Carta para você

Usando as Armas Que Tenho


Não tinha outro assunto no NCIS na segunda-feira seguinte que não fosse Sophie. Desde os guardas do portão principal até os técnicos do MTAC – que nem saem lá de dentro durante o expediente! – todos falavam da “Filha da Diretora”.

Meu novo motorista, Melvin, já tinha me avisado do burburinho. Cynthia também. Talvez teria sido mais fácil ter trazido Sophie logo no primeiro dia, assim as fofocas não tinham se espalhado.

Pelo menos tinha uma parte boa, Sophie era apelidada de “A Filha da Diretora”, parecia que ninguém tinha pegado a paternidade dela, ainda.

Assim, diante de olhares curiosos e alguns sorrisos, teve alguns que foram corajosos o suficiente e me pararam para dizer que minha filha era muito bonita, eu consegui entrar no elevador.

Respirando fundo, eu esperei a porta abrir no terceiro andar. E lá, acabei dando de cara com Abby e seu costumeiro bom humor e agitação sem igual.

— Bom dia, Diretora!! – Ela falou depois de me abraçar. – Como você está? E Sophie? Ela está bem, né?

— Bom dia, Abby. Eu e Sophie estamos ótimas. E você, passou um bom final de semana? – Sai da frente do elevador e fui caminhando até as escadas, Abby me acompanhando em suas impraticáveis plataformas.

— Foi ótimo. Eu planejei um monte de coisas que preciso que você aprove. – Ela falou com um sorriso.

— Precisa que eu aprove o que? – Parei bem na entrada da área da MCRT, e vi que McGee, Ziva e DiNozzo se encolheram.

— Meus projetos para o Halloween e para a Festa de Natal. Eu pensei em pedir ajuda para a Sophie... – A cientista falou pulando sem sair do lugar.

— Isso eu tenho que ver. – Tentei a saída diplomática. – E te dou a resposta com duas semanas antes do Halloween, pode ser?

— Mas é claro, eu posso planejar uma festa com menos de dois dias, duas semanas está ótimo! Aqui meus planos! – Ela me entregou duas pastas que deveriam ter quase quinhentas folhas cada.

— Ótimo. – Falei pegando as pastas. Ao fundo pude ouvir Tony segurando a risada.

— AH! – Abby começou. – Nesse final de semana é a formatura da Kelly, a Sophie vai também, não vai?

— Sim, ela vai.

— Ótimo. Eu vou olhar passagens aéreas para todos nós. Ela gosta de janela ou corredor? – Abby estava realmente preocupada.

— Tanto faz, Abby. Ela dorme o voo inteiro. – Informei.

— Vou colocá-la na janela. Assim ela tem mais conforto!

— Tudo bem, agradeço.

— Os novos amigos de hoje são a família de amanhã!! – Ela saiu gritando até o elevador. E nós quatro ficamos olhando ela sumir pelas divisórias.

— Bom dia para vocês. – Cumprimentei a equipe de Jethro e subi para o meu escritório, no meio da escada lancei outro olhar para as pastas que Abby havia me entregado, sem ler eu sabia que ela tinha saído do controle. Imagino o que ela já não tem planejado para a despedida de solteira de Kelly...

Passei por Cynthia ainda encarando as pastas.

— Bom dia, Cynthia! Tudo bem por aqui?

— Bom dia, senhora. Tudo controlado.

— Que continue assim! Qualquer coisa, pode chamar, a agenda não está tão impossível assim. – Falei e abri a porta do escritório.

Nem tinha fechado a porta e vi que um casaco estava dependurado no encosto da minha cadeira. E eu conhecia aquele casaco.

Procurei por Jethro na minha sala, mas ele não estava ali. Ele tinha vindo não muito tempo antes de mim, pois o copo de café ainda estava quente.

Para ser sincera, eu estava até com medo de chegar perto do casaco, medo de que houvesse uma carta no bolso direito. Esse sentimento combinava com todos os pesadelos que tive logo depois que eu parti. Eu sonhei inúmeras vezes que era eu quem era deixada para trás, que Jethro ia embora e eu voltava para os EUA. E só de pensar que poderia ter uma carta ali dentro, como em todos aqueles pesadelos, me dava arrepios. Assim, decidi por ignorar o casaco e coloquei o meu próprio em outro lugar.

— Não vai olhar o bolso? – A voz de Jethro me fez pular.

— De onde você saiu? – Olhei para ele com raiva, quem ele pensava que era para me assustar desse jeito a essa hora da manhã?

— O bolso, Jen. Não vai olhar?

Encarei Jethro.

— É uma brincadeira de péssimo gosto, Jethro!

Ele me deu um olhar de quem sabia que era e me olhou como me mandando a olhar o bolso.

— Direito ou esquerdo?

— Descubra.

