Carta para você

Uma Surpresa para Sophie


- Então como se sente?

— Agora eu consigo andar sem as muletas, papai, mas ainda dói um pouco. Tenho só que usar essa meia feia... a Tia Lana me disse que é para ajudar na circulação.

— Mas está conseguindo andar direito?

— Mais ou menos... meu tornozelo ainda não dobra como dobrava... vai levar um tempinho, o que quer dizer que estou fora de qualquer apresentação de balé nesse ano... – Sophie me respondeu chateada. – Mas eu posso voltar ao balé desde que seja devagar, tia Lana me disse para começar a fazer pequenos movimentos em casa. Só os de aquecimento, para ajudar na... como foi que ela falou? Amplitude do movimento. Seja lá o que isso for. – Minha filha terminou dando de ombros.

— Mais alguma coisa?

— Manter o pé no alto pelo tempo que puder. E não ficar andando muito, por enquanto. Para não inchar e causar um tal de edema. É tanta palavra difícil que eu tô quase ligando para a Kells traduzir para mim. – Falou um tanto exaltada.

— E o que a sua fisioterapeuta disse sobre viagens? – Perguntei enquanto a ajudava a subir no banco de trás. Sophie arregalou os olhos e me encarou.

— Viagem? Mas papai, semana que vem eu volto às aulas, só tenho mais quatro dias de férias, isso contando com o final de semana! Não dá tempo de viajar de jeito nenhum! E amanhã e sexta eu ainda tenho sessões de fisioterapia! Não posso faltar ou o meu pé vai ficar doendo por um tempão! – Disse alarmada.

— Não vamos para longe e nem iremos demorar. Sexta-feira depois da sua fisioterapia vamos partir e no domingo à noite estaremos de volta.

— E vamos para onde? – Ela se animou.

— Surpresa.

— Mamãe sabe?

— Claro.

Sophie arregalou ainda mais os olhos.

— Mas papai... uma dica!! Por favor!! – Ela fez aquela carinha de cachorro pidão.

— Não, filha. Agora fique quieta.

— Mais alguém vai?

— Não, só nós três.

— E não é muito longe?

— Depende. O que significa seu longe?

— Atravessar oceanos é longe! O país também. – Ela disse com convicção.

— Então é perto.

— Vamos de que?

— Como assim?

— Ora papai! De avião? De barco? De trem? De carro?

— Carro.

— Tenho um monte de informação, mas nenhuma me dá uma pista de onde é... qual é a distância?

— Ruiva, você nunca vai adivinhar. – Garanti a ela.

Ela fez um bico e começou a pensar onde iriamos levá-la.

— Alguém da equipe sabe?

— Não. Ninguém mais sabe e eu estou começando a me arrepender de ter de contado.

— Só uma dica, papai, por favorzinho!

— Não, Sophie e você não vai perturbar a sua mãe com isso.

— Mas eu vou precisar de uma mala!

— Já está pronta.

— Como assim, já? Eu nem escolhi as minhas roupas!

Lancei um olhar para ela pelo retrovisor e ela ficou quieta, por curtos cinco minutos.

— Papai...

— Não vou te falar mais nada, Sophie. Agora esqueça essa ideia e fique quieta.

— Eu não vou conseguir esquecer isso! – Ela disse.

Me arrependi instantaneamente de ter contado para ela, pois minha filha passou o restante do dia tentando descobrir para onde iriamos viajar. Como não conseguiu a resposta, foi dormir emburrada.

Quem estava se divertindo com tudo isso era Jenny, que a cada vez que Sophie fechava a expressão e me lançava um olhar raivoso, ria. Quando, enfim, a birrenta ruiva dormiu, Jen não deixou barato.

— Sabe, Jethro... eu achava que Sophie tinha me puxado em quase tudo, desde a aparência até certas atitudes, mas fico feliz em saber que estava errada. Todo esse interrogatório hoje e as expressões faciais que ela fazia eram pura e simplesmente manifestação do seu DNA.

Encarei Jen e depois desisti, seu sorriso de gato satisfeito estava começando a me irritar, e como estávamos na minha casa, a deixei na sala e fui para o porão.

— Vai fazer isso? – Ela provocou.

Não respondi.

— Bem que Kelly me avisou tantos anos atrás, você, quando quer fugir de uma boa briga, se esconde no meio da poeira. Não tem problema... – Sua voz foi ficando mais alta, até que ela estava parada no alto da escada. – Eu te sigo até aqui. – Terminou com um sorriso.

