Depois do tombo que foi perder a minha mini-informante – a quem eu ainda tentaria recuperar – a minha semana passou voando. Entre garantir que meu pai e meu avô não entrassem em uma briga no meio da plateia e conter a minha sogra que queria fazer uma anúncio formal do meu noivado, eu consegui tempo para passar com as minhas amigas de infância e ainda vasculhar algumas caixas velhas em minha casa a procura de um item muito particular.

Foram horas dentro do sótão. Com a ajuda de Sophie que era muito mais baixa do que eu e assim poderia andar sem bater a cabeça nas vigas, eu passei a tarde toda abrindo e fechando caixas e mais caixas até que achei algumas coisinhas bem interessantes.

As poucas joias da minha mãe e aquela em especial que eu buscava foram as primeiras. Eu queria poder subir no palco com algo que fosse dela, assim o cordão que ela tanto amava – e que foi um dos primeiros presentes que papai tinha dado a ela – iria comigo, só precisava de uma polida, mas isso era fácil de se resolver.

A outra foram as fotos de papai nos tempos de fuzileiros.

— Hei, ruiva! – Chamei a minha irmã que de ruiva a essa hora não tinha mais nada, o cabelo dela estava completamente cinza com a poeira.

- Eu! – Ela respondeu depois de uma crise de espirros.

— Isso é alergia? – Me preocupei.

— Não sei. Nunca estive em um sótão antes! – Ela falou chegando mais perto. – O que você achou?

— O que você pediu para o papai na sexta-feira passada? – Perguntei mostrando o maço de fotos?

— Não acredito! Uma foto dele de uniforme? – Sophie veio pulando entre as vigas e deixando um rastro de poeira para trás.

— Uma não! Várias fotos!

Sophie parou do meu lado e depois de espirrar mais um pouco, pegou as fotos para ver.

— O papai tinha cabelo castanho escuro igual a você, Kells! – Ela disse deslumbrada.

— Você achou que sempre foi daquela cor?

— Não sei... só vi ele assim! – Ela deu de ombros e começou a passar as fotos. – Essa aqui é a Tia Shannon?

Peguei a foto que minha irmã tinha me estendido e olhei.

— Sim. É a minha mãe.

— Você se parece com ela! E muito! Do papai é só o cabelo e o olho! A tia Shannon era bonita! E ruiva igual a minha mãe... – Ela parou e ficou olhando para a foto da minha mãe. – Por que você não coloca essa foto em um porta-retratos? Tá tão bonita!

— A foto já é velha, Sophie.

— Será que a Abby não pode fazer uma mágica? Ela sabe fazer tanta coisa!

Minha irmãzinha tinha me dado uma ideia e tanto.

— Tem mais fotos? – Ela perguntou se enfiando dentro de uma caixa.

— Tem umas duas caixas só de fotos.

Sophie levantou dando outra crise de espirros e eu comecei a pensar no esporro que ia levar por ter feito ela ter uma crise alérgica.

— Por que não pegamos as caixas e olhamos as fotos lá embaixo? – Opinei.

— Acho melhor. – A pequena respondeu coçando o nariz.

— Aí eu vou aproveitar e ver se arranjo um anti-histamínico para você!

— Um o que? – Sophie me olhou alarmada.

— Um remédio para essa sua alergia.

— Ah tá. Achei que eu tava encrencada. Que palavra mais feia!

— Disse a garota de cinco anos que conversa com uma Ninja Assassina em hebraico!

— Você não fala hebraico, Kelly?

— Não, Sophie, não falo.

— E alemão?

— Vamos parar de ser exibida e me ajuda com as caixas? Eu vou descer primeiro, aí você me passa as caixas depois te ajudo a descer, pode ser?

— Tudo bem!

E assim ela fez, quando desceu, estava espirrando ainda mais.

— Não vai ter jeito, você vai ter que tirar essas roupas empoeiradas e eu vou ter que te dar um remédio... – Falei olhando para o nariz e olhos vermelhos da minha irmã.

Sophie correu para o meu quarto, lá estava a malinha dela com algumas roupas, tinha convencido Jen a deixar que ela passasse dois dias aqui em casa. Era bom para Sophie, para mim e para papai. Só que papai ainda não sabia disso.

— Nada de colocar roupa limpa sem tomar banho! Não vai adiantar nada se fizer isso.

Sophie pegou uma roupa na mala e rumou para o banheiro.

— Precisa de ajuda com o banho?

— Vou ter que lavar o cabelo?

— Vai.

— Então sim!

Cuidar de criança não era fácil.

Depois que minha irmã já estava livre da poeira e devidamente medicada para a alergia, nós duas começamos a fuçar nas fotos.

Sophie separou algumas para ela, dizendo que queria levar para a casa dela se papai não se importasse. E outras ela deixou em uma pilha, principalmente uma que tinha um casal bem jovem com um bebê no colo.

— Quem são? – Ela me perguntou.

— Eu acho que são vovô e vovó com o papai... mas não tenho certeza.

— Então essa era a vovó... o que aconteceu com ela? A minha outra vovó morreu em um acidente de carro, junto com a tia Heather...

Encarei a mulher na foto, ela não era muito mais velha do que eu. E eu fiquei pensando o que teria acontecido com ela....

Estava com a foto na mão, quando a porta foi aberta e papai parou um tanto abismado, olhando para nós duas.

— Oi papai! Boa noite! Foi tudo bem no trabalho? – Sophie correu na direção dele para cumprimentá-lo

— Sophie? – Ele perguntou espantado.

— Jen deixou que ela ficasse aqui hoje e amanhã, parece que ela vai ter que trabalhar a noite inteira e não vai para casa. Aí perguntei se a Moranguinho com alergia aqui poderia ficar conosco! – Respondi.

Acho que papai ainda não estava preparado para ter outra criança dentro de casa, porque estava meio assustado.

