Casa da Colina

Bem, só talvez eles fossem estranhos... não é?


O quanto o tempo pode apagar?

É possível sentir falta de alguém a ponto de dizer que eu preciso?

Por muito tempo eu precisei dele. Eu senti sua falta.

No dia em que recebi a notícia sobre a morte de Ulisses, não tive tempo de ir até James, falar com, isso nem me passou pela cabeça. É claro eu só tinha dez anos na época, e estava completamente perdida e assustada. Mas falar o que com ele? Que tudo ia ficar bem, assim como os trovões que ele tinha tanto medo? Por que ele não foi até mim? Afinal era o meu tio que estava morto... e o tio dele, pai de Kato, e Ulisses era seu padrinho! Pelo menos ele devia ter me procurado nestes anos todos, ele, Zach e Kato também.

Tarde demais para se lamentar.

Ele não havia mudado tanto, apesar de estar mais velho e mais bonito! Seu cabelo loiro estava mais longo e aparentava uma barba ainda rala em seu rosto. Jaqueta de couro preta, um tanto velha aparentemente, camiseta do Ride the Lightning do Metallica, e o azul da camiseta contrastava com seus belos olhos azuis. Aqueles belos, sempre belos olhos azuis. Ele carregava sua guitarra nas costas.

De impulso até pensei em abraçá-lo, ou até correr, mas isso seria um tanto estranho. Não sabia o que fazer e fiquei imóvel esperando uma reação dele. Ele sorriu. Um belo sorriso, tenho que admitir.

— Doris? – a voz dele era grossa. Quem diria que aquele garotinho havia se tornado um cara... tão gato!

—James? – disse de forma confusa e encarando seus olhos azuis.

E lá estava eu na frente de um cara gato que eu não via há sete anos, e ele me deixou...Boba?

Ele sorriu novamente.

—Caramba!... é … Quanto tempo, eu não acredito! – ele olha para além de mim - Ei Kato, vem aqui cara, olha quem eu encontrei!

James fala em um tom mais alto e fez sinal para o primo que estava logo mais caminhando atrás de mim.

Sem dizer nada me virei, e o que vi foi uma cópia exata de Peter Baker. Kato estava extremamente parecido com seu pai. Estava agora com dezenove anos. Alto, olhos verdes e barba grossa e castanha. Se a intenção dele era se parecer com o pai, ele conseguiu! Fiquei até um pouco assustada. Vestia uma camiseta desbotada do Nirvana e calças rasgadas, despojado porém nada feio, muito pelo contrário, era quase tão bonito quanto James. Sua forma de se vestir combinava tanto sua personalidade. Seus olhos verdes não eram como os olhos azuis dos Lindstorn, era uma herança dos Baker, grandes olhos verdes que apesar da beleza me encararam com certa timidez. Kato sempre fora reservado, mas ao mesmo tempo era gentil e .. fofo.

—Não acredito que é você!

Kato me abraça forte, e eu retribui com o mesmo carinho. Por que eu retribui? Eles eram praticamente estranhos, não eram?

— Olha só, de guitarra nas costas! Que saudades Doris ! Como sentimos sua falta! Por que sumiu?– Kato perguntava várias coisas ao mesmo tempo.- Onde esteve? Para onde te levaram? Não estava em São Francisco, não é?

—A gente te procurou Doris. - disse James - Acho que por toda São Francisco!

Havia uma atmosfera triste nas palavras de James que atingiram o meu coração. Nunca imaginei que eles foram me procurar. Eram apenas crianças, e para crianças existem fronteiras as quais elas não podem ultrapassar.

— Eu… eu fui para Los Angeles.

—Los Angeles !- expressa James- Por que Los Angeles? Qual o problema de São Francisco? Por que foram tão as pressas depois de … depois de tudo!

James parecia exaltado. Kato lançou a ele um olhar de cautela, pelo que pude sentir.