Respirei fundo, em plena segunda-feira de manhã ele já estava conseguindo me tirar do sério. Olhei para ele com cara feia e fui vasculhar os bolsos do casaco.

Céus, eu amava o que aquele casaco significava para mim antes de deixá-lo naquele avião. Eu juro que se fechar meus olhos eu posso ver nós dois parados em frente a um espelho, no então, nosso apartamento de Londres.

Procurei e não encontrei nada.

— Tudo bem, acabou a brincadeira. – Falei, peguei o casaco e o joguei em meus braços. – Posso saber o motivo da devolução?

— Você voltou.

— Jethro, seja mais específico, eu voltei há meses.— Pedi uma explicação.

Nós voltamos Jenny.

— Ainda temos coisas para acertar.

— Não mais. – Jethro me respondeu e tirou duas cartas de dentro do bolso do paletó.

Sem querer acabei por prender a respiração e tive que morder o interior da boca para me lembrar de não chorar. Não foi uma época fácil quando eu escrevi essas cartas.

— Eu as li, no sábado depois que eu deixei vocês duas em seu apartamento. E escutei a gravação da secretária eletrônica.

Eu não o encarava, tinha voltado no tempo e estava lembrando daquele dia em que arrombei a porta da casa de Jethro depois que ouvi o grito de Kelly.

— Você foi embora, mas fez o certo quando descobriu que estava grávida. E fez muito mais depois que a nossa filha nasceu. Você esteve do lado de Kelly quando tudo o que eu fiz foi deixá-la com raiva. Meu erro foi nunca ter ido atrás de você, ou quando eu fui, eu deveria ter conversado com você.

Fiquei parada olhando Jethro voltar ao passado. Eu parei na noite da festa de Natal do NCIS.

— Sophie estava dentro daquele carro, não estava?

— Sim. Ela estava. E eu estava pronta para conversar com você naquele dia, Jethro. Estava cansada de pedir para Kelly falar alguma coisa, de esperar que você falasse alguma coisa. – Fui sincera. – Por que você foi embora? – Essa a pergunta que eu me fiz durante muito tempo.

— Eu vi que você estava bem. Muito bem se você já praticamente liderava o escritório de Londres. Presumi que você tinha escolhido a sua carreira a ser feliz e me despedi de você ali.

Engoli em seco. De certa forma, depois que Sophie nasceu, eu vivi para a minha carreira, tentando enterrar os erros do passado.

— E agora?

— Eu tenho que compensar tudo o que perdi. Os diários dela só me deram uma noção do que foi. Apesar de ter adorado as explicações dela. – Ele respondeu sincero. – Foi ideia sua?

— Não. Tudo foi ideia dela. E ela quem se sentava para escrever, sempre sozinha.

— Independente igual a mãe.

— Gosto de pensar que ela não queria que eu interferisse no modo como ela se lembrava das coisas. – Me defendi e comecei a dobrar o casaco, quando duas moedas caíram do bolso interno dele. – O que... – Me agachei para pegar e me vi surpresa, não eram moedas.

Fiquei de pé encarando as duas alianças.

— Você as guardou? – Perguntei estupefata.

— Sophie gosta de escrever as memórias dela para que ela possa contar para todos, eu prefiro só guardar para mim.

Olhei novamente para as alianças e me lembrei da cara de Jethro quando vimos as duas dentro do pacote que nos informava nossas novas identidades, e me lembrei também que ele tinha feito questão de colocar a aliança no meu dedo anelar, eu a usei tanto que quando eu a tirei, ficou uma marca mais clara no lugar onde ela estava. Peguei a menor e notei que dessa vez tinha algo escrito.

— Como você conseguiu fazer isso em tão pouco tempo? – Agora eu realmente olhava para Jethro.

— Tenho meus jeitos.

— Mas a esse ponto? – Levantei o anel.

Ele deu de ombros e chegou perto de mim.

— Você tem certeza? Isso não é só culpa pela Sophie?

— Sophie não tem nada a ver com isso, Jen. Eu te disse que tinha sentido a sua falta, no dia em que você voltou. Isso. – Ele tomou a aliança da minha mão – é o que eu queria ter feito de verdade, seis anos atrás. – E ele colocou a aliança na mão direita, na verdade, até no dedo errado para não chamar a atenção. – O que você me diz?

— Não podemos eclipsar o noivado e a formatura de Kelly! – Avisei.

— Não temos pressa, Jen. Ela tem. Nós não. – Ele beijou a aliança no meu dedo e depois me olhou.

— O que? Sem pedido bonito? Sem se ajoelhar? Sem flores ou bombons? – Perguntei brincando, tentando quebrar o clima sério.

— Preciso disso?

Eu encarei seus olhos azuis. Não ele não precisava. Nós dois não éramos nada tradicionais mesmo.