— Tá tudo bem, papai? – Sophie perguntou de pé na frente dele.

— Tá sim, Ruiva. Tá tudo bem. – Ele se abaixou para cumprimentá-la direito. – O que vocês estão fazendo?

— Kelly precisava achar uma coisa no sótão. Aí ficamos lá a tarde toda, e agora estamos vendo as fotos que estão naquelas caixas! – Ela apontou para as caixas.

Papai franziu a testa, ele não era muito chegado em olhar para o passado.

— E tem algo que você gostou de ver ali?

— Sim. Tem um monte de fotos. Eu posso ficar com algumas do senhor? – Ela pediu o arrastando para a mesa.

— Pode, não sei o que você vai fazer com isso, mas pode.

— Eu vou colocar no meu álbum.

— Tudo bem. – Ele respondeu à Sophie e veio me cumprimentar. Do meu lado, além das duas fotos que eu tinha separado, estava a caixa de joias de minha mãe.

— Revirando o passado, Kells?

— Quero ter algo de mamãe comigo no sábado à noite. – Respondi sincera.

— Ela iria gostar. – Ele respondeu olhando para a foto que Sophie tinha encontrado.

— Foi uma das primeiras fotos que vocês dois tiraram, não foi?

— Foi.

— Sophie me deu a ideia de pedir para Abby restaurar a foto... acho que vou fazer isso e vou deixar comigo.

Ele não disse nada, estava perdido em pensamentos. E por incrível que se possa parecer, Sophie ficou quietinha enquanto nós dois conversávamos.

Papai relutou, mas voltou ao presente e depois falou:

— Mostra para a Sophie algumas das fotos que você tirou em Londres e Paris.

À menção de Londres, A ruivinha voltou a sua atenção para nós dois e levantou uma sobrancelha.

— Depois. Eu acho que tem uma coisa que seria muito mais interessante para ela ver agora. – Falei com um sorriso.

E a pequena não estava entendendo nada e só soube tombar a cabeça.

— E o que é? – Papai me perguntou.

— Eu acho que já passou da hora dessa menina ser batizada com poeira de madeira!

— Eu vou ajudar no barco? – Ela falou animada.

— Estava pensando em outra coisa. – Papai disse.

— No que? – Sophie não parecia mais tão animada.

— Alguém me disse que ainda não tem móveis no quarto novo... pensei em resolver esse problema.

— O senhor vai construir os móveis do meu quarto? – Sophie pulou da cadeira chegou perto dele toda animada.

— Só se eu tiver ajuda.

— Eu ajudo! Eu ajudo! – Ela respondeu, pulando com o braço estendido para cima, igualzinha à Hermione Granger.

E uma parte da minha resolução estava cumprida. Finalmente eu tinha uma substituta para ajudar papai no porão. Eu já poderia me mudar daquela casa de vez!

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A semana passou voando, entre reuniões intermináveis no MTAC e ouvir todo o time de Gibbs fazendo planos para os dois dias de Formatura de Kelly, eu me vi sozinha em casa pela primeira vez em cinco anos.

Certo, eu passei a noite de quarta para quinta-feira dentro do NCIS, monitorando uma operação no Oriente Médio, não tinha a mínima condição de ir para casa, assim, concordei com Kelly de que Sophie poderia passar duas noites na casa de Jethro.

Seria bom para os dois, apesar de Sophie só ter dormido fora de casa uma vez. E sozinha dentro desse apartamento, me lembrei do telefonema que recebi:

— Oi mamãe! – A voz da minha filha me saudou e minha atenção foi toda para o telefonema que eu recebia.

— Oi, filhota. Tudo bem?

— Sim. Eu só quis te ligar para te dar boa noite e perguntar se está tudo bem?

— Eu estou bem, Sophie. Vou trabalhar a noite inteira. E você, por que está com essa voz de cansada e essa respiração ruidosa?

— Eu estava ajudando o papai com o novo projeto dele! – Ela respondeu feliz, mas sua voz ainda estava anasalada. – E adivinha o que vai ser?

— Um outro barco?

— Não. – Eu não a via, mas tinha certeza de que estava sorrindo. – Ele vai fazer os móveis do meu quarto! Dá para acreditar?

Fui pega de surpresa pela notícia. Não esperava nada disso.

— Ele vai? – Ainda não acreditava.

— Sim. E nós já começamos com a madeira. A Kells falou que eu vou substitui-la como ajudante do papai! – Minha filha estava evidentemente feliz ao dizer isso. – E agora ele só precisa ir medir o quarto para ver se tudo o que nós queremos fazer vai caber lá dentro... – Ela não terminou a frase porque teve um ataque de espirros.

— Sophie, o que aconteceu?

— A Kells me disse que é alergia. Deve ser porque passamos a tarde inteira dentro do sótão, ela estava procurando a caixa de joias da Tia Shannon. E além de acharmos isso, achamos também um monte de fotos. Tem foto do papai novinho! Sabia que ele tinha cabelo castanho escuro igual a Kelly!?

— É mesmo? - A conversa com a minha filha estava muito mais interessante do que a operação que eu estava vendo, já que lá do outro lado do mundo não estava acontecendo nada.

— Sim! E a Kelly é a cara da Tia Shannon. E tem foto do papai de farda, ele me deu algumas, vou mostrar para a senhora quando eu voltar para casa! – Ela falava como se fosse demorar um mês para voltar.

— Vou ficar esperando.

Ao fundo escutei a voz de Jethro falando que estava tarde, que Sophie tinha que ir para a cama.

— Papai está me mandando para a cama... vou dormir no quarto de hóspedes... Mas ele falou que vai arrumar o quarto do jeito que eu quiser! Só vai demorar um pouquinho.

— Ele deve estar adorando fazer isso, seu pai sempre procura uma desculpa para poder ficar preso no porão – Respondi e escutei Sophie dizer um pouco mais afastada do telefone:

— Papai, posso falar para a mamãe da surpresa?