Tornei a encará-la. Jen me olhou de volta, com um sorriso vitorioso nos lábios.

— Você realmente não vai dizer nada? – Perguntou ao descer as escadas devagar.

Respirei fundo e me concentrei no que tinha que fazer.

— E agora está me ignorando. Muito maduro de sua parte! – Provocou.

Olhei para ela por entre uma das armações do esqueleto do barco. Quando ela virou as costas para se sentar na bancada, atirei uma lixa na direção dela, que pegou de primeira.

— Essa é a sua forma de pedir ajuda?

Apontei para o barco.

— Tudo bem... mas saiba que vou ficar falando na sua cabeça até que você me responda algo.

Só tinha um jeito de calar Jenny quando ela começava com esse falatório. Assim, esperei ela ficar bem concentrada no que estava fazendo e com o que estava falando e antes que ela pudesse reagir a abracei pela cintura e dei um beijo nela.

Pega de surpresa, ela soltou a lixa e tentou se desvencilhar de mim, e para a minha alegria, não conseguiu formular nenhuma frase coerente ou comentário sarcástico para me deter, apenas me encarava com olhos arregalados.

— Agora que eu tenho a sua atenção, Jen. – Falei apoiando o queixo dela entre o meu polegar e o indicador. – Só quero dizer que as perguntas de Sophie não são herança minha. São sua herança. Até admito a encarada, mas a rainha do falatório sempre foi você!

Ela levantou uma sobrancelha, tombou a cabeça de lado e, tão rápido que eu quase perdi o movimento, retribuiu o beijo.

— Agora. – Ela disse depois que me beijou e enquanto me dava rápidos beijos pela mandíbula. – Nós dois vamos discutir seriamente com quem nossa filha mais se parece. – Ela me empurrou até a escada.

— Vamos?

— Sim... vamos. Eu vou te provar por A + B que é as partes boas foram herdadas de mim. – Ela disse perto do meu ouvido.

— Sophie não tem uma parte ruim. – Defendi minha caçula.

Jen simplesmente me encarou, o sorriso vitorioso de volta aos seus lábios e seus olhos verdes, completamente brilhantes.

— Eu disse que discutiríamos isso rapidamente! – Ela falou e foi quando percebi que tinha concordado com ela sem pensar. – Sophie se parece mais comigo. Agora... onde estávamos mesmo antes de você tão gentilmente concordar comigo? – Ela quis saber, parada na minha frente.

— Acho que bem aqui. – A peguei em um beijo e a levei para o quarto trancando a porta e agradecendo o fato de nossa filha dormir a noite inteira.

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— Para onde vamos mesmo? Eu não me lembro... – Tentei de novo e de novo, e nada de nenhum dos dois me dizerem.

Sim, desde quarta-feira depois da minha fisioterapia eu já tinha feito a mesma pergunta e nada. Nem mamãe e muito menos papai tinham me dito nada. Nada de pistas, nada de uma dica. Nós íamos viajar, por três dias, e eu não sabia para onde estava indo.

Nessas horas minha irmã fazia uma falta!! Aposto que Kells conseguiria arrancar de papai para onde estávamos indo. Ele conta tudo pra ela!

Mas aí tinha um problema... e se ela não me contasse????

Família... a pior e a melhor coisa que existe no planeta.

— Nenhuma dica? – Perguntei de novo, hoje, na sexta, papai tinha me trazido até a fisioterapia, enquanto mamãe ajeitava tudo no Estaleiro, não sei o que ela tinha que ajeitar lá, pois era uma semana tranquila, porém ela garantiu que não podia simplesmente sair no meio do expediente e não voltar. Mamãe chamou isso de responsabilidade. Eu chamo de paranoia de quem não consegue deixar o escritório por um mísero dia, mas nunca falei isso para ela.

— Não. Nenhuma. Dentro de algumas horas você vai saber.

Olhei para o meu pai e ele me olhou de volta.

— O senhor sabe que isso é injusto, não sabe?

Ele só levantou uma sobrancelha, o que eu entendi como sendo: “continue a sua explicação, Ruiva.”

— Se fosse a Kelly, o senhor já teria falado para onde estamos indo, já teria contado o itinerário e até onde vamos ficar. Mas não faz isso comigo! Por que a Kelly tem privilégios e eu não?