— Não, não precisa. Mas a resposta é sim.

E ele me pegou em um beijo que me deixou sem fôlego. Ao final do beijo, ele ia saindo de fininho, com aquele sorriso presunçoso tão característico dele, quando me lembrei de uma coisa.

— Onde você está indo?

— Trabalhar, Jen. Alguém tem que colocar marcha naqueles três lá embaixo ou eles só vão fazer planos para o final de semana.

— Não está esquecendo de nada?

— Não.

Levantei a aliança.

— Se isso aqui. – Mostrei a minha. – Significa que eu sou sua noiva. Essa aqui significa que você é o meu noivo. – Caminhei até ele e deslizei a aliança no mesmo dedo da mão direita em que a minha estava e depois dei um selinho nele. – Agora você pode ir trabalhar, noivo. – Eu tinha tentado ficar séria, mas não controlei o sorriso que escapou dos meus lábios quando disse a última palavra.

— Sim, Senhora. – Ele sorriu de volta e saiu pela porta.

Voltei para a minha mesa e tive que tirar a aliança do meu dedo para olhá-la melhor. E na parte interna tinha gravado nossas iniciais e a data da última sexta feira – 9/9/05.

Era inacreditável como tudo tinha entrado nos eixos depois de tanto tempo!

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LabQueen: Alguém quer me falar alguma coisa?

AMETony: Sobre?

MossadNinja: Sobre²....

ElfLord: Abby, o que você viu?

LabQueen: VOCÊS SÃO CEGOS?

Chefinha: o que está acontecendo? Não são nove da manhã e a Abby já está gritando!

AMETony: Abby quer saber de algo que nós nem sabemos o que é!

LabQueen: Como vocês não viram! Não estava lá na sexta e nem no sábado, mas está lá hoje!!!

Chefinha: o que está aonde?

LabQueen: O anel!!

MossadNinja: Que anel?

AMETony: Isso! Que anel?

ElfLord: na mão de quem?

LabQueen: na mão direita do Gibbs!

Chefinha: MEU PAI ESTÁ COM UM ANEL NO DEDO?!!!! MORTA!!!

AMETony: desde quando o chefe usa anel? Acho que nem aliança o Anjo da Morte do Amor usou!!

Chefinha: Você chamou o meu pai de que, Tony?

AMETony: não estou errado, estou?

MossadNinja: eu não vi nada... tenho que olhar com mais atenção. Alguém sabe o motivo?

ElfLord: eu ainda não tô acreditando que o Chefe está com um anel.

LabQueen: MCGEE!!! Eu estou mentalizando um tapa na sua cabeça agora!!! E não é bem um anel, parece uma aliança, mas está na mão e no dedo errado!

Chefinha: ALIANÇA?!

MossadNinja: Acho que mais alguém está querendo subir no altar...

AMETony: Minhas apostas! Onde foi que eu coloquei as minhas apostas??

Chefinha: Que apostas, Tony?

AMETony: sobre quando o Chefe e a Diretora iam... vocês sabem!

ElfLord: até agora eu só li que o Chefe está com anel... ninguém tocou no nome da Diretora aqui...

AMETony: não seja estraga prazeres, McChato! Alguém já viu a mulher hoje?

MossadNinja: Ela parou bem na sua frente, Tony. Assim que ela chegou!

Chefinha: é de uma inteligência que dá até gosto!

ElfLord: Alguém viu algo na mão dela?

MossadNinja: eu não vi.

LabQueen: nem eu...

Chefinha: A Jenny não está à vista de ninguém aí não?

AMETony: Zee-vah! É com você! Ela tá lá em cima?

MossadNinja: não. Nada. Mas o Gibbs tá chegando!

AMETony: antes que a minha cabeça vá para os ares, fui.

ElfLord: Tchau.

MossadNinja: Shalom!

Chefinha: Abigail Beethoven Sciuto, é a sua obrigação pesquisar que anel/aliança é esse. E eu preciso saber se a Jen tem um!

LabQueen: Mas a Jenny quase não vem aqui embaixo!

Chefinha: Me avise se ela não aparecer.

LabQueen: posso saber o motivo?

Chefinha: vou procurar o mini-contato.

LabQueen: Tadinha da Sophie!

Chefinha: ela não vai nem saber o motivo da pergunta, pode ficar tranquila.

LabQueen: se você diz! Abby desligando porque o Ducky chegou aqui! Não se esqueça de me informar!

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Eu fiquei encucada com essa história do anel... me lembro do meu pai usando a aliança do casamento dele com mamãe. De resto... eu não lembro. Ou melhor. Eu me lembro de um certo casal falso que não tirava as alianças quando saíam dos seus papeis.