Isso chamou a minha atenção.

— Filha, é por isso que se chama surpresa... – Ele respondeu e pela proximidade da voz dele, imaginei que Sophie estava em seu colo, muito provavelmente ela deve ter escapado correndo pela casa, como ela sempre faz quando não está com sono.

— Tudo bem, não vou falar nada. – Ela respondeu ao pai e voltou a conversar comigo. – Mamãe, eu tenho que desligar, o papai está tentando me matar! – Ela ria alto. – Ele tá fazendo cosquinha!

Tive que segurar a risada. Era uma cena que eu queria muito ver.

— Se precisar de ajuda, peça à Kelly.

— Ela tá do lado dele! Acho que preciso da senhora! – Ela dizia entre risadas.

— Agora a mocinha vai dormir. – Jethro disse e Sophie começou a espirrar de novo, por isso quando conversaram comigo de novo era ele e não nossa filha quem falava. – Pode ficar tranquila, ela já está medicada e estou só esperando o remédio fazer efeito para que ela durma.

Ao fundo escutei a gargalhada de Sophie e o grito dela:

— Te peguei papai!

— Jethro... está tudo bem por aí?

— Amanhã eu vou estar com dor nas costas!

Nessa hora eu tive que sair de dentro do MTAC. Não contive a gargalhada.

— E você ri?

— Estou dividindo as dores e as alegrias da paternidade com você, Jethro.

Ele grunhiu qualquer coisa e pediu para a filha descer das costas dele.

Ao fundo Kelly ria e dizia que Sophie não deveria fazer isso porque o pai já era velho e poderia nunca mais se recuperar.

— Acho que você está um tanto quanto em desvantagem por aí... – Brinquei com ele.

— Sophie se despeça da sua mãe. – Ele ordenou à filha caçula.

— Boa noite, mamãe! Eu te amo! – Ela falou longe, creio que ainda deveria estar tentando escalar o pai.

— Eu te amo, ruiva, e nunca vou te abandonar! – Falei para ela.

— Te amo mais! Eita Kelly! Não faz isso! – Foi a resposta que recebi.

— Ela vai ficar bem, Jen. Pode ter certeza.

E essa foi a última vez que falei com ela, Sophie tinha dormido lá e ainda estava na casa de Jethro, eu só a veria na sexta-feira à tarde.

Andei de um lado para outro, era tão estranho não ter mais uma criança correndo de um lado para o outro, me chamando e sempre querendo me mostrar algo. Era estranho saber que eu iria me deitar para dormir, mas não a colocaria na cama e que quando amanhecesse não veria o sorriso dela... em resumo, eu não estava mais acostumada a ficar sozinha dentro de casa.

Corri para o escritório e estava para pegar o meu celular quando ele tocou. No identificador de chamadas um nome:

Jethro.

— Fala. – Respondi. Não sabia quem era.

— Está ocupada? – Era realmente ele.

— Na verdade, estava pensando em ligar para conversar com Sophie. – Fui sincera.

— Estranhando a casa vazia? – Dava para perceber o sorriso na voz dele.

— Muito.

— Por aqui está igual!

— Como assim, Jethro? Onde a Sophie está?

— Foi conhecer os pais de Henry.

— E por quê? – Estava assustada.

— Kelly falou que a mãe dele quer conhecê-la, pelo que parece, Henry gosta muito da Pequena e vive falando sobre ela.

— E quando ela volta?

— Bem, eu falei para o Engomadinho trazer a Ruiva para cá antes da oito e meia.

Olhei para o meu relógio, tinha chegado mais cedo em casa, e ainda eram sete da noite.

— Pensa que você tem uma hora e meia para poder descansar as costas.

Ele riu.

— Ela estava impossível antes de dormir, mas foi só enquanto o remédio fez efeito e ela apagou a noite toda.

— Ela faz isso. Então a voz de sono era do remédio?

— Era, Kelly disse que não precisa se preocupar. Hoje ela já amanheceu normal.

— Acredito.

— Ela só tinha uma queixa.

— O que foi? Estranhou a cama?

— Não. Ela estava preocupada porque estava longe da mamãe e não sabia como ia fazer para te dar um beijo de bom dia. E na hora que saiu me perguntou se era possível te ver. Está com saudades.

Sorri para mim mesma.

— Eu não sei o que faço com esse apartamento tão quieto. Parece errado. – Falei mais para mim do que para ele.

— Tenho duas opções para você. – Jethro começou.

— É mesmo, e quais seriam? – Até me ajeitei no sofá do meu escritório para ouvir o que ele tinha a dizer.

— Você pode ter mais filhos. Você ainda é nova Jen. A segunda, eu posso te ajudar com a primeira.

Eu comecei a rir da cara de pau dele.

— Por mais tentadora que a proposta seja, Jethro, sinto lhe informar que não. Sophie será a única. – Informei.

— Dizem que filhos únicos tendem a ser mimados demais.

— Ainda bem que Kelly existe!

— Falo sério Jen. Você não pensa.... – Ele deixou a frase no ar.

— Não posso Jethro. Eu te contei como ela nasceu. Sophie será a única criança que eu vou ter. Não posso ter mais filhos. – Era a primeira vez que falava isso em voz alta e algo se apertou em meu peito.

Jethro ficou em silêncio do outro lado. Acho que absorvendo a notícia.

Depois de uns dois minutos de silêncio – que me fizeram conferir se ele ainda estava na linha – a voz dele acabou por me assustar.

— Vem para cá. Sophie vai gostar de ver. A garotinha da mamãe tem que saber se está tudo bem com você. – Ele tentou brincar, mas escutei um tom de tristeza na voz dele.

Ponderei, não tinha nada para fazer e eu estava realmente com saudades da minha filha.

— Tudo bem. Vou dar uma passada aí.

— Dispense seu detalhamento de segurança, amanhã eu te levo para o NCIS.