Acho que eu falei demais, pois papai fechou a expressão. Contudo, me desculpe, eu não vou voltar atrás, ou serei uma covarde!

— Kelly tem privilégios? – Me perguntou por fim.

Só balancei a cabeça.

— Que tipo de “privilégios” Kelly tem?

— A Kells sempre fica sabendo de tudo, ela sempre está incluída em todos os planejamentos que o senhor, a mamãe ou a galera faz.

— E você não?

— Normalmente só me avisam que estamos indo. Não me contam aonde, nem me perguntam a minha opinião. – Falei e cruzei os braços.

Minha argumentação – aprendi essa palavra conversando com o Tio Ducky – deveria estar muito engraçada, pois papai começou a rir.

— Ah, Ruiva! Vai chegar um tempo que eu não vou conseguir conversar mais com você! – Falou e me abraçou, dando um beijo no alto da minha cabeça.

— Por quê? O senhor sabe falar, eu posso escutar. – Disse, achei estranha a fala dele.

— Porque eu simplesmente não vou conseguir acompanhar o seu vocabulário difícil e as suas argumentações.

Encarei o meu pai. Ele riu de novo.

— Não entendeu? - Me perguntou.

— Não, papai, eu não entendi.

— Vamos dizer que você tem o dom de falar difícil igual a sua mãe. Se eu já não acompanho o raciocínio dela, o seu, pelo visto vai ser ainda mais complicado e cheio de palavras ainda mais difíceis do que as que sua mãe usa.

— Mas isso é fácil de se resolver! – Disse alegre, eu não deixaria de conversar como meu por conta de palavras difíceis.

— É mesmo, e como você planeja resolver isso?

— Fácil, é só pegar um dicionário!!

Papai me encarou, me encarou de verdade. Depois suspirou como se tivesse perdido uma discussão com a mamãe.

— É, DNA não mente. – Ele disse por fim.

— Falei algo errado?

Ele não disse nada.

— Papai?

— Sobre o que estávamos falando antes da história do dicionário?

— Uhm... sobre a nossa viagem misteriosa e o fato de ninguém me contar para onde vamos. – Estava com esperança de que agora ele me contasse para onde estávamos indo.

— Eu não vou te contar para onde vamos, e só vou te explicar uma coisa.

— Que é?

— Você sempre é incluída nos planos de viagem, Sophie.

— Não fui nessa.

— Porque esta é uma surpresa para você!

— Uma surpresa? Para mim!? Mas nem é meu aniversário ou Natal!

— Não é um presente, filha. É uma surpresa, tem diferença.

— A mamãe sabe disso? Porque ela sempre me disse que eu só posso ganhar presentes em duas datas...

— Sua mãe sabe, e sabe que não é um presente.

Uma surpresa para mim?— Perguntei de novo, gostando de saber que tinha algo que era só para mim.

— Sim, filha.

— Eu acho que estou gostando disso... – Falei animada e comecei a balançar os pés. – Será que eu posso faltar a essa sessão para que a gente possa chegar mais rápido?

Papai só me deu um empurrãozinho e apontou para a Tia Lana, que tinha os braços cruzados e me olhava com uma falsa cara de brava.

— Querendo pular a fisioterapia para ganhar doces, Pimentinha? – Ela perguntou.

Tentei fazer cara de inocente, mas não colou. Me despedi de papai e dei a mão para Tia Lana que me levou para a sala de fisioterapia.

Estava na hora de sentir mais um pouquinho de dor. Mas eu sou corajosa e não fico falando que está doendo, eu faço tudo o que me mandam, assim, eu vou poder voltar ao balé mais rápido.

Uma hora depois, eu estava liberada para ir para casa. Era sexta-feira e eu ia viajar.

Ainda não sabia para onde, mas já nem me importava mais, tinham escolhido uma viagem pensando em mim e eu estava feliz com isso!

Do hospital, fomos direto pegar mamãe, para adiantar as coisas, papai ligou do caminho, dizendo que já estava no estacionamento, assim não teríamos que esperar muito, já que mamãe demora HORAS para sair de qualquer lugar, seja de casa, seja do escritório.

Quando chegamos no estaleiro, ela já estava do lado de fora, parada perto da entrada principal, batendo o pé nervosamente no chão.

— Ixi, papai, acho que o senhor vai ouvir um pouquinho. - Falei assim que vi a expressão de mamãe.