Será que isso era verdade? Eu precisava descobrir o mais rápido possível. E para isso eu precisava da isca perfeita. Eu estava tirando um tempinho para mim nessa semana, afinal, só Deus sabe o que me espera daqui a quinze dias quando eu me apresentar na Academia Naval, então eu tinha todo o tempo do mundo para gastar da forma que eu queria. Com Henry trabalhando na campanha do pai e já na própria campanha, o digníssimo vai se candidatar a vereador, eu estava sem poder vê-lo. Não que eu não o apoio, muito pelo contrário, eu faço isso, só não me peça para subir em palcos com ele, ainda. Eu sei que quando nos casarmos a história será outra, mas por enquanto eu quero tentar o máximo possível o anonimato.

Se eu não tinha Henry, eu tinha Sophie. E acho que minha irmãzinha vai me fazer um tremendo favor hoje, contudo, para que dê certo, preciso avisar a mamãe-ursa para dispensar o motorista. Hoje eu vou ser a motorista da minha irmã! E até que ela saia da escola, eu tenho seis longas horas para investigar uma certa caixa que foi mexida.

Desci correndo para o porão para procurar a bendita caixa. Só que ela não estava lá!

— Tem que estar aqui em algum lugar... tem que estar!

Eu vasculhei cada pedacinho poeirento daquele lugar, debaixo de tudo e a caixa não estava em nenhum lugar visível, porém o lugar onde ela ficava estava lá vazio. Um buraco bem no meio da prateleira.

— Isso é jogar sujo, papai. Muito sujo! – Falei sozinha no meio do porão.

Por mais que a vozinha dentro da minha cabeça me mandava dar uma conferida no quarto dele, eu não tive coragem. Vasculhar o porão que ele sabe que eu sempre venho é uma coisa, já o quarto é outra completamente diferente.

Para dar uma despistada da minha procura desenfreada, acabei por limpar todo o chão e tirar a poeira do que era possível, certa de que mais tarde tudo vai voltar ao que era antes. Toda a poeira vai subir de novo e se acumular em cada canto desse lugar. E no fundo eu senti saudades de ficar aqui, no meio da bagunça, mais atrapalhando do que ajudando papai, espero que Sophie possa me substituir um dia!

Toda a minha procura e limpeza deu resultado e o tempo passou, se eu quisesse me passar pela irmã mais velha da filha da diretora do NCIS eu tinha que estar, no mínimo, apresentável, então era imperativo que eu tomasse um banho e vestisse roupas limpas.

Às quinze horas eu estava de pé no portão da escola de Sophie, recebendo um monte de encaradas como se eu fosse nova demais para ter um filho meu estudando ali. E a vontade que eu tive de chamar a minha irmã de filhota quando ela aparecesse era grande, apesar de saber que Sophie iria olhar para mim e perguntar se eu estava doente da cabeça.

E não tardou e lá veio ela, conversando com outra ruiva, que eu conhecia muito bem... era a filha do Fornell com a Diane.

De todas as crianças na escola, Sophie tinha que ser amiga da Emilly Fornell! Tem hora que o destino não ajuda na minha causa.

Dei uma olhada, esperando que aquela ruiva maluca e completamente destrambelhada e tresloucada não estivesse por perto, ela não estava, Fornell sim. E assim que me viu me deu um sorriso torto.

— Fazendo o que aqui, Kelly? Será que Gibbs já é avô e eu não fiquei sabendo?

— Boa tarde para você também, Fornell. – Tentei me esquivar.

Ao longe escutei o grito de “Papai!!”, era a filha dele que vinha correndo.

— Emilly já está grandona!

— Sim. Quase seis anos! – Ele falou todo orgulhoso. – Até o final do último ano era a única ruiva da escola, agora apareceu aquela ali. – Ele indicou Sophie que parecia procurar por Melvin. – Não sei de quem ela é filha, mas só vem de motorista e segurança.

— Os pais devem ser importantes. – Falei.

Emilly começou a reclamar da falta de atenção do pai e Tobias se desculpou e foi embora, esperei até que ele tivesse entrado no carro e ligado o motor para poder ir até onde minha irmã estava.

— Kells!!! Hoje é você quem veio me buscar?

— Sim. Sou eu. Tá precisando de uma carona?

— Eu tô sim! – Ela respondeu feliz e me deu a mão para podermos atravessar a rua. – Que carro é esse?

— É do Henry...

— E ele te empresta?

— Sim. Ele tá ocupado o dia inteiro e não vai precisar.

— Carro legal...

— E é rápido também... quer ver?

Sophie me abriu um sorriso de quem adora uma coisa errada.

— Só não conte nem para o papai e muito menos para a sua mãe que eu fiz isso, tá?

— Eu não sei de nada! – Ela jurou e pulou no banco de trás. – Meio apertado aqui, né? – Ela reclamou.

