Cartas Do Passado

As revelações de Rosings (parte 2)


“16 de Dezembro de 2002.

A família de Charlotte ficou encantada com o lugar, com as pessoas e, principalmente, com Nicolas. Contentes pelo sucesso da moça, resolveram voltar a Nova York. Lizzie já havia combinado com Charlotte de permanecer em Santa Clara até o final de mês.

Com a diminuição dos visitantes, Charlotte e Collins acharam melhor que ela viesse para a casa e Elizabeth ficasse em seu apartamento. Facilitaria, inclusive, o trabalho de deslocamento da amiga.

Neste dia, Darcy chegara a Santa Clara, trazendo consigo um grande amigo, Brandon, membro da Scotland Yard, para passar o natal. Apesar de não desejar rever Fitzwilliam, Lizzie estava curiosa para saber como os futuros noivos se tratariam. Existia algum sentimento entre Anne e Darcy?

William Collins sentiu que necessitava ir cumprimentá-los e dar-lhes as boas-vindas. Qual não foi sua surpresa, porém, quando Darcy e Brandon decidiram acompanhá-lo de volta? Enquanto os rapazes se preparavam para a visita, Collins discou de seu celular e avisou os três que haviam ficado na casa.

- Lizzie, deve ser por sua causa! Darcy não teria outro motivo para nos visitar, pois jantamos na casa de Lady Catherine frequentemente.

Elizabeth logo refutou esta ideia.

- Que pensamento estranho, Char. Se foi Darcy quem disse que eu não era bonita o suficiente...

Nicolas riu.

- Não significa que ele não mudou de ideia, prima.

A moça quis protestar, mas foi informada da chegada das visitas.

Brandon era alguns anos mais velho que Darcy e, apesar de não ser um galã, tinha os modos mais elegantes e amáveis deste mundo, era um perfeito cavalheiro. O amigo, porém, não havia mudado em nada: Fitzwilliam se mantinha distante e taciturno. Enquanto Brandon a cumprimentara animadamente, Darcy, que teoricamente possuía sentimentos por Elizabeth, dedicou-lhe apenas um aceno de cabeça.

Rapidamente, o novato tomou a atenção. Gostava de conversar e era muito sábio. Elizabeth encantou-se por sua jovialidade.

Darcy, que se sentara perto dela e estava há alguns minutos em silêncio, resolveu saber da família de Lizzie.

- Vai muito bem, obrigada. – Silêncio. – Jane passou este final de ano em Londres, Darcy. Não a encontrou?

Elizabeth sabia muito bem que o rapaz não encontrara sua irmã, mas a perturbação que tomou conta do semblante de Darcy a deixou muitíssimo desconfiada.

25 de Dezembro de 2002.

Como Lady Catherine tinha visitas em sua casa, na maior parte do tempo era ela quem os visitava (para fazer, obviamente, várias críticas à casa de Collins). Só retornaram à casa da mulher no dia de natal e, ainda assim, o convite fora marcado para depois da ceia. Em outras partes, sabia Elizabeth, aquele tipo de preferência seria visto com maus olhos; aqui em Santa Clara, porém, era Catherine quem mandava e, portanto, o convite foi aceito.

Era óbvio que foram convidados somente por educação, pois a mulher não lhes dispensou a atenção, só sabia falar com Brandon e Darcy.

O amigo de Darcy, porém, parecia contentíssimo em vê-los. Tudo o que fosse diferente da família de Lady Catherine o aliviava (era constante alvo de atenção da “Inquisição de Bourgh”). Elizabeth era a que menos se importava com a tia de Darcy, de modo que Brandon lhe dedicou afeto especial desde o início.

Em pouco tempo estavam sentados juntos e conversavam alegremente como se fossem velhos amigos. Lizzie sentia que não havia se divertido desde que chegara àquela cidade, Brandon era um rapaz maravilhoso!

A conversa entre eles era tão animada que logo chamou a atenção de todos, em especial a de Darcy, que não conseguia parar de olhar na direção dos dois.

- O que os dois tanto conversam e riem, Brandon? – perguntou Catherine, aborrecida por lhe roubarem a atenção.

O rapaz encarou Elizabeth e, com um sorriso travesso, respondeu:

- Falávamos de música, senhora.

- Não me chame de senhora. Se estão falando de música, podemos participar da conversa. Depois dos negócios, a música é minha atividade preferida. Poucas pessoas no mundo a apreciam tanto quanto eu. Se houvesse me dedicado somente ao piano, seria uma intérprete famosa. E também o seria Anne, mas o legado de sua família não permite que se distraia. – Virando-se para Darcy, perguntou: - Georgiana tem praticado?