Ele não falou nada, só manobrou para que parasse com a porta do carona em frente à mamãe.

Ela abriu a porta de uma vez, encarou a nós dois. Eu estava devidamente escondida atrás dos meus óculos escuros, e entrou sem nem nos dar bom dia.

— Parado no estacionamento! Sei! – Foi o que ela falou antes de colocar o cinto. – E ainda está no meu carro!

— Pronta para ir, Jen? – Papai ignorou o comentário de mamãe.

— Está tudo no porta-malas?

— A única mala que não está no porta-malas é Sophie, o resto está tudo lá. – Ele brincou e aliviou o clima.

— Eu ouvi isso, papai!!

— E essa mala fala. Cuidado.

Mamãe riu e comentou:

— E como fala!

— Eu continuo ouvindo vocês dois!! – Cutuquei mamãe com a perna, já que estava sentada atrás dela.

— Eu sei que malas tem rodinhas, algumas não tem alças, mas pés, eu nunca vi! – Ela comentou e puxou o meu pé, beliscando a minha perna de leve. – Como foi na fisioterapia?

— Dolorido. – Comentei. – Mas eu vou ficar bem, já tá acabando!

— Sim, filha, já está acabando. – Ela me disse e soltou a minha perna, para dar a mão para papai, aproveitei que os dois estavam distraídos para observar para onde estávamos indo. Não descobri nada, pois não reconhecia a estrada, a única coisa que sei era que a paisagem era linda, assim fiquei distraída com o que via pela janela até que....

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— Ela dormiu? – Jethro me perguntou.

Olhei para atrás do meu banco e Sophie ressonava tranquila, com a cabeça apoiada no travesseiro de pescoço.

— Sim. Mais um pouco e começa a falar. – Comentei e me virei para frente.

— Ela não desistiu nem por um segundo em saber para onde estamos indo. – Ele disse.

— E, claro, todo esse interrogatório te deixou possesso! – Tive que perturbá-lo.

— Não. Me deixou preocupado.

— Com o que?

— Quando Sophie chegar na adolescência e começar a dizer que quer sair e eu negar, vai chegar um certo ponto em que eu vou ter que deixá-la ir só porque não vou entender uma palavra do que ela está dizendo.

Tive que rir.

— Ela tem conversado muito com o Ducky, e sem contar todos os livros que lê... é natural que ela tenha um vocabulário amplo. – Defendi minha pequena.

— Esse é o problema, Jen. Crianças de sete anos não usam palavras como “argumentação” em uma conversa com os pais.

— E que tal “obsoleto”? – Retruquei.

Jethro me encarou.

— Usou essa para descrever que as cartas que ela manda para Kelly são um meio obsoleto de comunicação. Eu segurei a risada e me senti orgulhosa da palavra escolhida, mas as pessoas ao meu redor ficaram um tanto assustadas.

— Esse é o ponto, Jen. Daqui há alguns anos, vai ser você e ela conversando e eu sem entender nada. Você, eu sei, usa essas palavras difíceis para me confundir e ganhar o round, mas a Sophie! Ela fala porque é o que ela quer dizer... não tem segundas intenções ali. E isso vai fazer com que eu concorde com ela, só porque não estou entendendo nada!

Mordi o lábio para não rir do desespero dele.

— E sabe qual foi a solução que ela me deu para isso? – Jethro agora estava injuriado.

— Não posso nem imaginar. – Tentei manter a minha voz firme, mas eu queria mesmo era cair na gargalhada.

— Um dicionário! – Murmurou contrariado.

Eu não aguentei. Comecei a chorar de rir, principalmente porque me lembrei de duas coisas.

Eu já tinha mandado Jethro pegar um dicionário uma vez, mas a cena que mais me fez rir foi quando Kelly enviou um para ele.

— Você se lembrou do “presente de grego” que Kelly me enviou. - Ele adivinhou o motivo por trás da minha risada.

— Pode ter certeza que sim! – Eu ainda não tinha conseguido parar de rir.

— Deve ser DNA... não pode, até ela, Jen!

— Olhe, Jethro, Kelly fez uma brincadeira com o dicionário, eu, bem... eu sempre te provoco mesmo, já Sophie, ela não fez por mal. Ainda não.

— Ainda?!

