Casa da Colina

Novos amigos. Velhos amigos.


Fazia algum tempo desde a última vez em que estive em um ensaio de banda.

Um pequeno espaço em uma garagem nada convencional guardava as Insanas. As paredes forradas de pôsteres de arte “punk desvirtuada e anti sistêmica”, sem falar nas frases de ódio pichadas em tinta colorida. Estava lá também o que imaginei serem as bandas referência da Insane como Sex Pistols, Ramones, The Clash, The Runaways,, Marilyn Manson, eram muitas bandas que a maioria eu nem conhecia, cartazes, imagens, desenhos...

As garotas descontraídas jogaram suas mochilas (inclusive a bizarra mochila em formato de caixão de Briana) em um canto e logo os instrumentos foram aparecendo. Hazel puxou uma bateria dourada de dentro de um armário, Briana e Jade foram puxando amplificadores, caixas enormes de som, cabos, pedaleiras. A bruxinha abriu uma maleta negra e de dentro surgiu uma perfeita Les Paul negra com teias de aranha desenhada.

Fiquei ali parada um tempo encarando a garota de lábios vermelhos afinar sua bela Les Paul negra que era praticamente uma "Briana em forma de guitarra" enquanto Hazel começava a esmurrar os pratos da bateria assim como a ajustando da forma mais confortável para executar a sua performance. Jade conectou seu baixo e dedilhou nas quatro cordas grossas do seu baixo marrom, ela fazia aquilo com tanta confiança, técnica e segurança.

— Doris - chamou Briana - você de agora em diante é a nossa fã oficial, certo?

— Sou?

— É sim, e por isso você vai ter a honra de escutar o nosso single em particular. Pagariam milhões para estarem no seu lugar!

— Você vai ouvir em particular assim como os vizinhos que já escutaram. - brincou Jade enquanto acendia um cigarro em sua boca.

— Bem lembrado Jade, obrigado.

— Tudo bem então, uma grande honra! - brinquei com as garotas - Qual é o nome do single?

Briana pegou o cigarro dos lábios de Jade e deu uma tragada, achei aquilo tão incrivelmente sexy, a forma como elas se relacionavam mesmo num simples gesto.

— City of Angels , é o nome.

Disse, Briana me jogando um olhar de aparência fria e ao mesmo tempo delicada, segurando o cigarro de Jade manchado agora pelo batom vermelho da garota gótica. Dos seus lábios o cigarro volta para Jade e ela acena para Hazel como uma forma de dizer "vamos nessa, vamos mostrar para essa garota o nosso som".

Hazel bateu suas baquetas e os amplificadores tremeram. O som era contagiantemente estrondoso com rifadas pesadas e um baixo bem marcante e rápido, era como se Briana estivesse rasgando as cordas da Les negra com teias de aranha, e então ela soltou a letra:

"Its going down tonight in this town

Cause they stare and growl

They all stare and growl

I take a scar everytime i cry"

(O sol está se pondo esta noite nesta cidade

Porque eles olham e urram

Todos eles olham e urram

Eu ganho uma cicatriz toda vez que eu choro)

A voz de Briana lembrava uma Coutney Love mais poderosa, mais gótica, como se soltasse o verbete de ódio em uma entonação. Se eu Doris Birnfield, tentasse chegar às notas de Briana, com certeza detonaria as minhas cordas vocais.

Na época relacionei o que ouvi da Insane como Punk, porém mais tarde elas foram classificadas como Rock Alternativo ou Punk Rock, Gothic Punk...Mas para mim elas vão ser eternamente INSANAS!

"They say

this is the city

The city of angels

All i see is dead wings "

(Eles dizem

que esta é a cidade

A cidade dos anjos

Tudo que eu vejo são asas mortas)

Logo mais vinha o refrão completamente sem sentido e que se repetia e me fazia querer desesperadamente socar alguém e banguear meus longos cabelos completamente contagiante, e quando percebi esqueci da timidez diante das novas amigas.

Obviamente em 2004 as garotas não estavam dotadas dos melhores equipamentos de música nem dos amplificadores necessários e o som era bem sujo, mais idiota seria aquele que apontasse para elas e dissesse que aquilo não era uma boa música, ou melhor, que não se contagia com o som das garotas.

Todo o visual nada convencional de cada uma delas e sua personalidade confrontante, transportava para a música o que elas eram puramente, e de certa forma, todo se conectava em perfeita harmonia, se completavam. Elas detonam!