- Muito, tia. O piano é uma de suas grandes paixões.

- Fico muito satisfeita em saber. Nunca se pode alcançar a perfeição sem a prática!

- Pois pode ficar tranquila, Georgiana segue tal conselho à risca.

- E deve mesmo. Já ofereci a Elizabeth que venha praticar seus talentos musicais no piano da governanta, onde não incomodará ninguém.

Darcy enrubesceu envergonhado pela grosseria da tia e calou-se.

Como Lizzie houvesse prometido tocar uma música no piano, logo foi obrigada a cumprir este acordo.

Elizabeth sentou-se em frente ao instrumento e Brandon puxou uma cadeira para perto dela. Logo os outros ignoravam os dois e conversavam entre si.

Darcy logo se afastou da tia e se postou perto do piano, tencionando observar o rosto da intérprete. Percebendo o gesto do rapaz, Lizzie virou-se e disse-lhe, um sorriso travesso nos lábios:

- Sei que Georgiana é uma estrela, Darcy, mas não me sentirei intimidada. A coragem, nestes casos, supera minha vergonha.

- Não poderia alarmá-la mesmo se quisesse, Elizabeth. Sei que tem a tendência de expressar opiniões que não são as suas e...

A moça nem esperou que ele terminasse. Rindo, Lizzie se voltou para Brandon:

- Darcy está tentando fazer com que não acredite em nada do que digo, mas posso revelar coisas que o escandalizariam, Brandon. – Virando-se novamente para Fitzwilliam, desafiou: - Devo continuar?

Enigmático, Darcy sorriu.

- Não tenho medo de você, Lizzie.

- Conte-me tudo o que sabe! – pediu Brandon.

- Prepare-se para se horrorizar. Conheci Darcy em uma festa – uma festa! – e sabe o que fez? Nada! Ficou parado com um grupo, desdenhando de pobres mortais como eu! Não tente negar, Darcy!

- Excetuando-se Isadora e meu próprio grupo, não conhecia mais ninguém.

- Devo concordar: não se deve fazer amizades em festas. – Rolou os olhos e mirou Brandon:- O que devo tocar agora?

- Talvez eu devesse ter tentado me apresentar, mas não me sinto confortável em fazê-lo com estranhos.

- Devemos perguntar, Brandon, por que um rapaz tão bem recomendado não se sente confortável com estranhos?

- Não tenho o talento de conversar com pessoas que não conheço, Elizabeth, como outros fazem.

- Não toco piano tão bem quanto sua irmã, por exemplo. Mas continuo submetendo-me ao ridículo, pois sei que isso se deve à falta de prática.

Novamente, Darcy sorriu:

- Temos algo em comum, Elizabeth. Aposto que jamais tocaria piano para estranhos.

Foram interrompidos por Lady Catherine que, novamente, queria saber da conversa. Aproximou-se do grupo:

- Elizabeth seria magnífica se praticasse, Darcy, mas não como Anne.

Lizzie levantou os olhos para o rapaz, a fim de ver como ele reagia à menção da prima. Não pôde, todavia, notar qualquer traço de afeição.

No dia seguinte, Elizabeth decidira acordar um pouco tarde. Todavia, a campainha do apartamento de Charlotte não parava de tocar.

- Oito horas da manhã! Quem é o bastardo?

Arrependeu-se ao pensar que seria Charlotte, só poderia ser ela. Nem se preocupou em retirar o pijama de bolinhas ou pentear os cabelos.

Assim que abriu a porta, quis morrer: não era Charlotte, era Darcy!

A surpresa dos dois era hilária.

- Desculpe-me, pensei que Charlotte também estaria em casa.

Elizabeth, engolindo a vergonha, convidou-o para entrar e se sentar. Não conseguiam, porém, engatar um assunto por mais de dois minutos, o constrangimento era enorme. Lizzie decidiu puxar assunto:

- Partiram tão cedo de Nova York, Darcy! Espero que estejam todos bem.

- Estão, obrigado.

Novamente, o silêncio.

- Ouvi dizer que Charles não quer voltar.

- Nunca o ouvi dizer isto, mas é possível. A vida social de Bingley é muito intensa.

Aquietaram-se novamente. Darcy percebeu que era sua deixa:

- O apartamento de Charlotte é muito bonito, minha tia fez um bom negócio para ela.

- Com certeza. Primo Collins não se cansa de repetir a mesma frase a todo momento.