— Um dia ela vai te mandar pegar o dicionário... ela vai começar a falar, a pedir para sair com o namorado, você vai dizer não. Ela vai te responder com alguma expressão que você não entende e quando você mencionar algo...

— Ela vai soltar “pegue um dicionário, pai!” – Ele murmurou chateado.

— Mais ou menos isso.

— Acho que gosto mais da ideia que ela teve hoje!

— Ela não fez por mal, e posso te jurar que eu nunca contei a história do dicionário para ela! – Nos defendi.

Jethro olhou para a pequena ruiva adormecida no banco de trás.

— Eu vou sentir falta dessa falação dela. Eu tenho certeza de que vamos brigar muito quando ela ficar mais velha.

— Dê tempo ao tempo, Jethro. Talvez ela não seja tão rebelde assim! – Peguei a mão dele. – Posso fazer uma pergunta? – Mudei de assunto.

— Outra?

— Falta muito? – Foi impossível de não rir e Jethro sabia disso, ele soltou a minha mão e me deu um tapa na cabeça.

— Pare de bancar a Sophie, Jenny. E sim, ainda falta um pouco.

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— Filha, acorda. – Chamei a dorminhoca.

Ela esfregou os olhos, Jen tinha tirado os óculos dela há um tempo para que não a machucassem, e me encarou ainda sonolenta.

— Onde estamos?

— Já chegamos, filha. – Falei e soltei o cinto que a prendia.

Sophie pulou do carro, se esquecendo que o pé esquerdo ainda não está forte o suficiente para mantê-la de pé, e Jenny teve que ampará-la.

— E onde é aqui? – Perguntou olhando em volta, não reconhecendo o local. O barulho de uma sineta de porta chamou a atenção dela e ela se virou rapidamente. – Vovô!!! Vovô!!! – Gritou e saiu correndo do que jeito que dava até o meu pai.

— Olá Pimentinha! Que saudades! – Meu pai a abraçou assim que Sophie se chocou contra ele.

— Eu também estava, não vejo o senhor desde o casamento da Kells! E eu não fazia ideia de que o papai ia me trazer até aqui! – Ela respondeu animada.

— Fico feliz em saber que gostou de vir até aqui! Agora vamos saindo desse sol, que eu sei que você deve estar cansada.

— Que nada, vovô! Eu dormi o tempo todo. – Ela respondeu sem vergonha nenhuma.

Meu pai soltou uma gargalhada diante da sinceridade da neta e depois veio nos cumprimentar.

— Jenny! Que bom te ver! Seja bem vinda!

— Obrigada, Jack. Eu quem agradeço por você nos receber tão em cima da hora!

— Que nada. Eu só não entendi o motivo de vocês trazerem a Pimentinha até aqui ao invés de levá-la para qualquer outro lugar.

— Bem... – Jen começou. – Para começar, ela ficou de molho o verão inteiro por conta de um pé quebrado.

Meu pai gargalhou.

— O que aconteceu?

— Escalou a árvore para poder chegar até o telhado. Queria ver o céu.

— Essa, com certeza, é sua filha, Leroy!

Jen acompanhou a risada dele.

— E a segunda?

— Exatamente o fator céu. Ela diz que não pode ver as estrelas em Georgetown. – Jenny explicou.

— E no interior isso com certeza é possível.

— Estou contanto com isso. – Falei.

— Ela já sabe?

— Não, pai, ela não sabe. Vai saber hoje à noite.

Nesse instante ouvimos Sophie gritando, perguntando se alguém teria dois dólares para que ela pudesse comprar um daqueles chocolates.

— Me desculpe por isso! – Jen se desculpou e seguiu até onde Sophie estava.

Meu pai me encarou.

— Ela não sabe onde está, sabe?

— Ainda não. Não quis contar para evitar uma viagem que se transformaria em interrogatório.

— Então, Leroy, vamos lá, temos muito o que contar para a sua filha mais nova!

Eu tive que me preparar para a enxurrada de perguntas que viriam nos próximos dias.

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— Então essa é a vovó? – Sophie perguntou para o avô ainda encarando a foto da avó que nunca conheceu.

— Sim, essa é a sua avó, Ann.

— Ela também é ruiva! Só a Kells que não é ruiva na família! – Comentou de novo.

Segurei a risada e me concentrei em Jethro. Ele não tinha impedido que Jack mostrasse as fotos para Sophie, mas vi que ele não estava lá muito confortável com a quantidade de perguntas que Sophie estava fazendo, tanto que tinha decidido ir para a cozinha a ficar vendo as fotos com a filha.