— Minha família... achou que era o melhor pra mim na época ...- respondi olhando de Kato para James, sem saber ao certo o que estava dizendo - Na verdade é uma longa história mas, meu pai nos levou para Los Angeles porque conseguiu um bom cargo numa empresa grande e a proposta foi irrecusável na época.

— Você sempre morou com a sua avó!

—Eles acharam que era bom eu ir com eles. São os meus pais e...

— Não adiantou nada eu imagino. - Kato se encosta em uma das prateleira de CDs. Acho que ele estava interessado em que eu contasse o que aconteceu comigo durante todos estes anos.

—Creio que não. – apenas respondi.

—Os Binrfield sempre foram … - James começa um tanto irritado mas não prossegue depois de encarar Kato.

—Certo... - Kato sorriu, mas com uma interrogação enorme na sua testa assim como um ar de desaprovação pelas palavras de James.

— Zachary iria adorar te ver. - James se enrola nas palavras com um leve sorriso tímido – Quer dizer, a gente acabou de se encontrar mas... - ele coça sua cabeça fazendo uma expressão confusa e engraçada.

—Zachary! Nossa… faz … Uau! - falei enquanto tentava imaginar como estava o meu maninho. - Eu… Ah, meu maninho Zach, eu quero muito vê-lo!

— Você não iria se importar em ir lá em casa... calma , isso deve ser um pouco estranho não é? – disse James ainda nada confortável.

—Hoje? Agora?

—Sim, agora.

— É ! vamos Doris! - acrescenta Kato - Com toda certeza que o Zach vai gostar de te ver! - ele faz uma pausa- Ele é o que mais fala sobre você. Sente muita saudades e vai ficar louco em saber que te encontramos finalmente. Sem falar que moro junto com James agora. E quando chegarmos lá você pode nos contar toda a sua história na grande Los Angeles.

— Sério? Não é uma história lá muito interessante Kato, mas quero muito ver o Zachary! E ficar com vocês e saber o que fizeram esse tempo todo. - falei animada só de pensar em encontrar o meu irmãozinho de alma, e por finalmente ter um tempo para esclarecer as perguntas que estavam em minha mente, porque eu sei que somente estes garotos poderiam me entender. -Porque moram juntos?

— A casa do tio Lizzy é melhor… É melhor pra mim e para a...

— Caramba! Lizzy ! – minha expressão deve ter sido assustadora – E nossa, eu tenho muita saudade até da tia Helena! Meu Deus vocês não tem noção do quanto sinto falta do tio Lizzy!

— Eles também, pode crer! - James acrescenta rindo da minha expressão.

Mesmo sabendo que eu deveria voltar logo para casa, acabei arriscando em ir com eles. Bem só talvez eles fossem estranhos... não é?

Eu não tinha muito a perder. Não sei qual era o problema, mas no fundo eu sentia que estava fazendo algo errado, algo muito errado que traria desgosto aos meus pai. Mas porque? Sinceramente eles não precisavam saber!

—Vamos Doris, qual é o problema!? Somos nós! E faz… quantos anos? Não importa. Vamos com a gente, não vamos te morder! - disse Kato.

—Eu só teria medo da barba do Kato, mas fora isso ele é inofensivo.-brincou James.

—Bem, acho que não há problema em eu encontrar Zach, ou Lizzy. E de conversar com vocês.

—Claro que não! Não vamos deixar você escapar de novo. Quem os Birnfield pensam que são, não é mesmo.

Eu ri com o comentário de Kato sobre a minha família, porém não entendi o significado naquele momento, pois isto eu só saberia mais tarde, bem mais tarde.

Saímos na rua para ir até a casa dos Lindstorn. Seguíamos os três lado a lado até que Kato de um jeito brincalhão, me oferece o seu braço para que eu me engate a ele e ele me guie. Engatei meu braço no dele. Olhei para James que apenas sorriu e fez careta que também me fez rir.