- Ele realmente encontrou uma pessoa perfeita para cuidar de Nicolas.

- Concordo plenamente, Charlotte é uma das únicas pessoas sensatas que aceitaria este emprego.

- E em um local tão próximo da família!

- Considera mesmo próximo? É do outro lado do país, Darcy!

- Pense que poderia ter sido em outro país, certo? – Novamente havia aquele sorriso desconexo na face do rapaz. – Vê, Elizabeth? Esta reação é proveniente de seu amor por Nova York. – Aproximou a cadeira da dela e concluiu: - Não deve ter morado sempre naquela cidade!

A surpresa nas faces de Elizabeth o fez recuar. Afastou a cadeira e passou os olhos pela pequena sala.

- Agrada-lhe Londres?

E, apesar de Elizabeth conhecer razoavelmente a cidade, Darcy passou a lhe descrever animadamente cada parte daquela cidade.

Charlotte resolvera visitar Lizzie e foi surpreendida pela presença do rapaz. Darcy logo se despediu e deixou o local.

- Lizzie, Lizzie, ele está louco por você! Por que viria procurá-la em meu apartamento? Collins comunicou Lady Catherine de sua estadia temporária!

- Ele quase não disse nada, Char. Ficou surpreso em me ver em seu lugar e não quis ser indelicado.

A amiga não pôde deixar de concordar.

A presença de Darcy se tornou freqüente também na casa dos Collins, o que os deixava confusos. Não havia nada na habitação que o “castelo” de Lady Catherine não possuísse.

Charlotte ficara muito desconfiada da afeição de Darcy por Lizzie, mas, apesar de observá-lo e notar que ele olhava muito para a amiga, não havia nada que provasse suas suspeitas.

Uma frase, porém, a deixou convencida:

- Elizabeth, espero que vá morar em Londres algum dia. – Enquanto para a amiga ele estava se referindo claramente a Brandon, Charlotte tinha uma certeza cruel de que ele se referia a si mesmo.

28 de Dezembro de 2002.

Elizabeth estava caminhando ao redor do quarteirão dos Collins, esperando que o trabalho de Charlotte terminasse, quando avistou Brandon em sua direção.

- Gosta de caminhar por aqui?

- Algumas vezes, sim. Hoje venho com o objetivo de visitar os Collins.

- Ótimo, voltemos juntos. Brandon, vai embora amanhã?

- Sim, mas somente se Darcy não adiar a partida. Estou aqui como seu convidado.

- Não conheço ninguém que goste tanto de satisfazer os próprios caprichos.

Brandon riu.

- Realmente, Darcy gosta de fazer o que quer. Aliás, Lizzie, todos nós gostamos, mas Darcy tem condições para isso.

Ficaram em silêncio por algum tempo.

- Por que ele não encaminha a própria vida, Brandon? Parece-me protetor demais com a irmã...

- Georgiana – e os olhos do rapaz brilharam. – Ela ainda é muito nova, Lizzie.

- Mas é somente dois anos mais nova que eu!

-Por isso mesmo – e riram.

– Soube que a menina é grande amiga de Caroline Bingley.

O olhar de Brandon se tornou um pouco duro.

- Realmente. O irmão também é um cavalheiro admirável – mas havia algo em sua voz que contrariava o que dizia. – Darcy lhe devota grande carinho. Soube, inclusive, que ele o salvou de um relacionamento claramente desastroso.

O coração de Elizabeth disparou.

- Como?

- Não conte a ninguém, seria terrível se a moça descobrisse. E lembre: não tenho certeza de que é Bingley este rapaz. Darcy dissuadira o amigo de namorar uma moça claramente inadequada.

Os olhos de Lizzie queimaram, mas ela se manteve firme.

- E qual o motivo?

- A família dela.

- E o que fez para separá-los?

- Isso realmente não sei, Lizzie. – E a olhou sorrindo, mas logo percebeu a comoção da moça. – Você está bem?

- Estou – respondeu, mas se sentia furiosa. – Com que direito ele interferiu? É por acaso dono do sentimento de outras pessoas? – Percebendo que logo entregaria sua posição na história, Elizabeth abrandou o tom. – Pode ser que o rapaz nem gostasse da moça.

- Pode ser, mas isto diminui bastante o mérito da ação de Darcy.

A partir de então, falaram de coisas banais.

Um desafeto enorme crescia no peito de Elizabeth: Caroline e Fitzwilliam haviam conspirado contra a felicidade de Jane!

Pensou, com uma pontinha de sarcasmo, que os dois eram perfeitos um para o outro. “