Eu não fazia ideia do que a letra da música poderia significar mas logo percebi que nada naquelas garotas fazia sentido, era como se elas confrontassem o mundo dali daquela garagem suja com paredes forradas de coisas sem sentido que eram tão a cara delas.

"So here we are Los Angeles

No angels singing in your valley of unease

I watch the sun roll down the pacific

Over hookered sunset strip"

(Então nós somos Los Angeles

Sem anjos cantando em nossos vales de preocupação

Eu assisto o sol afundar no Pacífico

Striptease do sol)

Este verso da música não me soou tão estranho quando conheci melhor a história das garotas, elas tentaram a vida da música em Los Angeles uma vez, assim como eu. Com promessas vazias de uma gravadora e um produtor musical. São“crianças”, eles disseram. As garotas achavam que o alternativo poderia ser qualquer coisa: "todos podem tocar, e da forma que quiser. Você é livre pra fazer o que quiser, desde que curta isso", sem completa e total experiência em música, e é claro que um "cai fora" foi o que ganharam de Los Angeles. Sempre com a intenção de revolucionar o mundo, a Insane chorou naquele dia, mas levantou a cabeça e seguiu mais forte. Deixaram a ideia de Los Angeles e voltaram a São Francisco mais experientes e com novas inspirações para o seu som. Sua cidade natal ainda não havia dado oportunidades, mas depois de Los Angeles, este lado do Pacifico teve a água com sabor menos salgado para a Insane, estava às dando força antes de elas estourarem exatamente com a sua forma de mudar o mundo.

"They say

this is the city

The city of angels

All i see is dead wings"

(Eles dizem

que esta é a cidade

A cidade dos anjos

Tudo que eu vejo são asas mortas)

Quando o refrão repetiu pela última vez, eu estava repetindo a letra da música que não parava de ecoar na minha cabeça, era muito ... Insano?

— Isso é incrível ! Caramba meninas vocês são demais !

Falei animada e elas mostraram o seu lado tímido.

— Nossa, eu não esperava que ...

— Sério meninas vocês são muito boas! Adorei essa musica, quem a compôs ? - falei interrompendo Briana

— Um pouco de cada, eu acho - disse Hazel em seu belo sorriso, e então as garotas riram juntas de forma tímida.

— Meninas, sabem em que eu estava pensando agora - disse Briana depois de afinar o seu instrumento, mudando o foco do meu olhar.

—No que ? - arrisquei perguntar.

— No teste da escola. Sei que não é “o grande teste das nossas vidas”, mas realmente queria estudar mais a sério música, pela banda sabe. - Briana responde.

— Ah Briana desencana. - disse Jade de uma forma engraçada - Vamos curtir o nosso som agora, não é mesmo Doris?

— Ha... é claro, por que pensar nisso não é mesmo ? - falei e Briana sorriu para mim - Aconteça o que acontecer vocês serão incríveis!

— Você quis dizer nós, não é? - insistiu Briana - Já que está aqui você é uma de nós, quer entrar na banda? Seria legal ter um som mais pesado com influência do ... Metallica... Ride The Lightning, não é ?- ela fez referência a minha camiseta.

Fiquei completamente sem reação talvez fazendo uma cara de boba paralisada.

— Obrigado mas... Quero dizer, vocês são muito boas! Não há necessidade de… Ride The Lightning?

— Menina você precisa relaxar e se divertir um pouco. Garanto que você deve ter muito talento por debaixo dessa camiseta enorme do Metallica e só precisa deixar fluir! - disse Jade

— O que tem de errado com a minha camiseta?

— Ela é E-N-O-R-M-E ! - Jade deu ênfase

— Eu sei, tem razão. - falei esticando e olhando para a minha camiseta - Estou trabalhando nisso.

Jade ergueu uma das sobrancelhas e Briana deu um sorrisinho maroto.

— Enquanto você tenta podemos melhorar o seu figurino. - disse Briana empolgada

— Espera, qual o problema ?!

— Bem é ... nada que uma boa inovada no estilo não resolva. Você é uma Insane agora.



***



Dia do teste.