— E aumentar ainda mais os rumores que já estão pegando fogo pelos corredores, Jethro?

— Eu não me importo!

— É claro que não! Não é você quem tem que se explicar para o SecNav.

— Jen, esquece isso, por enquanto.

Mordi o lábio para não o responder.

— Você só me traz dor de cabeça, Jethro. – Xinguei já estava indo para o meu quarto e quando vi, estava arrumando a roupa para trabalhar no outro dia.

— Você quer que te pegue aí?

— Eu sei dirigir, Jethro, pelo menos uma vez, me deixem por minha conta, por favor!

— Te espero aqui para podermos assustar o Engomadinho. Estou torcendo para ele chegar tarde com Sophie e Kelly.

— Você vai fazer o seu genro ter um colapso nervoso antes do dia do casamento.

— Ninguém mandou ele querer namorar a minha primogênita.

Se casar com a sua primogênita, Jethro. Ca-sar... – Enfatizei a palavra.

— Estou te esperando. – Ele mudou o tom e eu tive que rir.

— Me dê meia hora.

— Vai levar uma hora. – Ele me respondeu e desligou o telefone.

E, uma hora depois eu parava o meu carro na porta da casa dele. E, tive que lidar com o sorriso presunçoso dele de que ele estava certo quanto ao meu atraso.

— Ria o quanto quiser, Jethro. Eu não me importo. – Falei me sentando no sofá, tirei o sapato e me fiz confortável.

— Se você diz.

— Você não vai me deixar nervosa hoje. E trocando de assunto, é verdade o que Sophie disse?

— Sophie está sempre falando sobre um monte de coisas, seja específica. – Ele me respondeu se sentando do meu lado.

— Sobre os móveis do quarto dela?

— É.

— Só isso?

— Eu fiz o quarto de Kelly quando ela nasceu. Não fiz o de Sophie por minha culpa. E ela ficou bem feliz com a ideia de me ajudar.

— É claro que ela ficou, ela adora uma bagunça.

— E ela aprende rápido. E desenha bem. Me mostrou como queria a estante dela com um desenho.

— Bom saber disso. Quem sabe ela não muda de ideia e faz arquitetura ou design de interiores ao invés de entrar para o NCIS? – Falei esperançosa.

— Ficaria mais aliviado. Mas ainda tem tempo. Muito.

— Que Deus te ouça, tenho calafrios só de pensar em Sophie correndo atrás de um suspeito.

E nós dois ficamos ali, quietos, aproveitando a companhia um do outro. Quando o relógio marcou oito e meia e Sophie não chegou, Jethro abriu um sorriso.

— Eu vou ganhar a minha noite, assustando o moleque.

Eles só foram chegar uma hora depois. Era um pouco mais de nove e meia quando ouvimos a voz de Sophie na porta da frente:

— Eu tô com sono... abre logo essa porta Kells.

Kelly não tinha aberto a porta direito e tanto eu quanto Jethro estávamos parados, com os braços cruzados, olhando para os três.

— Papai? Jen? – Kelly disse com um sobressalto.

— MAMÃE! QUE SAUDADE! – Sophie veio na minha direção.

E Henry, bem, ele sabia que estava encrencado quando nos viu.

— Estão atrasados. Já passou da hora de Sophie dormir. – Foi assim que Jethro começou o sermão.

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Henry tinha insistido em apresentar Sophie para a família dele. Eu não achava uma ideia muito boa, afinal, Sophie não gosta de ser o centro das atenções. Contudo não teve jeito, e lá fui eu arrumar a minha irmã – na verdade, ela se arrumou, eu só tive que conferir, e só para piorar a minha situação, ela ainda soltou que eu precisa trocar a minha roupa, sim, foi ela quem acabou me arrumando depois!

Meu noivo chegou pontualmente, e meu pai só falou uma coisa:

— Quero Sophie em casa às oito e meia, sem atrasos, ela tem horário para dormir e amanhã tem aula.

Nós dois concordamos e depois de a ajeitarmos na cadeirinha, com as devidas orientações da própria, já que nem eu ou ele sabíamos como fazer aquilo, partimos.

Acontece que a Sra. Sanders fez um escândalo quando conheceu a minha irmã. Ela disse que nunca vira criança tão linda e fofa – e ela tinha duas filhas – e tratou de querer chamar a família inteira para o jantar, para que eles conhecessem Sophie.

Sophie, à maneira dela, começou a ficar sem graça, muito vermelha e não deixou o meu lado enquanto era apresentada para todos. Educadamente ela respondia aos elogios, porém eu notei que ela queria sair dali o mais rápido possível.

Só que isso não aconteceu. O jantar acabou por atrasar e, consequentemente, saímos tarde de lá.

— Papai vai nos matar! – Eu falei para Henry quando notei que Sophie dormia no assento dela.

— Eu sei. Culpa da minha mãe.

— Ele não vai acreditar. Ainda mais quando ele ver o presente que você deu a ela. Precisava comprar um urso tão grande? Sua mãe precisava comprar tantas roupas?

— Minha mãe sente falta de crianças, Kelly. Quanto ao urso, eu achei que ela iria gostar, não tem nenhum grande no quarto dela.

Nisso ele acelerou – e espero que papai não descubra a velocidade que ele atingiu – e conseguimos reduzir o estrago.

Apesar de o estrago já ter sido feito, pois tinha um outro carro parado na porta de casa.

— Isso não é bom. – Falei para Henry que encarava o automóvel.

— De quem é?

— Acho que estamos prestes a descobrir. – Desci do carro e acordei a minha irmã.

Estava abrindo a porta e Sophie reclamando que estava com sono no meu ouvido, e assim que coloquei um pé para dentro dei de cara não só com o meu pai, mas com Jen. Os dois com os braços cruzados e expressões fechadas.

— Papai? Jen? – Perguntei assustada. Era tudo o que eu não queria!