— Não tem medo da barba dele? – James pergunta. Eu e Kato caminhávamos alguns passos na frente de James.

—Não! – eu ri com a pergunta. – Por que eu teria? – com o meu braço livre, estendo para pegar na barba de Kato.

—NÃAAO! –James vem correndo e arranca o meu braço de perto da barba de Kato que rasga sua garganta de tanto rir, assim como eu. – Isso é cheio de bicho!

James pega em minha mão e engata em seu braço, igual como eu estava com Kato, e depois dá um sorriso sem olhar pra mim.

— Então de onde estava vindo? Com instrumento nas costas até imagino de onde veio.- Kato pergunta para mim, depois de desviar de algumas pessoas na calçada.

— Teste de musica. Das aulas avançadas com o Ben. O Sr.Alder. - James interrompe respondendo por mim – Você toca muito Doris! Eu fiquei um tempo esperando você tocar. Quando te vi na fila sabia que era você. Depois de ouvir o seu som não me restou dúvidas. Fui para falar com você mas, acabei te perdendo quando desceu as escadas correndo.

Dei de ombros. Tentando suportar a explosão de sentimentos: “Ele me viu! Me viu tocar! Ele me reconheceu! E eu o ouvi e sabia que era ele!”

— Uau! Certeza que ele gostou de você Doris - disse Kato. – faço aula com ele, muito gente boa. Um ótimo professor de música e um músico incrível, genial. Ele tem o dom da música.

— Vocês parecem ter uma adoração por ele.

— Não é só uma adoração! - expressou James - o cara é quase uma lenda! Ele é amigo do meu pai. Conheceu Ulisses sabia?

—Ah! Conheceu?- expressei apenas, uma confirmação do que eu imaginava. Sim, Ben Alder havia conhecido um outro tal Binrfield.

—Você vai ver que é bem legal ter aula com esse cara. Se aprende muito com ele. - Disse Kato em um meio sorriso de convencimento - Isto porque ele sabe muito, sabe como ensinar é sua paixão! Todo o que sabe tenta passar para os alunos.

—Eu e Kato tentamos por dois anos colocar ele para fazer aulas avançadas. Ele dava aulas de música e iniciação a música na escola. Isso desperdiçava o talento dele! - disse James.

—Bem, Alder parece ser gentil, ele me elogiou. - falei com timidez

—Elogiou? Uau! Ele não elogia a toa.

—Eu sei Kato, eu a ouvi. - James voltou o seu rosto para mim e sorriu, me encarando com seus belos olhos azuis por um tempo.

—Como conheceram ele?-perguntei e a minha pergunta foi seguida por risos dos garotos.

—Otto, a lenda! Lembra dele Doris? -responde James.

—Otto!? Oh não! Como esquecer a lenda!

Eu disse e os garotos cairam em risadas. Vasculhando minha mente eu podia ver a imagem de Otto Austin, com sua risada engraçada, suas mãos que expressavam cada palavra que saia pela sua boca, as sobrancelhas grossas e negras tão negras quanto seus cabelos cacheados.

—É, a lenda.- disse James ainda rindo.

— E onde ele esta?

—Gostaria de te dar uma resposta Doris, mas nem mesmo Lizzy sabe. - respondeu Kato.- Um vez lenda, sempre uma lenda.



Andamos mais algumas quadras, apesar de que onde James morava, não era muito longe da Aquarius Records Store. Não era o mesmo endereço de que me recordava, haviam se mudado há dois anos. A casa era grande com três andares com um telhado triangular, era simples e muito parecida com as casas vizinhas ao lado que contornava uma das ladeiras de São Francisco, exceto pela cor, era de um cinza aparência gélida. Havia alguns degraus antes de chegar a porta escura de madeira. Assim que entrei associei que se parecia muito com a antiga casa que eles moravam, me fazia lembrar da minha infância. O piso de madeira escuro e as paredes brancas, todas elas, o sofá grande vermelho, os mesmo quadros e porta retrato com as mesmas fotos, algumas eram novas.