Fiquei receosa a respeito daquele teste. Será que eu era a altura? Nunca duvidei da minha capacidade, sou confiante em relação a isto, sempre fui elogiada pelos mestres de musica, estudo com paixão e jamais serei arrogante em pensar que nunca tenho algo a mais a aprender com alguém. Mas ali naquele lugar novo, e a palavra “avançada”, fazia com que eu tivesse a lembrança de Ulisses tão forte que acabei com borboletas no estômago. “Vamos lá Doris, você nunca se sentiu assim antes, o que está acontecendo?”

Não disse nada aos meus pais a respeito do teste de música na escola, é claro, segundo eles o meu foco nesta escola seriam os estudo e a minha faculdade. Nada de “distrações”

O teste estava marcado para uma terça-feira depois da aula, isso depois de duas semanas que eu e Briana havíamos feito a inscrição, parece bastante tempo, porém foi muito pelo contrário. Tanto eu como a bruxinha estávamos nervosa! Eram para aulas avançadas!

Estava completamente enjoada enquanto Briana tagarelava alguma coisa ao meu lado.

Andei pelo corredor do segundo andar com a minha velha guitarra vermelha nas costas. Olhei ao redor e aquele lugar só tinham garotos.

— Aqui é o teste para as aulas de música?

Briana perguntou a um garoto que era um pouco mais baixo que eu, magro de cabelos ruivos laranjinha até a altura dos ombros. Parecia ser mais velho do que eu, e estava com sua guitarra.

— Música avançada? É sim ! – ele sorriu, o que me deixou desconfortável. Um belo sorriso. – Hoje é o dia para os testes de guitarra.

— Tem um dia para cada instrumento ? - arrisquei perguntar e fazer amizade.

— Eu te falei isso agora pouco Doris - Briana riu se voltando para mim - Se não o resto das garotas estaria com a gente!

— Ora! Desculpe Briana.

— É, pelo que entendi. – o garoto coloca sua guitarra apoiada ao chão - Mathias Lendon – ele estendeu a mão.

— Doris Birnfield ! – apertei a mãe dele.

— Briana Doughton!

— Eu sei, você esta na minha classe de história - e então Mathias aperta a mão de Briana.

— Ah, quero dizer, estou?

— Sim, como não perceberia a garota com a mochila em forma de caixão - Mathias disse e eu ri.

— Bem, é a minha marca registrada.

Enquanto Briana e Mathias conversavam, olhei para além do garoto ruivo, mais especificamente no início da fila que se formou atrás da porta da sala de música, onde seria realizado o teste. Percebi logo adiante pernas de um garoto, o primeiro da fila, ele estava sentado no chão, aquilo chamou a minha atenção.

— Que maluco, parece estar bem ansioso pra fazer este teste. Isso que é vontade de entrar para a turma avançada. – comentei.

— Ah sim, ele está! Na verdade ele está falando neste teste a semana toda. Ou será que a mais tempo que isso?… não sei. Mas ele foi um dos responsáveis por finalmente esta escola abrir aulas extracurriculares de musica, principalmente para músicos que pretendem aprimorar as suas habilidades. - ele riu, de forma irônica – Ele não parou de tocar ali sentado no chão desde que chegou, é bem deprimente. Mas o cara é bom, manda muito bem na guitarra, nem precisa fazer o teste. Ele é amigos do professor, eu acho, não sei bem.

— Que maluco. – eu ri – Conhece ele?

— Infelizmente. – ele sorri – É da minha turma em pelo menos metade da minha grade e estudei com ele faz… quantos anos? Não importa. O primo dele é amigo de um dos meus parceiros, só que este cara é mais gente boa, pena que ja tenha saido dessa escola, sorte a dele! – Mathias fez uma cara engraçada.

Confesso que gostei de Mathias, da sua simpatia e do seu senso de humor na medida, ele parecia ser legal logo de cara, e sempre foi alguém com quem se é bom trocar uma ideia aleatória. Sabia falar sobre tudo, e não havia assunto que Mathias não tornasse interessante. Realmente um grande amigo.

— Ah, tenho aulas com ele… ou já tive. Não é um cara muito simpático. – Briana disse rindo fazendo careta.

— Não é muito simpático! - Mathias ri com o comentário de Briana. - vai me dizer agora que nunca saiu com esse cara? Ele sai com todas as meninas!

— Saiu com todas as meninas?! Ha! Aqui estão duas moças que não sairam com ele e nem ouviram falar sobre ele! Caramba, quanto machismo, chega a me enjoar! Que babaca. – Briana disse rindo fazendo careta.

