Cartas Do Passado

As revelações de Rosings (parte 1)


Darcy levantou-se cedo naquele dia, a ansiedade mal o deixara dormir.

Assim que chegou à cozinha, percebeu que o mesmo se sucedera a Lizzie.

– Bom dia! – Cumprimentou a moça, decidida a deixar as sensações ruins para trás. – Fiz o café da manhã, espero que goste. Meus dotes culinários não são dos melhores.

Ele riu, um som tão genuíno que fez Elizabeth se assustar. Darcy, todavia, não notou a reação da moça.

– Não há problema. No máximo, as plantas do chalé ficarão... ahn... mais bem alimentadas. – E piscou para Lizzie. Caiu em si em seguida e se pôs a comer, constrangido.

Elizabeth o acompanhou, não sem reparar em como a idade lhe fizera bem. Estava mais maduro, mais sábio, mais... sexy?

Assim que o pensamento surgiu, Darcy levantou os olhos e capturou os dela. Lizzie ruborizou violentamente.

– Há alguma coisa em meu rosto?

Por sorte, havia um bigodinho de leite na boca. Elizabeth, trêmula, indicou o local.

– Ah, sim - e lambeu os lábios.

A moça arfou e abaixou os olhos, subitamente consciente de todo aquele charme. O novo Darcy a assustava muito.

Concentrou-se na refeição e torceu para que ele não fizesse mais nenhuma graça. Fitzwilliam não deveria cogitar que ela estivesse atraída por ele.

Nunca!


Mais tarde, prosseguiram à abertura de mais um envelope. Dentro deste, havia um outro bilhete:


1813, Steventon Street

Santa Clara, California, United States of America

Os dois sorriram, mas seus estômagos reviraram:

– Rosings!


“Jane logo chegou a Londres.


Sempre que podia (já que a ligação interurbana era muito cara), esta ligava para a irmã.

Elizabeth esperava ansiosamente pelos telefonemas, embora estes sempre trouxessem uma Jane melancólica e deprimida.


05 de Dezembro de 2002.


– Lizzie, telefone!

Assim que o pai anunciou, Elizabeth deixou sua monografia de lado e foi atender:

– Jane! Que maravilha falar com você. O que me conta de Londres?

– Você não vai acreditar. – Com um suspiro resignado, acrescentou: - Caroline me visitou.

– Mesmo? – Lizzie estava realmente surpresa. – E como foi?

– Sei que não vai me julgar ou caçoar de minha ingenuidade, mas você estava certa, Lizzie.

– Como assim, Jane?

– Ela só veio para manter as aparências. Não ficou mais que 10 minutos, esquivava-se sempre que tentava convidá-la para algo e esfregou, novamente, toda a perfeição de Georgiana e o afeto de Charles... digo, Bingley, por ela em minha face – A voz estremeceu. – É uma pena, mas aprendi minha lição. Pensarei somente em você, nossa família e aproveitarei minha estadia nesta cidade tão bonita!

– Ah, Jane, que mulher horrível! Como pôde desdenhar de sua amizade de maneira tão cruel?

– O que mais me magoa, Lizzie, é não entender o porquê de todo este fingimento. Eu e o irmão dela não temos mais nada, por que se prestar a aparecer?

– Jane, você deveria conversar com Charles e...

– Eliza - Jane nunca a chamava assim. Havia muita amargura em sua voz. – Não precisa se preocupar com essa possibilidade.

– Por quê?

– É fato: Bingley não voltará a Nova York. Se ele foi capaz de fugir como um covarde, eu é que não me importarei mais.


Conversaram algumas trivialidades, Jane se acalmou e passou o telefone à tia, que não se perdeu em rodeios:


– Como andam suas relações com aquele rapaz, Wickham?

Elizabeth riu do protecionismo da Sra. Gardiner.

– Vai ficar feliz, tia: Wickham está namorando.

– Sério? E como ela é?

– Incrível! Conhece Melissa King?

– Aquela Melissa King? A atriz? – A tia estava surpresa. – É uma moça riquíssima!

– Tia...

– Que rapaz interesseiro! Que absurdo, trocá-la por uma moça mais rica e...

Elizabeth riu.

– Antes o condenava por se aproximar de mim, agora o condena por “me trocar” por outra?

– O que ele fez foi terrível!

– Pode ficar sossegada. Embora Wickham me inspirou grande admiração, sequer me apaixonei por ele e desejo, genuinamente, que seja feliz. A única que está sentindo muito a falta dele é Lydia, e eu suspeito que seja por causa do amigo, Denny.


08 de Dezembro de 2002.


Há alguns dias, os pais de Charlotte convidaram Lizzie a viajar para a Califórnia e visitar a filha. No início, a ideia não a animou muito, pois estava no último ano na Academia de Artes de NY e deveria terminar a monografia até janeiro. Depois, porém, ficou ansiosa por rever a amiga e acabou aceitando.

Custou-lhe despedir-se da mãe, das irmãs e, principalmente, do pai. A Wickham, Elizabeth destinou um breve adeus.

