ouvi barulhos junto à porta de entrada na cozinha.

Ok, eu tinha de agir, e rápido. Levantei-me do sofá e pela primeira vez tentei andar. As dores eram horríveis mas eu tinha de me apressar a chegar à minha M16 encostada à parede.

Não fui suficiente rápido e a poucos metros de mim a porta que dava para a cozinha abriu-se.

Fiquei aterrorizada apenas durante o tempo suficiente para reparar que quem estava do outro lado era o Evan.

Não me orgulho do que fiz a seguir, limitei-me a correr para os braços dele e a abraçá-lo.

—Cassie, o que é que se passa?- perguntou ele ainda sem saber se devia ou não retribuir aquele abraço.

—Eu acordei e não te vi aqui, eu pensei que estivesses morto e…

—Oh, Cassie- interrompeu-me ele colocando as suas mãos nas minhas costas e envolvendo-me.

Ficámos assim abraçados durante tempo suficiente para eu me acalmar. Sentia-me novamente segura mas ao mesmo tempo um pouco constrangida com tudo isto.

—Desculpa- murmurou ele ao meu ouvido- Eu não te queria assustar, eu fui até mais longe para procurar mais mantimentos.

—E conseguiste?-perguntei-me afastando-me ligeiramente.

—Sim consegui algumas coisas mas nada de especial. E desculpa mais uma vez, eu devia ter-te avisado e deixado na cama antes de ir embora. Eu prometo que não volta acontecer.

—Não há problema, Evan, o que interessa é que estamos os dois bem. E assim até deu para perceber que eu já consigo andar.

Disse para aliviar a tensão.

—Não sei bem acho que foste um pouco lenta, mas acho que podemos focarmo-nos nisso e em breve estarás totalmente boa.

—Esperemos que sim- respondi esperançosa.

—Então o que é que tu achas de irmos dar uma caminhada?

—Acho uma excelente ideia já começava a ficar farta de estar aqui trancada!

—Ótimo, assim sendo vou buscar-te umas roupas mais apropriadas- disse mirando-me de alto a baixo, eu para variar vestia uma das camisas de dormir da sua irmã que me ficavam estupidamente curtas deixado as minha pernas completamente nuas.

—Estas roupas eram da minha mãe mas acho que devem servir-te- disse entregando-me um monte de roupa.

—Hum, e eu… vou ali até à cozinha para… te dar um pouco privacidade- disse ligeiramente embaraçado.

—Então, aqui vamos nós- disse Evan enquanto saímos de casa dele.

Eu apenas olhei para cima, fechei os olhos e inspirei o ar puro.

—Isso é que são saudades!- interrompeu Evan o meu momento.

—Nem imaginas- encarei-o e sorri.

—E eu que nunca gostei de florestas.

—Mas tu vives numa quinta, Evan, bem no meio de uma floresta!

—Acidente de nascença, mas como já te disse eu vou estudar Engenharia Mecânica, portanto adeus florestas!- disse Evan enquanto começava a avançar pelo meio das árvores- Ou ia…

—A mim, trazem-me boas recordações. Às vezes aos Domingos eu e a minha família costumávamos ir fazer piqueniques num parque da nossa zona e costumávamos dar passeios assim pelo meio das árvores, tal como estamos a fazer agora- disse olhando para Evan- Mas uma das coisas que nunca mais vai voltar a acontecer, pelo menos com os meus pais.

—Esse é um dos danos colaterais de sermos invadidos por extraterrestres.

—Hum- assenti.

—Mas pelo menos ainda tens o meu irmão, não estás completamente sozinha- disse Evan.

Isto foi como levar um murro no estômago. Parei de repente. Ele estava a tentar culpar-me por o meu irmão estar vivo os dele não?

—Não era isso que eu queria dizer, Cassie, e tu sabes bem disso.

Eu recomecei a andar, já com alguma dificuldade pois as dores começavam a ser insuportáveis.

Andámos mais umas dezenas de metros.

—Cassie, estás bem? Queres parar? Se quiseres acabamos aqui por hoje.

—Se calhar é melhor- respondi- Hey!- soltei assim que ele me agarrou mais uma vez ao colo.

—O que é que foi? Duvido que consigas voltar para casa a andar!

—Provavelmente, não. Mas também não era preciso isto…

Porque é que eu tenho de ficar sempre tão envergonhada quando ele me agarra? Quando ele me toca?

—Até parece que é a primeira vez que te agarro!- disse ele como se não entendesse qual era o problema.

—Eu estava só a tentar preservar a saúde das tuas costas- disse já mais descontraída.

—Não te preocupes com isso.

—Bom dia, Cassie- saudou-me Evan todo entusiasmado fazendo-me acordar de um salto com susto.

Era a primeira vez que Evan me acordava visto que das outras vezes esperava que eu acordasse por mim mesma antes de vir ter comigo.

—Vá, Cassie, deixa de ser preguiçosa e levanta-te que eu hoje tenho umas coisas planeadas para nós fazermos- acrescentou.

Ao ver que eu continuava sem reagir puxou as mantas para trás, e eu repreendi-me a mim mesma por não me ter levantado visto que a minha camisa de dormir estava toda enrolado deixando à visto mais do que devia. Evan nem se preocupou com isso pois assim que puxou as mantas não hesitou em agarrar-me mais uma vez ao colo.

—Tu podes parar de estar sempre a agarrar-me!?

—Desculpa mas se eu tivesse à espera que tu te levantasses por ti mesma a água que me deu tanto trabalho a aquecer para tu tomares banho vai esfriar.

—Tu vais-me dar banho outra vez!?

—Se tu quiseres eu não me importo, mas desta vez visto que estás acordada eu estava a pensar em deixar-te fazer isso sozinha.

Sinto a minha cara arder, devo estar toda corada e nem me atrevo a olhar para ele de tão envergonhada que estou.

—Bom, tens ali roupas lavadas, toalhas, sabonete, champô e as coisas para fazeres um novo penso para a perna, precisas de mais alguma coisa?

—Acho que não- respondo.

—Ótimo, quando terminares chama que eu levo-te para baixo, a não ser que queiras ir sozinha.

E sai.

Segundos depois volta a entrar e diz:

—E se precisares de ajuda para alguma coisa não hesites em chamar.

Lancei-lhe um olhar feroz entendendo bem o que ele queria dizer. Ele voltou a sair e desta vez ouvi-o descer as escadas.

Antes que a água arrefecesse tirei as minhas roupas e pus-me dentro da banheira, a água estava agradavelmente quente. Aquilo devia ter dado uma trabalheira a preparar! Agradeci mentalmente por ter sido um rapaz tão cavalheiro (e sexy!) a salvar-me.

Deixei-me estar até a água ficar fria e só aí saí. Sequei-me, desembaracei o meu cabelo que estava uma lástima, fiz novamente o penso e vesti-me. Não sei onde é que Evan tinha arranjado aquelas roupas, deviam ser da mãe ou coisa do género.

—Evan!- chamei ao sair da casa de banho e chegando às escadas.

Ele demorou apenas uns segundos a responder-me e a aparecer ao fundo das escadas, mas eu já estava lançada a descer as escadas armada em mulherzinha independente.

Má ideia.

Descer escadas era bem mais doloroso do que andar umas centenas de metros e bastou descer uns três degraus para me desequilibrar, felizmente Evan foi rápido e conseguiu chegar até mim e segurar-me nos seu braços fortes (e sexys!) evitando que eu caísse das escadas abaixo, e algo dentro de mim me diz que a recuperação não será nada fácil!