— Babaca? Já falou com ele Briana?

— O que? Não, meu caro, aqui está uma garota que não se conquista assim ! Não como estas garotas que curtem caras que são músicos. Isto porque eu conheço música, e o cara tem que ser muito a minha altura para eu me interessar!

— Briana, você está nervosa.

Eu tive que rir dela. Tecnicamente Briana não era nada alta, e isto foi a primeira coisa que pensei, mas quando se trata de música…

Mathias olhou novamente para a direção do garoto no chão:

— Qual o problema de caras loiros de cabelos compridos e músico?

— Garotas adoram músicos! – Briana disse revirando os olhos – A não ser que você entenda tanto de música quanto o garoto.

— Que seja a altura dele, não é Briana? - falei rindo, mas ela não deu importância.

Apenas disse antes que o Sr. Alder, o professor, passasse por nós no corredor.

—Boa tarde !

Ele exclamou de longe. Todos responderam e eu só o observei, o avaliei na verdade. Ele tinha uma voz grossa, era um pouco mais baixo e aparentava ter quarenta anos. Tinhas algumas tatuagens discretas (já que era professor), e com um andar engraçado. Cabelos ralos e finos caiam sobre seus ombros, um rosto gentil de um homem que viveu pela música e para ensinar música a sua vida toda. Ben Alder era mestre em música com um currículo de formação e experiências de causar inveja em muitos, com oportunidades raríssimas de bolsas em universidades pelo mundo, além de um ouvido afinadíssimo que sabia identificar todas as notas, seja qual for a complexibilidade, ele identificava e reproduzia, um dom raro que foi premiado ao nascer.

— Duas senhoritas ! – ele disso ao ver eu e a gótica ao meu lado - Isso é novo para mim numa classe de guitarristas. - ele me fez rir- Sejam bem vindas senhoritas.

O garoto “primeiro da fila” se levanta. Percebo que ele é o mais alto, mais do que eu, consigo ver seu cabelo loiro o qual Mathias se referia.

— “Duas senhoritas” blé! - Briana imita o professor fazendo caretas - Bem observado! Senhor machista!

— Porque seria estranho? – pergunto a Mathias, assim que o professor abre a sala.

— Garotas não tocam guitarra avançada?- ele perguntou levantando as sobrancelhas.

— Ta me respondendo com uma pergunta? – brinquei com ele.

— Mathias!

— Briana?

— Pare de ser machista! Você é um cara legal, estava começando a gostar de você!

O garoto loiro entra na sala. Eu, Briana e Mathias nos sentamos no chão e não trocamos nem mais uma palavra, apenas ouvíamos os solos do garoto loiro, sua ansiedade de tocar estava explícita agora, ele era muito bom! Pelo que conseguimos ouvir ele arrebentava! Isso me dava mais medo ainda! Ele não era um simples músico que Mathias me descreveu, ele era avançado.

Ao término do seu teste, o loiro saiu da sala com seu dever cumprido. Parecia bem confiante, e ali percebi a sua arrogância. Percebi não somente isso mas, ele me lembrava algo. Algo? Algo que estava no fundo dos meus pensamentos, tão fundo que eu não consegui tirá-lo de lá. Alder, orgulhoso pelo teste de seu novo aluno, sai da sala o parabenizando enquanto chama outro aluno para fazer o teste na sua sala.

O garoto arrogante passa por mim orgulhoso. Ele me encarou por alguns segundos, e eu encontrei os seus olhos. O que eram aqueles olhos? Um tom azul claro, um olhar profundo e marcante.

Ele me lembrava algo, alguém.

O que era?

— Qual o nome dele? – perguntei a Mathias.

— O que? Ah, Lindstorn ... James Lindstorn.

Paralisada sem dizer nada por um tempo, foi como um arrepio quando se sente o vento frio tocar a sua pele. Meu coração acelerou ao ouvir este nome. Ainda encarando o chão sorri de forma boba, era ele mesmo? Como poderia?

Este som , o fato de ele ser tão bom no instrumento. Era ele!

— Que bicho te mordeu Doris? – Briana passa a mão na minha frente para me tirar dos meus pensamentos.

— Não vai me dizer que se apaixonou por ele ! Você era a única garota legal que eu conheci - brincou Mathias.