— MAMÃE! QUE SAUDADE! – Sophie correu na direção da mãe e pulou no pescoço dela.

Henry, deixou os presentes de Sophie no chão e encarou o casal na nossa frente, ele sabia que estava encrencado assim que os viu.

— Estão atrasados. Já passou da hora de Sophie dormir. – Foi o que papai disse.

— O jantar atrasou. – Resumi o problema.

Ele só encarou a sacola de presentes.

— Não é o que parece.

— Senhor Gibbs. – Henry começou. – Assumo a culpa, mas o que Kelly está dizendo é verdade. Minha mãe, bem, ela saiu do controle, e teve que chamar toda a família para conhecer a Soph. Isso acabou por atrasar o jantar. E os presentes são dela para a Sophie.

Olhei para Jenny que encarava o ursão.

— Me diga que você agradeceu por cada um deles. – Ela falou com a filha que estava aninhada no colo dela.

— Sim. E disse que não precisava, que eram muitos... – Sophie respondeu. – Mas eu gostei de todos, principalmente do ursão.

— Sei. Agora se despeça de Kelly e Henry. Você vai para a cama. – Jenny informou à filha a colocando no chão.

Sophie se despediu de Henry, agradecendo os presentes novamente e o jantar, e pediu para que ele agradecesse aos pais dele por terem sido tão legais.

Para mim sobrou um abraço, um beijo e um boa noite. E a pequena subiu as escadas coçando os olhos.

— Quando se tratar dela – papai começou assim que Jenny fechou a porta do quarto da Moranguinho – o horário tem que ser respeitado, Kelly.

— Sim, papai.

— Quanto aos presentes, eu agradeço também. – Ele se dirigiu à Henry. – Mas não era necessário.

— Minha mãe sente falta de ter crianças por perto e resolveu por mimar Sophie.

Meu pai só balançou a cabeça na direção dele, mas eu li que ele não gostou nadinha de ter alguém que quer comprar o carinho de Sophie com presentes.

— Bem, - eu falei. – Eu combinei com Mer e Maddie para sairmos... – Comecei.

— Podem ir...

— E papai, me desculpe pelo atraso. Boa noite. – Pensei em gritar boa noite para Jen, mas Sophie já poderia estar quase dormindo e não quis acordá-la.

— Boa noite. – Ele nos disse antes de fechar a porta.

— Não foi tão mal. – Henry falou abrindo a porta para mim.

— Ele não atirar na gente já é uma coisa boa. – Falei de volta. – Mas ele não gostou. E gostou muito menos dos presentes.

— Minha mãe exagerou mesmo.

— Muito. Sophie não está acostumada com aquilo tudo. Por isso ela estava tão sem graça.

Dei uma última olhada para o quarto onde a minha irmã estava dormindo, Jenny acabara de apagar a luz.

— Vamos, ou chegaremos atrasados.

— Vamos lá. – Falei com um sorriso. – Vamos curtir essa noite em que meu pai não me deu horário para voltar.

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Kelly não tinha fechado a porta e escutei Jen descer as escadas com Sophie resmungando em seu colo:

— Eu não gostei da irmã do Henry. Ela não gosta da Kelly. E eu não gostei de lá.

— Como assim, Miniatura?

— Tudo mundo ficou comentando sobre meu cabelo. Depois fizeram um monte de perguntas sobre a senhora. Todo mundo tinha sempre que ficar me perguntando se eu estava bem, se eu estava gostando... e a irmã do Henry, acho que o nome dela é Alícia, sempre me olhando estranho. Por favor, não me deixe voltar lá. Eu não gostei deles. – Ela pediu.

Olhei para Jen.

— Ela perdeu o sono. – Me informou.

— Não gostou de lá, não é mesmo? – Perguntei para Sophie.

— Não. Nunca tinha ganhado tanto presente. E nem é Natal! Henry me deu o ursão, mas a mãe dele me deu um monte de coisas. São bonitas, mas não sei por que...

— Bem, filha, tem gente que gosta de dar presentes. A Abby é uma dessas pessoas.

— A Abby me compraria um monte de roupas e brinquedos?

— Essa foi a forma da mãe do Henry dizer que ela estava feliz em te conhecer. – Jenny explicou para a filha assim que se sentou no sofá.

— Jeito estranho. Achei que quando você dava um abraço na pessoa, você dizia a pessoa que gostava dela...

— Esse é o seu jeito, Ruiva. Agora fica quietinha para poder dormir, tudo bem? – Fiz um carinho no rosto dela.

— Mamãe?

Jen respirou fundo e olhou para a filha:

— Eu ganhei um monte de roupa, podemos dar algumas para quem não tem?

— Mas são presentes, filha! Não se dá um presente para outra pessoa. – Jen respondeu acariciando o cabelo da pequena.

— Mas é muita coisa. E no caminho, eu vi gente dormindo na rua. Eles devem estar com frio agora...

Me surpreendi com a preocupação dela.

— Amanhã discutimos isso, agora faça o que a sua mãe falou e tente dormir. – Entrei na conversa.

— Não podemos conversar perto do Henry, ele pode ficar sentido...

— Sophie, amanhã. – Falei para ela e dei um beijo na testa dela. – Pare de lutar com o sono.

— Tudo bem... boa noite papai. – Ela se ajeitou no colo da mãe e não demorou para dormir.

Quando notei que ela já dormia, falei.

— Eu não sou o único que não gosta daquele pessoal.

— O Senador Sanders vai comentar algo comigo, Jethro, pode deixar que eu falo com ele. Sophie não gosta de tanta atenção sem propósito, sempre ficou incomodada. E hoje, passaram dos limites. – Ela respondeu com a feição séria.

— Quer que eu a ponha na cama?

— Agradeço, ela já está ficando pesada.

— O que vamos fazer com tudo aquilo? – Perguntei quando Sophie já estava ajeitada na cama, abraçada com a bola verde que tinha esquecido o nome.