— Problemas desse tipo de carro... dizem que é para que a sogra ou o sogro não venham junto...

— Acelera logo!! Vamos ver quanto tempo gastamos até em casa.

— Uhn... Sophie. Não vamos para casa. Vamos fazer uma surpresa para a sua mãe, o que você acha?

— Eu vou voltar no NCIS?

— Sim, nós duas vamos!!

— Agora pisa fundo! – Ela disse.

E eu só obedeci aos desejos da minha irmãzinha do coração.

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O dia estava parado, tão parado quanto o caso em aberto que tínhamos. Um corpo, nenhuma pista, você me pergunta? Não mesmo. Esse tipo de caso tinha sido aberto e fechado dentro de cinco horas. Um dos poucos que já vi ser tão rápido.

Nosso caso era outro, um muito mais interessante, e se resumia em uma única pergunta, ainda sem resposta: “Que anel/aliança é aquela?”

Já tínhamos tentando de tudo para ver o bendito, Ziva faltou pouco cortar o dedo do Chefe, mas nada, nem uma mísera palavrinha. E até a Ninja do Mossad estava se mordendo de curiosidade.

— Até onde eu sei, você é amiga da Diretora, vai lá em cima e veja se ela está usando uma também? – Instiguei ainda mais a curiosidade da israelense.

— O fato dela ser a minha amiga, não muda outro fato, Tony. De que ela é minha superiora. Eu não posso, simplesmente, entrar no escritório dela só para assassinar a minha curiosidade!— Ela me olhou nervosa.

— É matar a curiosidade, Ziva. Você não assassina a curiosidade. – McGee a corrigiu.

— Deu no mesmo. Alguém morreu! – Ela jogou os braços para alto e encarou McCorretor com um olhar assassino.

Passei a mão pelo meu rosto. Como essa aí gostava de matar alguma coisa. Estava olhando descrente para a mulher na minha frente quando o elevador anunciou a chegada de alguém, pensando que era o Chefe, eu fingi estar muito concentrado no meu relatório...

Acontece que caiu um silêncio absoluto na Sala do Esquadrão, daqueles que parece que o ar foi sugado da sala e estávamos vivendo no vácuo.

Ziva olhou por sobre a divisória, McNervoso olhou para mim e eu fiquei de pé para saber quem tinha chegado até a sala. Achei que poderia ser do Presidente à uma pessoa agonizando para morrer.

Todavia não era. Estávamos muito longe disso. Eram duas irmãs. Kelly e Sophie tinham acabado de chegar e essa última era o centro das atenções. Todos olhavam para ela, mas ninguém abria a boca, era como se a menina ruiva fosse o novo bichinho do zoológico. E ela, tadinha, ficou toda desconcertada com toda essa atenção muda dos demais agentes, seu rosto não começou a ficar vermelho e depois foi para o muito vermelho. Ela foi do quase branca demais para vermelho escarlate em menos de dez segundos.

Alguém tinha que tirar a pequena dessa situação.

— Peste Ruiva! O que você está fazendo aqui? – Perguntei. Eu nem precisava gritar como normalmente faria, bastou meu tom de voz normal.

— TONY!! – Ela disse feliz e veio correndo se esconder no meio das mesas da MCRT. – Eu vim ver a mamãe! – Ela me explicou me dando um abraço e um beijo na bochecha, gesto que ela repetiu com Ziva e McGee. Enquanto a ruiva cumprimentava os outros, Kelly se aproximou.

— E aí, novidades?

— Sobre o anel? – Ziva perguntou.

— Sim.

— Nenhuma. – McGee fez coro e estava olhando Sophie subir na cadeira do Chefe e ficar rodando com ela.

— O que ela está fazendo aqui? – Perguntei para Kelly.

— Oficialmente?

— Sim.

— Visitando os pais.

— E extraoficialmente? – Ziva quis saber.

— Descobrir um pouco mais sobre as alianças.

— Você vai usar a sua irmã mais nova para isso? – Eu estava descrente que Kelly pudesse fazer algo assim.

— Não, eu estou usando as armas que tenho, Tony. – Ela me respondeu séria.

— Grande irmã mais velha que você é! – Tive que provocá-la.

— Fica fora disso, até algumas horas atrás você estava desesperado sobre alguma aposta maluca, e agora tá pagando de Santo? Engana outra, DiNozzo! – Ela me respondeu e se virou para a irmã mais nova: - Vamos ver onde a sua mãe está?

Sophie se levantou da cadeira e seguiu a irmã escada acima, depois de se despedir de nós.

Eu só sabia que o Chefe não iria gostar nada disso!

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O elevador mal tinha aberto as portas e todos que estavam no nosso campo de visão começaram a encarar a minha irmã. E a pobrezinha só soube ficar vermelha, mas muito vermelha, o maior problema era que eu não fazia a ideia de como tirá-la dessa.