Observava as fotos e vi o quanto de lembranças e momentos eu perdi. Em uma foto havia Zach, um Zach que eu quase não reconheci. Era um pouco James, mas não era James. Era um pouco de Zachary, mas este pouco era o que eu lembrava dele quando o vi pela ultima vez.

—Zachary ! Zachary! – James chamava pelo irmão enquanto eu avaliava as fotos.

Quem diria, uma foto minha! Peguei o porta retrato. Na foto estava eu com a camiseta do Guns n’ Roses enorme que se estendia até minha canelas, devia ser uma das camisetas de Ulisses, se me lembro bem. Eu usava um All Star Chuck Taylors preto, tio Ulisses com a camiseta do Iron Maiden um pouco arqueado para abraçar eu e James que vestia uma camiseta também enorme do Nirvana, e o detalhe de uma bandana de Axl Rose na cabeça. Se posso me lembrar, devia ser em algum dos shows da Eleonore, mas não me lembro de ter tirado esta foto. Esta imagem ainda esta fresca na minha memória até hoje, e ela ainda está na cômoda da casa dos Lindstorn. É a única imagem que tenho de Ulisses.

— James! vai se ferrar cara! Para de gritar o meu nome!

Disse Zach enquanto eu colocava o porta retrato de volta em seu lugar. Aquele Zach, que não era exatamente o que estava na minha memória, mas ainda sim era o meu Zach, o meu irmão de alma.

Zachary para no meio sala e sorri, um belo e enorme sorriso. Seus olhos azuis brilharam ao me ver.

— DORIS !! – ele da passadas longas para chegar até mim, e sem pensar muito me abraça forte.

Estava com a altura exata a minha, mas não era o mesmo garotinho. Ele estava usando um boné virado com a aba para trás, seus cabelos loiros e longos estavam soltos sobre os ombros ainda magricelos tanto quanto os meus, tinha um semblante mais maduro, e eu não daria 15 anos a ele, se não soubesse a sua verdadeira idade. O encarei, ele era tão bonito quanto o irmão mais velho, apesar de terem poucos traços parecidos como os olhos azuis, a genética predominante de sua família, e os cabelos loiros. Seu sorriso era diferente do de James, era mais acolhedor e resplandecente acentuando os seus traços, iluminando seus olhos e sua personalidade. Mais descontraido e fanfarrão do que James, e nunca, jamais houve uma atmosfera arrogante em Zach, era apenas o Zach o tempo todo.

O abraço novamente tão forte que creio que ele pode sentir os meus ossos, eu não queria soltá-lo, é como se eu sentisse toda a saudade que ele teve. Eu iria chorar, mas aguentei firme, eu não queria passar vergonha.

—Meu maninho !

—Como? – ele se desprende dos meus braços. Ele mantia um sorriso tão lindo em seu rosto. – Como te encontraram? Você sumiu Doris! Ah não mas agora você voltou e vai ficar...– ele se atropela nas palavras, era o mesmo Zach, lá no fundo. Foi como se eu o tivesse visto ontem mesmo.

— Ah, é um longa história, mas estou aqui não é ?

—Ela estava num teste de musica Zach. - Kato passa por nós.

— O que ? Teste? Uau! Esta é a minha maninha. Caramba Doris você esta… esta muito gata!

Zach disse daquele seu jeito de ser descontraído me deixando encabulada. Kato riu do seu comentário e apenas senti o olhar de James que permaneceu em silêncio.

— Ela estava com a guitarra dela, você não viu Zach? Aquele teste pra entrar na classe de música avançada do colégio, o que eu ia fazer sabe, foi hoje a tarde. – James respondeu, mudando de assunto. - Ela é boa cara!