— Ela vai ficar com o urso, o resto, se ela não gostou, nem adianta guardar, acho que vou acabar doando alguma coisa. É o melhor jeito, alguma criança pode aproveitar.

— Até parece que estão tentando compensar o que Kelly passou no início do namoro. – falei.

— Não duvido, Jethro. Mas pode ter outros interesses aí também. Nunca confie em um político.

— Algo que eu deva saber? – Parei do lado dela.

— Às vezes tudo o que eu queria era poder atirar na cabeça deles... – Foi a reposta que recebi. – Ela não vai acordar mais, melhor conversarmos longe daqui, antes que ela acorde mal-humorada com o barulho.

— Claro, tinha que puxar a mãe. – Brinquei com Jen assim que fechei a porta.

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E depois de cinco anos, muito sofrimento, muito choro, desespero de todos os tipos, chegou a hora. Era o fim da primeira parte da minha vida adulta.

Falando assim até parece que eu sou madura o suficiente, que sei resolver todos os meus problemas sozinha, que já conquistei a casa própria, o emprego dos sonhos, tenho o carro do ano, estou casada e tenho um cachorro.

Não tenho nada disso, só a promessa de que um dia terei, e, para falar bem a verdade, eu estou apavorada, tão apavorada quanto estava no dia em que pisei nesse campus pela primeira vez, e nem a presença de toda a minha família na plateia está me acalmando, ou melhor dizendo, eu estou mais nervosa ainda porque meu avô veio e ele e papai não se falam há anos. Eu sei que eles não vão fazer nada, porém tenho certeza de que o clima vai ficar pesado.

Faltam trinta minutos para a cerimônia começar. Espero que tudo esteja indo bem lá fora. E que eu não mastigue as minhas unhas feitas no salão mais caro de Washington ou serei a formanda mais desarrumada da história!

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Da viagem na companhia de todos até o momento em que deixamos o hotel para virmos para o teatro do Campus não houve um único momento de sossego. Também, juntar Kelly, Henry, Abby, Tony, Tim, Ziva, Jimmy, Ducky, isso sem contar em uma muito desconfiada Sophie e Jethro e seu pai nos mesmos locais, não foi a experiência mais fácil da minha vida.

Controlar Sophie era até fácil, difícil estava sendo controlar as reações de Jethro.

— Por tudo o que há de mais sagrado, Jethro, pare de ficar encarando o seu pai como se você matá-lo. Hoje é a noite de Kelly.

Jethro por sua vez não me respondeu, apenas olhou para onde Jackson Gibbs estava, a essa altura, tentando conquistar a confiança de Sophie.

— Ela não gostou dele.

— Também pudera, você fica olhando com essa cara para o seu próprio pai, o que você acha que Sophie vai pensar? Ela tem cinco anos, confia em quem confiamos.

— Não era para ele estar aqui.

— Se Kelly quis, ele tinha que estar. – Falei por fim e tentei mudar o foco do assunto. – Daqui a pouco começa.

Foi eu fechar a boca, e Sophie apareceu na nossa frente, nos encarando como quem tinha um milhão de perguntas.

— Pode falar, filha.

— Mamãe... o vovô está perguntando se vocês vão se casar... eu não sei o que respondo...

Jethro fez um barulho estranho, atraindo a nossa atenção.

— Não responda nada. – Ele falou suavizando a expressão para conversar com a Ruiva. – E se você quiser, pode ficar por aqui.

— Ainda bem... ele faz um monte de perguntas... mais do que o Tony... e eu não sei responder a metade delas. – Ela tinha uma carinha confusa.

— Tudo bem, depois você conversa mais com o seu avô. – Cortei antes que ela desse mais armas para Jethro querer mandar o pai dele para longe.

Nossa entrada no teatro foi autorizada e cada formando tinha o lugar dos familiares previamente identificados. O problema? Só que crianças não contavam.

— Falta um lugar para mim... – Sophie sussurrou no meu ouvido.

— Fica comigo. – Apertei a mão dela na minha, eu sabia que assim que todos fizessem as contas começaria a guerra para quem ficaria com Sophie.

Fomos tomando nossos assentos e eu acabei entre os dois Gibbs, com Sophie no meu colo.

Jackson foi super agradável comigo, sempre querendo saber um pouco mais sobre a neta e sobre mim. Achei que estávamos em um território seguro quando ele simplesmente soltou:

— Você é a primeira namorada de Leroy que conheço desde Shannon.

Eu simplesmente não sabia o que dizer. Na verdade, eu nem queria falar do passado de Jethro. Sophie olhava para mim com cara de espanto, não sei o tanto que ela estava entendendo da conversa, mas foi ela quem me tirou da saia justa que me encontrava.

— Mamãe – Ela sussurrou no meu ouvido. – Acho que o papai quer arremessar algo em alguém, olha a cara dele.

Pedi licença para Jackson e passei a prestar atenção nas reações de Jethro. E notei que terem trazido a lembrança de Shannon para esse momento não foi nada agradável para ele. Com certeza ele queria que ela estivesse aqui, que pudesse estar vendo a filha formar em Medicina na melhor faculdade do país, contudo ela não estava e somente as memórias dela eram o que havia sobrado nesse momento.

Troquei Sophie de braço e a coloquei um pouco mais perto de Jackson, pelo canto do olho vi que Tony a chamava.

— Quer ir com o Tony?

— Posso?

— Vai lá. – A desci do meu colo, e ela pediu licença para Jackson e foi ficar perto de DiNozzo que logo a tinha no colo.

Jethro só observou a cena.

— Isso vai tirar os olhos do seu pai de você. – Falei em resposta à sobrancelha levantada dele.

— Ele sempre tem que fazer os comentários errados nas horas erradas. – Ele sibilou.

— Ainda está se acostumando com o fato de ter outra neta, Jethro. Deixe quieto.

— Mas...