Até que ouvi DiNozzo a chamando. Tudo bem, ele disse Peste Ruiva, porém, adiantou, Sophie conseguiu uma desculpa para correr e se esconder atrás da divisória, longe dos olhares curiosos dos demais agentes.

Depois de cumprimentar um por um da MCRT – era incrível como poucas horas ao lado deles, ela já se sentia em casa – resolvi que era uma boa hora para levar a minha mini Natasha Romanoff para ver a mãe e tentar descobrir o que se passava dentro desse prédio.

Assim que atingimos as escadas, o restante do pessoal que ainda não a tinha visto começou a encarar de novo. E lá foi Sophie, que ainda estava em um forte tom de rosa, ficar vermelha de novo.

— Kells, vai ser sempre assim? – Ela perguntou toda sem graça.

— Um dia eles se acostumam com você aqui, Moranguinho. – Eu disse.

Nessa hora, pudemos ouvir Ziva soltar:

— O próximo que deixar aquela garotinha sem graça vai morrer pelas minhas mãos, entenderam?

— Pensando bem, eu acho que agora ninguém mais vai te encarar! – Eu disse e Sophie olhou para baixo, agradecendo à Assassina Israelense em hebraico, para o assombro de todos.

Passamos por Cynthia, que é outra de quem Sophie gosta bastante.

— A mamãe tá ocupada, Cynthia? – A ruiva perguntou depois de ter contado para a Assistente da Diretora tudo o que aconteceu com ela na última sexta.

Cynthia deu uma checada na agenda de Jen e disse que ela estava com o horário livre.

— Quer que eu anuncie vocês duas ou é uma surpresa?

Sophie olhou para mim sorrindo.

— É uma surpresa! – Ela disse toda feliz.

— Então podem entrar!

— Obrigada. – Sophie agradeceu e eu também.

Pensei em entrar direto, meio como o papai faz, só para ver o que Jen falaria de supetão, contudo, Sophie é muito mais educada do que eu e bateu na porta.

Escutamos Jenny nos dando permissão para entrar e a pequena nem esperou duas vezes, abriu a porta e correu escritório adentro gritando:

— Surpresa, mamãe!!!

Quando eu entrei, Sophie já estava abraçando Jenny. E pela posição das duas eu não pude ver se tinha algum anel ali.

— Posso saber o motivo da visita? – Jen se levantou e veio me abraçar.

— Não temos nada para fazer e achei que seria bom poder trazê-la aqui, já que todos já sabem... – Dei de ombros e retribui o abraço.

E foi quando eu vi, mas na mão direita, no dedo do meio, a aliança. Jen também tinha uma...

— Nada para fazer? – Jen perguntou olhando para a filha. – E o dever de casa?

— Já fiz na escola. Deu tempo de adiantar! – Sophie que estava sentada na cadeira da direção nos olhou solenemente.

— Muito bem, senhorita sabe-tudo. Então está na hora de revisar tudo, você não acha?

— Mas mamãe! Eu acabei de chegar. E a Kells daqui a pouco está indo para Annapolis e não vou mais ver ela! Além do mais, essa semana tem a formatura dela...

— Isso não é desculpa, Ruiva! – Jen chegou perto da filha e a tirou da sua cadeira, sentando-se com Sophie no colo.

— Mamãe... – Sophie implorava até que a atenção dela foi atraída para uma coisa na mão direita de Jen.

Essa era a minha irmãzinha! Não perdia nada.

— Mamãe, que anel é esse? A senhora não estava com ele de manhã! – Ela falou toda curiosa. E eu, como uma boa enteada, apenas dei alguns passos e fingi estar muito interessada na tela do meu celular, o que não era uma mentira, já que eu mandava uma mensagem para o fofoqueiro-mor.

Confirmado por aqui. Jen tem uma aliança. Dedo do meio da mão direita. Bate com a do meu pai?

Menos de um minuto, a resposta.

Exatamente na mesma mão e dedo. O que você vai fazer?

Soph está interrogando Jen. Depois eu vou arremessar a bomba no meu pai... na frente de vocês. Ele vai ter que falar algo.

Você é diabólica!

Às ordens!

Voltei minha atenção para Sophie e Jenny, e esta última estava enrolando a filha sobre a aparição do anel.

— Mas mamãe! Eu tenho certeza, não estava aí!

Jen deu um suspiro diante da curiosidade da filha.

— Seu pai me deu. – Ela falou por fim e eu tive que me manter quietinha para não sair pulando de alegria. – E você fique caladinha sobre isso. – Esse aviso era para mim.

Balancei afirmativamente a minha cabeça, o problema era que eu já tinha espalhado a notícia. Viva a Rádio-Fofoca agora!