— Vovó Ann também é estrelinha? – Ouvi minha filha perguntando.

— Sim.

— Tem muito tempo? Porque nem a Kelly fala dela!

— O seu pai tinha o dobro da sua idade, quando ela morreu.

— Papai só tinha 14 anos?! – Ela perguntou preocupada.

Jack meneou a cabeça e pediu a atenção dela para outra foto. Mas Sophie não estava mais prestando atenção no avô, tinha se levantado e sem falar nada, correu até Jethro e o abraçou apertado.

Jack me olhou perguntando o que a neta estava fazendo, pois nenhum dos dois falava nada.

— Estão sendo Jethro e Sophie. Às vezes fazem isso, conversam sem falar uma única palavra. – Respondi.

— Acho que vou parar por aqui. – Jack me disse. – Foi demais para ela.

— Não foi demais, Jack. Essa é a Sophie, ela é incapaz de ver alguém sofrer. Ela sabe a falta que Kelly sente de Shannon, mas nunca imaginou que Jethro tinha passado por isso também.

— Então você não sabia?

— Não. Não sabia. – Respondi e vi que Jethro tinha levado a ruiva para fora. Jack notou isso também.

— Ele nunca falou sobre aquele dia. Guardou tudo para ele.

— Não é algo que consiga se esquecer.

— Ele a encontrou, Jenny.

Isso explicava o motivo de Jethro ter ficado tão quieto. Assim, encarei Jack mais uma vez, sem saber o que fazer ou dizer, acabei por pegar um dos álbuns e comecei a olhá-lo, até que uma das fotos me chamou a atenção.

— Agora eu entendi o que você disse, Jack. Sobre a Sophie ser realmente, filha de Jethro.

— Encontrou a foto dele com o pé quebrado.

Meneei a cabeça e mostrei a foto.

— Como ele conseguiu?

— Subindo em uma árvore, exatamente igual a Pimentinha.

— Tenho que me preparar para mais alguma coisa? Do meu lado eu sei o que esperar.

— Nem um mês depois de voltar a andar, ele quebrou o braço.

Gemi em desespero.

— Acho que Sophie vai ser um pouco mais tranquila. Kelly foi. O único susto que me lembro que ela deu, foi quando bateu a bicicleta em uma árvore.

— Foi muito grave?

— Para a árvore e a bicicleta sim, Kelly só arranhou o joelho e a ponta do nariz, mas Shannon insistiu que a levassem para o hospital.

— É... eu ainda vou ter muito trabalho com a Sophie, se for olhar por esse lado... – Falei e continuei a ver as fotos da infância de Jethro. Gostaria que ele fosse como a filha mais nova e saísse contando os detalhes, porém, não se pode ter tudo o que quer.

Com pouco, os dois voltaram e minha filha tinha um sorriso imenso no rosto.

— Papai me falou que nós vamos sair para ver a minha surpresa agora. E eu achando que a surpresa era visitar o vovô!

— É mesmo?

— A senhora vai também, não vai?

— Não viajei todas essas horas para ficar de fora! – Coloquei o álbum em cima da mesinha e me levantei.

— Ih, papai! Por que o senhor não me falou que também já tinha quebrado o pé? – Ela pegou a foto e mostrou ao pai.

— Filha, se eu for te contar tudo o que eu já quebrei, eu vou desesperar a sua mãe! Vamos?

— Não preciso trocar de roupa? – Ela perguntou olhando para si.

— Seria melhor se colocasse um tênis ou uma bota.

— Vamos andar a cavalo?

— Não, curiosa, só faça isso. – Jethro disse e saiu empurrando a filha escada acima. – E você, Jen, pode esquecer os saltos aqui também.

Jack me deu um sorriso e segui os dois para o segundo andar, de onde pude ouvir as lamúrias de Sophie querendo saber onde iríamos agora.

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Alexandria, 2 de setembro de 2007

Carta 02

Kells, você não vai acreditar!!

Para começar, eu sei que eu te prometi escrever mais cartas... só que eu não tinha nada para contar, pois passei todo o verão ou de bota ortopédica ou na fisioterapia, e lá no Estaleiro, depois da visita da Stephanie, não aconteceu mais nada de interessante.