— Não duvido disso ! Ela é minha irmã.– Zach exclama e pega em uma das minhas mãos- Te procuramos tanto Doris, eu realmente não sei… nós não sabemos o motivo de …

—Eu sei, sei bem o que quer dizer.

Haviam tantas perguntas que eles queriam respostas, e havia tanta coisa que eu queria saber. Estar com os garotos parecia ser tão surreal, como se minha vida tivesse feito uma pausa e agora voltasse de onde partiu. Era outro mundo. Contei a eles como foi morar em Los Angeles. Contei do dia em que meu pai me arrastou até o carro me levando para longe. De como foi estar num lugar novo tão distante, e os garotos me escutavam atentamente, coisas que antes a ninguém interessava, mas a eles sim. Eles me contaram todas as tentativas que fizeram para me encontrar, ou de quando me mandaram cartas e eu nunca respondi, das vezes que foram até a casa de minha avó e ela apenas lhes ofereceu biscoitos e disse que me mudei para outra cidade, não dizendo qual. Falaram sobre suas vidas, o que fizeram dela depois disso, nesses sete anos, dos momentos divertidos que perdi ao qual eles diziam “você tinha que estar lá!” ou então “nós lembramos de você”, e eu percebi que os sentimentos não eram tão diferente dos meus.

— Tudo mudou. - começou Kato. - Nossas vidas mudaram por culpa dos nossos pais. Justo quando precisávamos.

—Isso foi tão babaca. Porque afastaram a gente? Qual era o problema?! - Zach se expressa. - As coisas mudaram Kato, mas a gente está unido de novo. Isto é legal!

— Meu pai não queria as coisas assim. - disse James. - Ele...Ele não queria que você se afastasse da gente Doris. Acho que foram os seus pais.

—Ninguém sabia pra onde vocês foram, qual cidade, o motivo de terem sumido…- disse Zach- por muito tempo achei que meu pai estava nos escondendo algo. E isto não fazia sentido, ele sabia que estávamos mal por conta disso. Não fazia sentido dele nos esconder! Até que chegou o dia em que nós desistimos e aceitamos que nosso pai falava a verdade.

—Eu nunca soube porque eles agiram assim também. Meu pais não tocam no assunto. Virou umas espécie de “algo proibido”. - falei. - Não havia como procurar vocês, ligar ou mandar carta. Era como se eu nunca mais fosse ver vocês, e com o tempo eu desisti até de pensar nisso. Mas, quando me disseram que voltaríamos a São Francisco, imaginei que não iria mais os encontrar aqui.

— Não! Isso nunca Doris, nenhum de nós teve culpa. Que babaquisse! - Zach expressa sua opinião novamente. Bem, ele estava certo ao usar este adjetivo. - Isso é ridículo! Não se… proíbe, seja lá o que for! Éramos apenas crianças, que mal teria nisso, de nos manter juntos?

—Pelo menos eu vim morar com o Lizzy. Aqui me sinto melhor. - disse Kato que parecia ter seus pensamentos distantes.

—Fiquei curiosa Kato, porque veio morar aqui? Seria bem legal se eu viesse morar aqui também. - forcei um sorriso para Kato, mas ele permaneceu sério. - Imagino o quanto deve ser divertido vocês todos os dias juntos.

— Minha mãe arrumou outro cara. - ele disse - Não que Chad seja um problema, minha mãe é livre pra fazer o que quiser e ele é um cara legal. Eu só achei que estava atrapalhando a vida dela.

— Mas... - tentei encontrar palavras boas para dizer a Kato diante disso. - Morar com Lizzy é legal e foi uma coisa boa não é? - Forcei o sorriso novamente.

— É! Lizzy é meu pai. - Kato sorriu desta vez. - Sei que você deve sentir falta de Ulisses Doris, tanto quanto eu sinto falta do meu pai.

—Você não faz ideia Kato.