— Não vem ao caso. Shannon tem que ser lembrada nessa noite. É mais do que justo. – Falei e sem perceber tinha a mão dele na minha e a apertava.

— Kelly já falou da mãe na cabeça de Sophie a semana inteira, todos já comentaram o quão orgulhosa ela estaria se estivesse aqui. Sophie não precisa ficar escutando isso e pensando que vocês duas não são bem-vindas.

— Ela sabe o que aconteceu com a Shannon, Jethro. Sabe quem ela foi para você e sabe o tanto que ela significa para Kelly. Ela não vai pensar nada demais. – Garanti a ele. E no fundo pensei, se Shannon estivesse aqui, nem eu e muito menos Sophie estaríamos presentes nesta noite.

Jethro olhou por sobre o meu ombro na direção da filha que agora era o centro das atenções entre o pessoal do NCIS, já que Ducky contava alguma das muitas histórias que ele sabia sobre ela.

— Ela vai ficar bem, e vai querer vir para cá para poder ver a irmã mais de perto. – Falei.

Pouco tempo depois as luzes do palco foram acessas e nossa atenção foi completamente focada no início da cerimônia de graduação.

Formaram a mesa de honra e o mestre de cerimônias começou a chamar nome por nome para ocupar o seu lugar nas cadeiras. Nessa hora Sophie se esgueirou do colo de Tony e veio parar perto de mim e de Jethro que não pensou duas vezes e a levantou no colo, apoiando-a em seu braço direito. E, quando o nome de Kelly foi anunciado, ele buscou pela minha mão.

Para qualquer um ali, Jethro permanecia estoico e calmo como sempre, mas não para mim. Eu já o tinha visto quebrar, tinha visto quase todas as emoções passando pelo rosto dele, e vi mais uma. O orgulho misturado com a sensação de perda.

Assim que Kelly passou na nossa frente, foi-nos impossível não batermos palmas mais fortes, se gritar não podia, ao menos isso poderíamos demonstrar, e ela assim que nos achou abriu um sorriso ainda maior. Ali estava toda a família dela reunida.

O último formando entrou e a parte solene da formatura começou. Mesmo que bonita, era cansativa para uma criança de cinco anos, porém Sophie soube ficar quietinha, mesmo que totalmente entediada, sentada ora comigo, ora com Jethro.

Quando foram fazer o juramento, nos surpreendemos com quem seria a responsável por recitá-lo.

Kelly se levantou e tomando seu lugar no púlpito, começou a dizer as palavras do, talvez, mas famoso juramento entre todos.

E eu tive que me lembrar de segurar as lágrimas. Era incrível ver onde ela estava agora, ver com que confiança e orgulho ela recitava cada uma das palavras.

A desesperada adolescente que me escreveu inúmeras vezes perguntando sobre quase tudo tinha crescido para ser dona das próprias ações. Kelly saía da faculdade muito mais dona de si do que eu jamais fora com a mesma idade.

Ao final da cerimônia, quando todos os formandos jogaram seus capelos para o alto, eu sabia que não poderia mais segurar as lágrimas de orgulho e felicidade. E olha que Kelly nem era a minha filha de verdade. Foi nessa hora que Jethro apertou ainda mais a minha mão. Ele sabia que a garotinha do papai agora ganharia o mundo.

— Todo aquele tempo que você falou que eu tinha em 1998 parece que passou muito mais rápido do que deveria. – Ele me falou entre todos os gritos de comemoração não só de quem estava ao nosso lado, mas dos outros familiares e formandos também.

— Nunca se esqueça de uma única coisa, Jethro, Kelly vai sempre voltar para casa. Pode demorar, mas ela sempre vai voltar! – Garanti. – Ela não vai te abandonar.

E, finalmente, Kelly conseguiu atravessar a multidão em êxtase e chegou perto de onde estávamos. Sem Jethro notar, Sophie que até então estava no colo dele, desceu e foi ficar perto de mim, e para a minha total surpresa, ela me estendeu um lencinho de papel.

— Toma mamãe, para a senhora secar os olhos, senão a maquiagem vai ficar toda borrada.

Agradeci à pequena e antes que pudesse fazer qualquer coisa, Kelly estava ajoelhada na frente da irmã e as duas se abraçavam sorrindo.

— Parabéns, Kells!!! – Sophie disse pulando com a irmã.

— Muito obrigada, Moranguinho! E obrigada por não deixar o papai chorar! – Ela acrescentou mais baixo.

— O papai não chora! – Sophie garantiu. – Já você... – E a ruivinha estendeu outro lenço de papel para a irmã que ao invés de agradecer, apenas colocou o capelo na cabeça dela.

— Vai treinando com o meu, daqui uns vinte anos é você! – Ela brincou e Sophie apenas respondeu:

— Eu não vou fazer medicina! Não mesmo!

Todos olhamos para ela. Até para mim era novidade ela estar tão certa quanto a uma possível escolha de curso de graduação.

— E o que você vai querer fazer, Sophie? – Jackson passou na frente de todos.

— Direito. E depois quero fazer ciências políticas e ser especialista em Direito Naval e Internacional! Aí eu vou entrar para o NCIS.

Todos olhamos estupefatos com essa declaração.

— E eu só tenho graduação em Educação Física.... - Tony soltou. – Se eu não estiver aposentado até lá é capaz dela já chegar como a minha chefe!

Ziva caiu na gargalhada.

— Qualquer um aqui tem a capacidade para ser seu chefe, Tony. Admita.

— Não quero ser chata, mas concordo. – Kelly brincou, abraçada ao avô.

— Lá vem o complô contra a minha pessoa. – DiNozzo reclamou.

— É você quem pede por isso, Tony! – McGee explicou.

Tony ignorando a todos, apenas falou:

— Se um dia você for a minha chefe, Peste Ruiva, me promete só uma coisa?

— Sua Chefe? Mas o seu Chefe não é o papai?