— Não ! – expressei e os dois ao meu lado riram – Só acho que conheço ele.

— De onde ? – Mathias pergunta numa voz desafinada.

— Não sei ao certo...

Encarei o rosto de Briana que fazia uma expressão confusa. Bem, ela não era a única confusa ali.



Hora do meu teste. Deixei para ser a última. Briana já havia detonado com seu som sujo e Mathias me causou pavores quando desmanchou no seu ponto forte com blues e jazz .Demorou um bom tempo eu já estava ansiosa e nervosa.

— Os últimos serão os primeiros! – Sr. Alder brinca, e me fez rir.

Me sentei em um banquinho no meio da sala. A sala era de música, então tinha algumas notas musicais coladas na parede e alguns folhetos básicos sobre música também colados nas paredes. Haviam instrumentos espalhados pelos cantos e uma enorme bateria ao fundo. Um quadro com desenhos de partituras e notas desenhadas em giz. Haviam alguns tambores e instrumentos grandes de sopro da banda da escola, além de um belo piano ocupando o canto da sala.

— Você é um pouco alta – ele brinca.

— É ...- falei de forma desconfortável.

— Poderia ser modelo ou atleta , porque se interessou pela música ?

— Não acredito em determinismo

— Bom, me mostre o que sabe, senhorita...- ele me fez uma mesura e olhou para uma folha de papel na mesa a sua frente - Birnfield! Este nome não me é estranho, mas ok. Mostre-me o que sabe.

— Sim!

Claro Doris!

Foi o que fiz. Mostrei o que eu sabia. Não me recordo o que era. Eu tremia.

Toquei um pouco daquilo que gostava quando ele me perguntou minhas “influências”. Estava tão perdida, não dava pra saber ao certo o que ele queria ver. Sr. Alder não dizia uma palavra, apenas observava. Depois ele me fez um questionário o qual eu respondi oralmente juntamente com o instrumento sobre a parte de teoria musical. O professor não expressava emoções! Mas ao final, sabia que tinha me saído muito bem, e estava mais tranquila ao notar que respondi sem exitar todas as perguntas que me fizera.

Me levantei então para sair.

— Como você toca? – ele pergunta, antes de eu sair da sala.

— Como assim?

— Com quem aprendeu?

Balancei a cabeça em resposta tentando pensar em alguma.

—Bem, eu acabei de voltar de Los Angeles. Tive alguns professores de música. Na verdade muitos e …

—Você tem uma voz doce, firme. Soa bem aos meus ouvidos, sabe cantar? Quero dizer…

—Fiz algumas aulas mas, não me sai tão bem quanto nos instrumentos de corda. - respondi um pouco tímida.

—Ah,tenho certeza que se saiu bem sim, só não foi tão seduzida quanto foi pelo som poderoso da sua guitarra. Bem, se sua voz tem pelo menos um pouco da técnica e da beleza que é você tocando então sei que é ótima!- ele disse em um sorriso carismático, me deixando mais encabulada - Ah, não estou tentando cativar você nem nada, não quero assustá-la mas acho que já ouvi falar do seu nome, em algum lugar.

— Talvez possa ter ouvido sim- apenas falei, me remetendo a memória de Ulisses - eu acho.

— Conheci uma banda com um cara que tem esta… técnica. Não sei. Faz muitos anos. Esqueça o que eu disse! - ele me forçou um sorriso. - Muito bem, gostei de você senhorita. Veremos o que farei com sua… técnica. Amanhã terá o seu resultado no mural.

Fiquei imaginando se aquilo era um comentário bom ou ruim.

Fechei a porta e fui seguindo pelo corredor. Será que ele havia conhecido Ulisses Birnfield? Ouvira ele tocar? Ulisses devia ser tão bom quanto eu pensava, para ter uma técnica tão marcante que um cara venha a se lembrar até hoje! E um cara como Ben Alder com seu ouvido apurado.

Caminhei pelo corredor com um sorriso no rosto, pensando em meu querido tio. Eu sei que Alder falava dele. Tive vontade de voltar e esclarecer isso melhor, mas esclarecer isto teria de vir logo com um “e ele faleceu”. Não, isto não é algo para se lembrar, deixei que ele apenas tenha a memória de sua técnica.

Foi quando vi o garoto loiro. “James”, meus lábios balbuciaram. Ele vestia uma jaqueta de couro preta e estava encostado na parede no final do corredor. Vinha na minha direção. Apertei o passo, o mais rápido para descer as escadas antes dele chegar até mim.