Não demorou muito e Cynthia, pedindo um milhão de desculpas, informou que o SecNav estava solicitando uma videoconferência com Jen.

— Pedir para vocês duas ficarem quietas aqui é inútil, não é? – Jenny perguntou pegando umas pastas e seus óculos de leitura vermelhos com glitter.

— Isso aí foi a Sophie quem escolheu? – Perguntei.

Jen só olhou para a pequena que tinha um sorriso sapeca no rosto.

— Quer que eu te ajude a escolher um também, Kells?

— Eu ainda não preciso de um não, Soph. Quando precisar te aviso.

Jenny nos guiou até a porta e saímos conversando até o MTAC. Nessa hora a agência inteira olhou para cima e Ziva sibilou algo, realmente furiosa. Vi que papai era um dos curiosos, pela primeira vez ninguém tinha espalhado a minha (nossa) presença pelo prédio.

Se alguém ainda duvidava da paternidade de Sophie, essa dúvida deixou de existir no exato momento em que a ruivinha soltou:

— SURPRESA PAPAI!! A Kells me trouxe até aqui para te ver! – Ela gritou e saiu pulando degrau por degrau até chegar no andar de baixo, onde papai já a esperava de braços abertos. Sophie por sua vez, pulou no pescoço dele e já estava dando aquele abraço apertado e um beijo na bochecha dele, ou seja, o cumprimento tradicional dela.

Papai a pegou no colo e a levou para a mesa dele. E assim que ele a colocou sentada, virada para Tony e Tim ele disse:

— Me ajude a tomar conta desses dois, Ruiva.

— Pode deixar papai! – Ela respondeu balançando os pezinhos e encarando os dois agentes à sua frente.

E quando achamos que tudo estava tranquilo, Jen ia se virando para entrar no MTAC e eu comecei a descer as escadas, Sophie soltou:

— Foi a mamãe quem te deu esse anel papai? Porque é igualzinho ao dela!

Eu quase caí da escada, Tony caiu da cadeira, Tim se engasgou, Ziva se escorou na cadeira e tentava segurar o sorriso. Meu pai encarava incrédulo a filha mais nova e Jenny, muito convenientemente, entrou para o MTAC, deixando para meu pai resolver a bomba lançada pela filha.

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Me surpreendi quando o silêncio recaiu na sala. Isso era incomum demais. Até mesmo Tony estava calado, assim, segui o olhar de todos e mirei para o quarto andar.

E lá estava Jen sendo seguida por Kelly e Sophie, que eu nem sabia que estavam no prédio. Agora estava explicado o silêncio.

Ao meu lado, Ziva sibilou qualquer coisa sobre saber matar alguém com um clipe de papel e todos voltaram aos seus afazeres. E foi nesse momento em que Sophie olhou para baixo e me viu.

— SURPRESA PAPAI!! A Kells me trouxe até aqui para te ver! – Ela gritou e desceu as escadas, pulando degrau por degrau. E, sem pensar, me vi fazendo o caminho até o pé da escada para esperá-la. Se tinha alguém no prédio que ainda não sabia de toda a história, agora saberia.

Sophie chegou ao último degrau e eu abri os braços para abraçá-la, ela não se fez de rogada e pulou no meu pescoço. Me cumprimentando à sua maneira – um beijo bochecha e um abraço apertado.

Sabendo que não poderia deixá-la solta pelo prédio, ou era bem capaz de tudo isso vir à baixo, a peguei no colo e a levei até a minha mesa, dando para a ela a tarefa mais fácil, vigiar Tony e McGee.

— Pode deixar papai! – Ela respondeu se sentindo importante e encarando os dois agentes à sua frente.

Porém, antes mesmo que eu me afastasse de onde ela estava, Sophie perguntou de pronto:

— Foi a mamãe quem te deu esse anel papai? Porque é igualzinho ao dela!

E foi aí que eu percebi duas coisas: Sophie era mais observadora do que eu imaginava e Kelly já deveria estar sabendo do anel, por isso trouxe a irmã mais nova até aqui.

Restava saber quem tinha espalhado a fofoca.

Meu primeiro pensamento foi para DiNozzo, mas ele não espalharia algo do qual ele pudesse tirar vantagem. McGee não faria isso, ele poderia participar da fofoca, mas não a espalhar. Ziva... dependeria do lado de quem ela estivesse. Só me sobrou, Abby e lógico, Kelly.

Sophie ainda me olhava curiosa. Procurei por Jen, mas ela já havia entrado para o MTAC. Tinha me deixado o abacaxi para descascar.

— Papai? – A ruivinha tombou a cabeça.

Se ela fosse tão curiosa quanto a irmã mais velha, e tão persistente quanto a mãe, ela não pararia até que tivesse uma resposta satisfatória. E para me livrar de todos os curiosos, estendi a mão até minha caçula e a chamei.