A conversa havia ido para um lado sombrio demais para um reencontro agradável. No fundo da minha memória surgiu uma imagem de Ulisses e Peter juntos rindo. Eu sei que eles estão assim, onde quer que possam estar. Gosto de pensar nisso. Compartilhei as minhas melhores memórias dos dois, e cada um de nós tinha a sua, se algo era esquecido, outro completava.

Tudo aquilo estava meio.. estranho! Quero dizer, não nos víamos a sete anos, eramos crianças da última vez que nos vimos, e de repente parecia que nos vimos ontem! Era uma sensação estranha e boa, não sei como descrever realmente. Eles me envolveram naquilo, me fizeram acreditar que eu nunca fui esquecida e que eu apenas estive fora por alguns dias e não por anos. Consegue entender? Bem, nem eu.



Passei o resto daquela tarde com os garotos no quarto de James e Kato. O quarto tinha coisas entulhadas por todos os cantos com pôsteres de bandas e de mulheres nuas forrando todas as paredes. Havia um beliche no canto, um guarda roupas destroçado sem portas e bagunçado, eles nem se importavam com a bagunça. Ouvimos música no velho toca discos de Lizzy, e pegamos do seu acervo clássico de vinis o Fade of The Dark do Iron Maiden o e Use Your Illusion do Guns n’ Roses que eram meus favoritos, depois vasculhamos os CDs e os garotos me fizeram escutar o 1919 Eternal e o Sonic Brew do Black Label Society do guitarrista mais foda dessa terra, se posso dizer um cara a quem me inspiro, é ele , Zakk Wylde.

Os garotos me contaram sobre sua banda que mantiveram. Por que diabos eles não manteriam a banda e os sonhos só por causa da saída de "um membro", fiquei feliz em saber que eles ainda seguiam com este sonho que eu, assim como eles, ainda mantia vivo.

James era o guitarrista, logicamente, além de que os vocais eram seus, e pelo que entendi compunha a maioria das música, acho que devia ser um bom compositor com letras que saiam da sua mente psicodélica (ele nunca mudou sua forma de compor). Kato ficou com o cargo de baixista (que surpreendente) e compunha também, e como de costume Zach explodia na bateria. Não me surpreendi com esta formação. Eles ainda tem o mesmo sonho que Ulisses, Lizzy, Peter e Otto tinham de que seriam a melhor banda e que "revolucionaram o rock e o mercado da música". Como toda banda é claro. Assim como o sonho das minhas amigas da Insane. Assim como todo músico.

— Qual é o nome da banda ?

— Temos muitos. - disse Kato.

— Já tivemos muito! - disse Zach - Mas nenhum que expressasse o que realmente queremos passar.

— Eu já falei que voto como nome da banda "James and Metal Brothers". O que acha desse nome Doris? - disse James me fazendo rir muito.

— Achei horroroso James!

— E a sua banda Doris? - pergunta Kato. - Esta em alguma? Talvez alguma de Los Angeles.

— Sinto dizer Kato que deixei minha banda de Los Angeles.

— Como assim deixou? - disse James dando um gole em sua coca cola.

— Bem eu tive algumas bandas na escola mas… como vocês mesmo disseram “nenhuma expressava o que eu queria passar” - eu disse dando ênfase fazendo os garotos rirem. - Eu não ia voltar a Los Angeles, e a banda nunca deixou de ser só uma banda de escola. E na verdade eu fui convidada para entrar em uma outra banda esses dias.

— Que banda é? A que te chamou. - perguntou James.- Tão pouco tempo esta de volta e já tem uma banda! E não somos nós!

— Insane, de umas garotas.

— INSANE !? AQUELAS GAROTAS ESQUISITONAS ? VOCÊ ANDA COM ELAS? -expressou James.

— Vocês as conhecem?!

— Não conheço, só ouvi falar que são esquisitonas! - disse Kato.

—Insane da Briana bruxa mochila de caixão ? -expressou James.