E tudo tava tão chato que as únicas coisas que fiz foram ler livros, ver filmes com o Tony e a Tia Ziva e jogar videogames com a Abbs e o Timmy. Até sexta-feira passada, como não sei que dia você vai receber essa carta, vou te dizer que a sexta foi 31/08.

Sabe, papai na semana passada começou com um papo estranho, falando de viajar. Eu não acreditei muito que eu ia, já que minhas aulas já estavam para começar, na verdade começam amanhã, dia 03, mas ele continuou falando até que eu perguntei onde era.

Claro que ele não me disse, e nem mamãe, assim, eu fiquei sem saber de nada até que chegamos ao nosso destino.

E adivinha onde era?

Stillwater. Sim, papai me levou para ver o vovô!! E eu te juro que já tinha adorado, pois não via ele desde o seu casamento, mas essa não era a única surpresa.

Sim, tinha outra!

Depois que vovô me mostrou todas as fotos de quando papai era pequeno, até mais novo do que eu, e me falou que a vovó Ann é uma estrelinha também, papai quis me levar para a surpresa de verdade.

E eu vou te dizer, Kelly, se tivessem me perguntado o que era, eu nunca iria acertar.

Você sabe que eu amo ver as estrelas, e que foi por conta disso que eu caí da árvore e quebrei o pé, e sabe também que daqui de D.C. não dá pra ver o céu direito por conta das luzes. Aí, no dia que eu tirei o gesso, mamãe me perguntou o motivo de eu ter subido na árvore, quando eu expliquei, ela me fez prometer que nunca mais faria isso. E eu concordei, porque realmente não tem o que ver.

Acontece que papai deu um jeito nisso. Ele me levou para Stillwater para duas coisas. Ver o vovô e ver o céu! E eu vou te contar como foi. Não sei exatamente onde a gente foi, mas eu vou tentar descrever para você.

Nós saímos da casa do vovô estava começando a anoitecer, e mesmo com o sol se pondo, já era possível ver algumas estrelas, e eu fiquei feliz com isso. Mas era só o começo. Andamos de carro por quase uma hora, e quando papai parou, parecia que não tinha nada por perto. Era só um enorme morro. Nós descemos do carro, papai e mamãe pegaram três lanternas no porta-malas, me deram uma e nós começamos a andar, subindo o morro.

Eu estava com tanto medo de pisar em alguma coisa que me esqueci de olhar para cima. Passei o caminho todo com a minha lanterna apontada para o chão, de mãos dadas com a mamãe, para que eu não caísse.

E, do nada, o papai parou, desligou a lanterna, mamãe fez o mesmo com a dela e com a minha e tudo ficou escuro.

Mas escuro mesmo, eu não enxergava nem a ponta do meu nariz!!!

Quando eu agarrei a mão da mamãe com mais força, porque eu fiquei com medo ali... e se aparecesse algum bicho? Papai só me disse para olhar para cima.

E eu fiz isso!

E Kells!!! Eu nunca tinha visto tanta estrela assim! O céu tava lindo! O fundo estava tão escuro que cada uma das estrelas brilhava, e a lua estava enorme! Nem em Londres, no meio de um dos parques era assim. Não dava nem para contar. E eu reconheci um monte delas, graças ao que o Timmy me ensinou. Eu vi até a Ursa Maior! E ainda reconheci outras duas constelações, a do Dragão e a do Leão!

Outra que eu vi, foi a Estrela Polar. Ela estava lá, brilhando, linda, indicando o norte. E aí eu me pergunto, de onde você está, você pode ver a Estrela Polar também?

Eu não sei dizer quanto tempo nós ficamos lá, só sei que eu acabei dormindo, deitada no chão... porque eu acordei na minha cama, e já era de manhã!

No sábado, ou seja, ontem, nós passamos a manhã com o vovô, ele até fechou a loja na hora do almoço, depois, à tarde, eu fui passear em Stillwater, a cidade é tão pequena que deu para conhecê-la a pé!! É isso mesmo, nós andamos pela cidade a pé. Foi legal conhecer a cidade natal do papai, apesar de que eu e a mamãe achamos que lá não mudou muito coisa nos últimos 30 anos... nem celular pega lá, o que causou uma cena engraçada quando voltamos, mas falo nisso depois.