Tomaram o avião pela manhã e, algumas horas depois, chegaram à cidade de Santa Clara, Califórnia, uma das formadoras do chamado Vale do Silício.

– Papai! Mamãe! Maria! Lizzie! – Charlotte correu e os abraçou.

– Char, quanto tempo! – e a abraçou mais uma vez. – Que saudades de você!

Somente então Elizabeth percebeu os dois homens que acompanhavam a moça.

– Estes são William e Nicolas Collins. – Charlotte se virou para o último. – Nick – sussurrou para que o Collins mais velho não ouvisse a intimidade. – Elizabeth Bennet, sua prima!

Os dois apertaram as mãos e, durante o caminho à casa de Collins, onde ficariam hospedados, Lizzie pôde perceber o quão gentil era o primo mais novo. Quase se arrependeu de tê-lo desdenhado, mas ainda ficava ressentida por ele ter roubado Charlotte.

Collins foi louvando “Lady” Catherine e Rosings, o grande império de informática que a mulher comandava.

– Meu irmão é muito irritante. – Sussurrou Nicolas para Elizabeth. – Não me entenda mal, agradeço a Catherine por tudo o que fez por mim, mas não preciso ficar babando por causa disso, não é?

Elizabeth riu.

– Concordo plenamente.

– Diga-me, Lizzie, como você e Charlotte se conheceram? – e ruborizou.

Elizabeth respondeu a todas as perguntas do rapaz. Ao perceber os olhares furtivos que Charlotte lhes dedicava, se deu conta: os dois estavam se apaixonando! Foi preciso todo o seu autocontrole para não transparecer a descoberta, Charlotte seria despedida se os outros soubessem.

Chegaram, se acomodaram e logo se recolheram para descansar.


09 de Dezembro de 2002.

Era segunda-feira e Rosings funcionava a todo vapor. O grupo logo foi convidado a conhecer a empresa. Collins se admirou:

– Que grande honra! Não se preocupem com nada, eu os acompanharei!

Ao chegarem a Rosings, foram informados de que Lady Catherine não poderia atendê-los, mas autorizara Collins a fazer o tour.

Durante todo o passeio, William endeusou a Companhia e seus recursos de que, se tivesse aceito a proposta, Lizzie desfrutaria. Charlotte pedia perdão à amiga, mas Lizzie se limitava a sorrir, já esperava por isso e não se importava com a pompa de Lady Catherine.

Apesar disso, Elizabeth tinha de reconhecer: Rosings era uma empresa magnífica.


Nos dias subsequentes, Collins teve de trabalhar. Assim, Nick e Charlotte se encarregaram de apresentar a cidade aos visitantes.

Logo foram convidados a jantar com a senhora de Rosings. A refeição fora agradável, embora Elizabeth não abaixasse a guarda: Lady Catherine justificava sua arrogância e senso de superioridade através da ajuda aos menos favorecidos. Por isso, gozava de total presteza dos convidados. Percebendo tal manobra, Lizzie me manteve à parte.

Anne de Bourgh era uma moça muito delicada e quieta, embora bela. Elizabeth quase teve pena de Darcy: de um lado, a arrogância e a submissão de Caroline; de outro, o silêncio e a indiferença de Anne. “Espero que ele dê sorte da próxima vez”, pensou Lizzie.

Estavam conversando quando Catherine interrompeu seu monólogo para questionar Elizabeth:

– Sabe tocar piano?

– Muito pouco.

– Um dia deverá se apresentar e experimentar meu magnífico piano. Com um império em mãos, posso me dar alguns luxos. Suas irmãs tocam?

– Apenas uma.

– Que pena! Uma moça que toca piano é um deleite. Desenha?

– Quase nada, apesar de adorar artes. – Lizzie era uma exímia desenhista, mas jamais o admitiria na frente de Lady Catherine. A face de espanto da mulher compensava a mentira.

– Nem suas irmãs?

– Nenhuma.

– Muito estranho. Seu pai deveria colocá-las em um instituto para que pudessem aprender e...

– Meus pais respeitam nossas vontades, Lady Catherine.

– Muito bem. – Mas Elizabeth sabia que ela não ficara convencida. – Com que sua mãe trabalha?

– Atualmente? Com nada, mas já foi modelo e...

– Que absurdo! Ela deve ter sido escravizada para criá-las!

Lizzie rangeu os dentes.

– Essa é uma palavra muito forte, senhora.

– Expressa suas opiniões de maneira muito decidida para sua idade. Quantos anos têm?

Elizabeth se permitiu sorrir.

– Com três irmãs mais novas crescidas, não espera que eu realmente revele minha idade!

A mulher ficou estupefata pela afronta.

– Não deve ter mais de 21 anos!

– Naturalmente, ainda não os completei.


Na semana seguinte, Elizabeth foi informada de que um ilustre visitante se juntaria a eles.

Fitzwilliam Darcy chegara a Santa Clara.”