—Ela mesma! - respondi rindo

— Da Jade fumaça humana? - perguntou Zach de forma irônica.- Oh não!

—É, Jade exagera um pouco no cigarro.

— E no álcool - completou James

— Mas vocês já trocaram palavras com elas? Viram elas tocarem? Elas são muito boas! - tentei defender. - E são muito legais, inclusive!

— Não dou moral pra banda bem falada na Bay Area. Essas garotas não tem o mínimo de bagagem nas costas e tem gente falando do som delas! - James disse de forma crítica- Até você Doris Birnfield vem me falar do som delas.

— Na verdade, James, elas tem sim muita bagagem! Você nem ouviu o som delas!

— Tenho certeza que é uma porcaria!

—Não! Não é. Elas são minha amigas e eu fui num ensaio delas. São muito boas.

—Boas, boas, boas… Ok Doris já entendi que são boas e são suas amigas. Ser amiga delas e defender eu entendo, quero ver se o som delas é… Decente.

—Está sendo ridículo James.

— Não exagera James! - disse Kato - eu ouvi a banda. E eu concordo com a Doris. Não liga, você sabe como é o James.

—Sim, o som é bom, não nego, realmente não nego - disse Zach- mas elas são estranhas.

— Elas pelo menos tem um nome pra banda.

Os garotos se entreolharam. Fiquei nervosa esperando a bomba que sairia de James. Que péssima impressão Doris, da próxima fica de bico calado. Então Kato soltou uma gargalhada seguida por Zach. James permaneceu sério.

— É. você tem razão. - disse Kato rindo— Desculpa ae pequena! - e ele brinca comigo, tocando no assunto da minha altura - Quando ficou tão alta Doris?

— Sei lá! – falei rindo

— Looouco ! - James expressou nos fazendo rir.

— Se suas amigas convidarem a gente pra ir num show delas, a gente leva o James. — Falarei isso para elas!

—Tanto faz, minha opinião não muda sobre isto.

Disse James se retirando do quarto.

—Não liga pra ele Doris, ele é meio…

—Idiota. - Zach interrompeu Kato. - Você sabe, ele continua um idiota como sempre foi Doris, você se lembra?

— Bem eu… Não sei. - falei me sentindo desconfortável. Tudo estava indo tão bem, eu só esqueci dessa parte de James, que foi acrescentada talvez, já que antes eram “idiotisses” de um garotinho, e agora logicamente ele estava mais velhos e mais… idiota? Como diria Zach.

— Nossa banda é boa ok! Mesmo não tendo um nome. Isso não quer dizer nada. - James voltou ao quarto com outra coca cola em mãos.

—Eu não quis dizer isto James. De qualquer forma, me desculpe por...

— Se estivéssemos com nossos instrumentos aqui você ... - disse Zach com certa restrição em suas palavras olhando de James p

ara Kato.

— E onde deixaram?

Eles olham um para o outro.

— Você tinha uma voz boa Doris. – Kato muda de assunto.

— Não era tanto assim – disse James com desdém, com olhar de desaprovação para o seu irmão.

Apesar do comentário de James eu ri, sem dar importância ao assunto anterior.

— Escutei a sua voz enquanto escutamos música – Kato brinca - enquanto tocava Fade to Black - e ele expressa um sorriso maroto. - É afinada. E sua voz naturalmente é doce, o jeito que você fala sabe? Sua voz soa bem aos ouvidos. Com a técnica certa sua voz deve ser ótima para os vocais. Gostaria de ouvir mais. Quando era mais nova gostava de cantar, você e James, eu me lembro.

— Não se preocupe Doris, não deu pra ouvir bem a sua voz por causa da voz do Kato que cantava junto –James brincou e parecia aos poucos mudar de humor e voltar a ser o James que a poucos minutos criticava as minhas amigas. Nós rimos com o comentário dele, afinal Kato nunca teve uma boa afinação vocal.

— Vocês podiam tocar pra mim um dia. – falei, mudando de assunto.