Encontrei Briana e Mathias que discutiam alguma coisa que eu não dei ouvidos. Meu pensamentos estavam realmente longe. Eles perguntaram como fui no teste e contei tudo a eles, menos a parte que o professor ja havia conhecido um tal outro “Birnfield”, este assunto só interessava ao meu coração.

Em determinado trecho do nosso caminho para casa nos separamos. Não imaginava o quanto minha casa era longe. Mas a vantagem era que antes de chegar a minha rua, pude dar uma olhada em um lugar interessante.

Se você mora em São Francisco e gosta de música, com toda certeza do mundo adora a Aquarius Records Store, uma loja de discos independente e a mais antiga loja de discos de qualquer tipo. Ela tem aquele ar de anos 70, o ano da sua fundação, e é bem conhecida por levar uma seleção obscura de metal, além de claro, todos os outros estilos musicais, digamos que tem de tudo. A loja é relativamente pequena, mas cuidadosamente aconchegante. Desde pequena eu via que as pessoas entravam lá e ficavam um bom tempo olhando os discos, os escutando, nem sempre compravam, mas apenas o fato de estar lá já era bom, e como havia gente! Apesar de nunca ter entrado, agora que estava de volta a São Francisco, nada me impedia de descobrir o porque de ser tão famosa.

Entrei então na Aquarius Records pela primeira vez e estava tocando uma música que não conhecia, devia pertencer a aquelas "boy bands", bem, pop estava cada vez mais invadindo os lares, e eu ainda não havia me rendido. Não que achasse ruim, eu apenas não tinha como diva da música a Cristina Aguilera e muitas outras que eram na época. Tenho certeza que se a Cristina Aguilera fosse minha diva da música na época , eu não estaria contando essa história.

Tinham muitos CDs nas prateleiras, todos separados por gênero, sem falar nos pôsteres de bandas nas paredes, as pessoas conversavam entre si como se ali fosse um ponto de encontro. Outras ouviam música, liam os encartes dos discos ou apenas olhando.

Enquanto procurava algo para escutar, enrolando meus cabelos nos dedos, me virei para o lado, despretensiosamente.

Oh, não! James! Aqui?

“Ei, tem um cara me seguindo!”

A mexa de cabelo desliza sobre os meus dedos.

Espera! Ele esta me observando?

Começava a tocar na loja Misunderstood do Bon Jovi, sigle novo da banda

—Esta a procura de algo em específico moça? Posso encontrar qualquer coisa se precisar.

Me virei, fugindo dos meus pensamentos e vi um ruivo laranjinha (da cor dos cabelos de Mathias, o que me fez rir ao lembrar) de cabelos compridos presos em um rabo de cavalo, usava óculos, era um tanto gordinho com um olhar simpático e amigável. Olhei para o cara ruivo e em seu crachá estava escrito “Lion” , seu nome é claro.

— Não, só estou olhando mesmo. - forcei um sorriso - Você é o dono da loja?- perguntei rapidamente, pois vi um movimento vindo do loiro que me encarava.

— Não, não. - ele disse com simpatia - Apenas trabalho aqui. - e então expressa um largo sorriso – Curta bastante !

— Ah, sim vou ficar até acabar a música. – falei de forma desajeitada me referindo a Misunderstood que tocava no ambiente da Aquarius.

— Não !- ele riu- Estou dizendo o CD. Deep Purple.

Ele disse apontando para minhas mãos, e eu nem havia percebido.

— Ah sim! Distraída! - avaliei a capa do CD - Bem legal!... Mas eu adoro esta música que está tocando.

— Tudo bem então, aproveite !

Eu nem gosto de Deep Purple!

Misunderstood continuava a tocar.

"I should have drove all night,

I would have run all the lights

I was misunderstood"

(Eu deveria ter dirigido a noite toda

Teria ultrapassado todos os semáforos)

Estava para sair da loja quando o garoto loiro passa do meu lado, ele me encara enquanto anda em minha direção, e eu vi os seus olhos azuis novamente.

"I stumbled like my words, did the best I could"

(Eu tropecei como minhas palavras, Fiz o que pude)

E a música termina sua última estrofe.

"Damn, misunderstood

Intentions good"

(Droga, mal entendido

As intenções foram boas)