— Vamos ver a Abby?

— Sim! – Sophie pulou da mesa e veio em minha direção.

Mesmo esperando o elevador era possível ver que toda a sala estava prestando atenção no que eu iria ou não dizer, assim, como Ziva, Tony e Kelly se espremiam no canto da mesa de McGee para poderem escutar algo. Sophie estava obedientemente parada ao seu lado, tentando não ficar incomodada com os olhares de todos, porém era visível a vergonha da garota, que estava a cada segundo ficando mais e mais vermelha.

O elevador chegou e antes mesmo que as portas se fechassem, Tony, McGee, Ziva e Kelly correram para as escadas, atropelando quem estivesse no caminho.

Com as portas fechadas, parei o elevador e Sophie me olhou assustada.

— Filha, preciso que você me faça um favor.

— Qual, papai?

— Não comente com mais ninguém sobre esse anel.

— Mas todo mundo já escutou... – Ela tinha uma carinha de culpa e olhava para os próprios pés. – Me desculpe, não deveria ter falado alto.

— Não tem problema. E olhe para mim. – Pedi.

A ruiva levantou a cabeça e me encarou.

— Por mais que a sua irmã e toda a equipe possam te perguntar as coisas, você fala que não sabe. Esse vai ser o segredo entre eu, você e a mamãe.

— Então foi a mamãe quem te deu esse anel?

— Não. Eu comprei dois anéis. Um para sua mãe e outro para mim. – Tirei a aliança do dedo e mostrei para Sophie.

— Tem uma coisa gravada aqui... – Ela disse.

— Sim. Tem, nossas iniciais e uma data. Você pode manter esse segredo?

Sophie balançou afirmativamente a cabeça e me devolveu a aliança.

— Não vou falar mais nada! – Ela prometeu.

— Boa garota. Mas não se esqueça de que Kelly vai te importunar.

— Eu vou dar um jeito! Mas e se me perguntarem o motivo do senhor ter parado o elevador?

— Diga que eu queria te mostrar como eles curiosos!

E diante da minha resposta, Sophie me abriu um sorriso, ela iria gostar de brincar com a cara dos quatro!

Acionei o botão para colocar o elevador para funcionar e continuamos nossa descida até o laboratório de Abby. As portas mal se abriram e Kelly, Tony, Ziva, McGee e Abby caíram de cara no chão do elevador.

— Chefe! Nós pensamos que o elevador tinha dado defeito. – DiNozzo tentou se desculpar já se levantando.

Pisquei para Sophie que me sorriu de volta como entendendo o que eu queria dizer.

— Acho que não era isso não, Tony. – Ela falou cheia de certeza.

— Claro que era, Peste Ruiva! O que mais nós iríamos ficar fazendo perto da porta do elevador?

— Bisbilhotando?

E todos ficaram sem graça, e correram para dentro do laboratório.

— Nosso segredo?

— Nosso segredo! – Sophie respondeu me seguindo.

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O restante da tarde passou com o Chefe sempre por perto. Sophie também, ela se ajeitou no chão, do lado da mesa do pai e estava revisando as matérias da escola, toda concentrada. Kelly ia e vinha de tempos em tempos, sempre tentando arrancar alguma confissão do pai.

Quando o Chefe teve que sair – Ducky o chamara e ele com certeza iria aproveitar o tempo para pegar um café -, todos nos levantamos e ficamos de frente para Sophie.

— Soph... o que o papai disse sobre o anel? – Kelly foi logo perguntando.

Sophie levantou a cabeça em nossa direção e muito seriamente disse:

— Nada.

— Mas ele parou o elevador! Ele só faz isso quando quer conversar algo muito importante! – Ziva disse alterada.

A miniatura de Ruiva apenas encarou a tia israelense e nos respondeu:

— Papai queria me mostrar uma coisa.

— Sophie, não me enrola. O que o papai quis te mostrar? – Kelly tinha perdido a paciência.

— Como vocês são curiosos.

— E como logo iriam começar a fazer milhares de perguntas na cabeça dela! – Esse foi o chefe que voltou do nada e saiu distribuindo tapas nas cabeças de todos.

Kelly olhou muito contrariada para a irmã mais nova e ainda mais furiosa para o pai.

— O senhor comprou o silêncio dela! – Ela acusou.

— Comprei, filha? – Gibbs perguntou para Sophie.

— Não. Ele não me deu nada ou pediu que eu ficasse calada. Tudo o que o papai fez foi brincar com a cara de vocês!

E diante do olhar sério da pequena, eu desisti de tentar descobrir o que estava por trás do anel. O Chefe não falaria nada, a Diretora muito menos, e nós tínhamos acabado de perder a nossa maior fonte de informações.

Eu tinha que bolar um plano para trazer Sophie de volta para o nosso lada e rápido!