— Claro ! - Kato exclama - Qualquer dia.

Kato jogou um olhar para os primos.

— É, quando a nossa banda for tocar. - disse James.

— Sim... quaaando ela for.- Zach acrescenta.

Não entendi a expressão deles e muito menos dei atenção. Eles não tocavam com frequência nesta época. Era uma banda desconhecida, quase inativa, mas isto não quer dizer que estava inerte. Os garotos curtiam estudar musica, e acreditavam que somente com o estudo poderiam criar o som perfeito, técnico e único para a banda deles. Repito, ÚNICO, era este o objetivo deles, criar uma marca ao som que produziam. Sempre levaram música muito a sério, muito mais que qualquer coisa, a técnica e o estudo pode ser visível claramente no trabalho deles e quando você escuta o som que eles fazem, você entende o que acabei de dizer, ninguém mais no mundo sabe disso tão bem quanto eu, sei bem porque presenciei.



Era bom estar ali, ouvir música e as críticas com respeito aos álbuns do Iron ou do Metallica. Ouvíamos mais algumas música quando me toquei que fiquei tanto tempo com eles que me esqueci do horário. Numa época em que nem todos tinham celular era extremamente estressante para uma mãe esperar uma filha de 17 anos chegar em casa.

— Preciso ir !

Falei enquanto comíamos Doritos, James fez questão de abrir este salgadinho em específico.

— Não ! Fica mais poxa ! Você vai sumir de novo! – Zach se pronuncia.

—Não vou sumir maninho, não vou!

— Só não deixa a gente de novo, ok?

— Claro Zachary! – o abracei forte. Um abraço tão bom do garoto loiro.

—Poderia esperar o meu pai, ele logo vai aparecer e …

— Eu realmente preciso ir. Mesmo que eu esteja com saudades dele e da tia Helena. Digam que estive aqui. Eu vou voltar, algum dia. Eu acho…

—Vai mesmo Doris? Não sinto firmeza. - James encontra os meus olhos, os dele tão bonitos.

—Eu vou James. A gente não se separa mais, não é? - forcei um sorriso para os garotos. Nem eu mesma sabia se iria mesmo voltar, mas tentei fazer eles acreditarem. - Preciso mesmo ir agora.

— Eu acompanho você. – disse James enquanto lambe os dedos- Só preciso lavar as mãos – ele olha para as mãos sujas de Doritos.

James me acompanhou até a porta. Chovia do lado de fora e eu nem tinha notado enquanto estava lá dentro.

— Não quer esperar a chuva passar ? – James pergunta – Espera meu pai chegar, ai ele te leva em casa, certeza que ele iria querer te ver.

—Não , preciso ir mesmo. – o encarei. Ele entrega a minha guitarra e minha mochila. - Obrigada James.

— Tem certeza? Você vai se molhar. E molhar a sua guitarra.

— Por que se preocupa tanto ? - perguntei forçando um sorriso e ele apenas me encarou e deu de ombros. - Você pode levar a minha guitarra amanhã no colégio? Vai molhar com a chuva.

—Pode deixar, eu levo. Vai ser a minha garantia de te ver de novo amanhã.

Coloquei a touca do meu casaco. Peguei minha mochila. De impulso pensei em abraçá-lo, mas não.

— Tchau James. - dou um passo. Ele pega na minha mão e me puxa.

— Até mais Doris Birnfield. – e beija a minha testa. Seus lábios são quentes e molhados. Volto os meus olhos para os dele.— Acho que te vejo amanhã.

Ele disse por último. Dei as costas correndo no meio da chuva. Nem sabia ao certo onde estava, e mal sabia o caminho até ali. Mais eu iria voltar, de qualquer forma eu iria vê-lo no dia seguinte.

Em meio a chuva, olhei para trás e James acenou para mim. Abracei a minha mochila e corri pela chuva. Que dia louco.