— Em vinte anos ele já terá aposentado. – Tony falou e ganhou um tapa na cabeça. – Mas como eu estava dizendo, você me promete só uma coisa?

— Não sei o que é, mas prometo.

— Ótimo.

— Mas o que é?

— Não me dê tapas na cabeça!

Sophie assentiu solenemente e Kelly gargalhou.

— Em vinte anos você já vai ter uma lesão cerebral, Tony. Muito provavelmente vai estar internado em algum hospital e aposentado por invalidez. E eu vou ficar muito feliz em estudar o seu cérebro...

— Muito engraçado Kelly. Até imagino as experiências que você fará comigo.

— Eu tenho que deixar a Kate orgulhosa. Afinal, nós duas e a Abby chegamos a planejar o seu último dia no NCIS, não é Abbs?

— Pode apostar que sim, Tony! – Abby tinha um sorriso diabólico no rosto.

Tony engoliu em seco e encarou a formanda.

— Kelly, pare de assustar o Tony. Ele não merece isso. – Sophie defendeu o Agente Sênior, o abraçando pelas pernas.

— Isso a Kate não aprovaria... – Ela disse com um muxoxo.

— Pelo menos alguém da família tem que olhar por mim, né?

Eu tenho certeza de que Tony, às vezes, pede para apanhar. Não é possível ser tão lesado!

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Eu era a pessoa a mais feliz da face da terra naquele momento. Nada nem ninguém seria capaz de estragar isso.

A sensação de estar livre das aulas e dos professores era libertadora, assim como a sensação de saber que estava por minha conta era esmagadoramente aterrorizante.

Contudo, eu tinha a certeza de que a minha família – por mais sem noção que alguns possam ser – sempre estaria do meu lado, e que do outro lado, tinha duas pessoas que olhavam por mim. E com essa certeza eu poderia fazer qualquer coisa.

Diferentemente de tudo o que já tinha acontecido, logo depois da colação, viria o baile. Não era uma festa que seria comentada por um ano, mas dava para curtir.

E eu fiz isso. Eu aproveitei cada minuto. Eu dancei com todos, sorri muito e bem no fundo eu quis que o tempo parasse bem aqui, tudo estava tão perfeito que eu tive medo de que algo estragasse o momento. Todavia, isso não aconteceu. E essa foi a minha noite e eu a estava gastando com todos que eram especiais para mim.

Sophie apagou um pouco depois da meia-noite, Jen fez menção de ir embora, porém papai a segurou.

— Se Sophie dormiu com essa música alta desse jeito, não vai ser isso que vai acordá-la.

E assim, quando eu consegui fazer Jenny se levantar para que todas as meninas pudessem dançar juntas, Sophie foi para o colo do meu pai. Quando foi a vez dele, passaram a dorminhoca para o colo de Tony que acabou por se deitar em um canto e dormir também. – A essa altura a madrugada ia alta e ele estava mais bêbado do que tudo.

Só fomos embora quando o sol estava raiando. E a vista do nascer do sol sob o campus foi uma das mais lindas que já vi.

— Isso merece até uma foto! – Falei.

— Não seja por isso! – Jenny falou. – Acordem a Sophie e o Tony, vamos ver se consigo colocar todo mundo nessa foto.

E ela conseguiu. Uma das fotos mais lindas que já vi. E depois, quando eu a imprimi em um papel próprio, pude ver que logo atrás de mim, sob os meus ombros, a luz estava com um brilho muito mais forte, e uma sensação de que talvez mais duas pessoas tenham curtido essa festa tanto quanto todos nós me atingiu. Poderia ser coisa da minha cabeça, porém eu levaria essa ideia até o final da minha vida. Tanto Kate e principalmente minha mãe, estavam ali o tempo todo comigo.

Nosso domingo foi gasto dentro do hotel, mas nem por isso posso dizer que foi uma recuperação pela noite acordada. Nada disso, logo nosso voo decolaria e D.C. e a vida real nos esperava sem dó por estarmos acabados e com sono.

Mal tínhamos aterrissado e Abby perguntou:

— Quando é a próxima festa?

— Nem tão cedo. – Todos responderam. E até Sophie que tinha dormido uma boa parte da noite de colo em colo e por todo o voo, falou:

— Festas cansam... prefiro ficar em casa dormindo.

Meu pai não poderia ter recebido melhor notícia.

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Depois que todos foram devidamente deixados em suas casas com a promessa de que poderiam chegar ao serviço às nove da manhã, fui deixar Jen e Sophie.

E Kelly, junto com Henry simplesmente disseram:

— Não podemos ficar por aqui não? Eu não vou aguentar entrar em um carro nem tão cedo.

Jen olhou para mim e concordou:

— Claro. Tenho dois quartos sobrando.

— Muito obrigada! – Kelly passou dando um beijo na bochecha de Jen e arrastando o noivo.

— Não que ela vá usar o outro quarto... – Ela sorriu e depois me pediu desculpas.

— Você também está morto, Jethro. Vá tomar um banho, eu vou pedir algo para comermos.

Acabei por fazer o que ela falou e notei que nem Sophie estava se aguentando de pé, pois quando passei na porta do quarto dela, ela estava deitada no assento da janela e abria um enorme bocejo. Só mesmo uma festa dessas para conseguir descarregar as energias da ruivinha.

A pizza acabou por não demorar e pela primeira vez eu via toda a minha família reunida em torno da mesa, comendo, falando e brincando. Jen e Sophie estavam roubando pedaços uma da outra, Kelly tentava se manter acordada, mas era impossível e toda vez que ela piscava um pouco mais demorado, a irmã mais nova a acordava com algum comentário.

E toda a cena, mesmo com a presença de Henry, acabou por parecer tão normal, algo que uma família faria em um domingo à noite. Algo que se eu voltasse onze dias no tempo, nem pensava que poderia acontecer.

Finalmente, éramos a família que deveríamos ter sido desde 1999.