A única parte ruim do nosso passeio foi quando encontramos um tal de Ed... ele olhou estranho para o papai e perguntou se eu era a neta dele!! Dá pra acreditar? Esse mala disse qualquer coisa sobre o fato de que ele já era avô e ficou se achando tanto que mamãe teve que dar uma resposta altura. Sabe o que ela falou? "Que era bem justo que ele já fosse avô, afinal, não se tem muita coisa para fazer em uma cidade como aquela e até ela iria querer se distrair com um bebê a ficar olhando para a cara dele". Depois dessa ele foi embora e não o vimos mais.

No sábado, nós voltamos ao mesmo morro para ver o céu de novo, dessa vez eu não dormi e ficamos lá até bem tarde... bem, o papai falou que era tarde e que nós teríamos que levantar cedo para voltar para casa.

Hoje de manhã foi triste, eu não queria deixar o vovô lá em Stillwater, mas teimosia deve ser de família, e ele disse que é feliz lá, e não mudou de ideia nem quando eu falei que ele estava longe demais e que se acontecesse alguma coisa, a gente não poderia chegar rápido... assim eu tive que dizer adeus, mas ele prometeu que vem para ou aniversário do papai ou para o Natal, só quero ver se vai ser verdade.

Nossa viagem de volta estava sendo tranquila, eu não dormi o caminho todo e mamãe conseguiu o milagre de poder dirigir, pelo menos por metade do caminho, pois, assim que o celular dela apitou que tinha conseguido área, veio uma enxurrada de mensagens. Ele ficou apitando por quase QUINZE MINUTOS, o que deixou o papai completamente irritado e ele fez com que mamãe parasse o carro para ver o que era de tão urgente.

Não era nada urgente, eram só muitas mensagens da Abby, da Tia Ziva, do Tony e até do Timmy, querendo saber onde estávamos. Abbs foi a mais exagerada e falou que ia mandar o Tim hackear a rede do NCIS, descobrir o login e a senha da mamãe para que ele pudesse pedir a Segurança Nacional que nos encontrasse.

Com esse desespero todo, mamãe ligou para Abbs, que também tinha deixado umas vinte mensagens de voz no correio do papai e tentou acalmá-la.

Eu pude ouvir o grito da Abbs de dentro do carro, de tão alto que ela gritou... mas ela estava tranquila, pois assim que o celular de mamãe e o do papai entraram na área de cobertura ela tinha visto onde estávamos... papai não gostou nada disso, mas, como Abbs é a preferida dele, não brigou com ela.

Depois dessa parada, papai assumiu o volante e mesmo com os pedidos de mamãe para que ele tirasse um pouquinho o pé, rapidinho chegamos em casa. Viemos direto para a casa do papai, na tentativa de tentar despistar a Abby.

Não adiantou nada, pois a gente não tinha colocado as malas nos quartos quando a campainha tocou, do alto da escada eu vi o Tony e a Abby, bem, eu vi as marias-chiquinhas da Abby, pois ela pulava sem parar.

Tia Ziva e Tim tinham pizzas com eles e Tony trouxe pipoca caramelada, depois de comer e de eu ter contado onde tínhamos ido, passamos a noite vendo 11 homens e um Segredo e, quando o filme acabou, papai colocou todo mundo para fora, dizendo que ele iria conversar com os quatro pela manhã... pelo tom de voz dele, creio que o Tony vai precisar de um remédio para dor de cabeça amanhã.

Falando em amanhã... minhas aulas voltam... fiquei sabendo que terei a mesma professora do ano passado, assim, Tia Isa vai estar de volta e isso me deixa um pouco menos ansiosa... mas não sei o que me espera nesse ano, será que vai ser muito difícil? Você se lembra do seu 2º ano do Ensino Fundamental, Kelly?

Kells, vou ter que terminar a carta aqui, porque a mamãe está parada do meu lado me mandando ir dormir porque vou ter que me levantar cedo. Ela acabou de dizer que está com saudades e que te ama muito, papai acabou de chegar e me pediu para escrever a mesma coisa... mas é o mesmo que você acabou de ler, então você já sabe.

Ah! Henry vai vir nessa semana, ele passou a última semana viajando sei lá para onde, mas vai estar de volta e disse que vem nos ver, era uma das muitas mensagens que mamãe recebeu.

Te escrevo de volta quando tiver mais notícias. Por acaso eu contei que tirei o gesso? Não me lembro, mas eu tirei e já tô quase boa! E dois dentes meus caíram! A Fada do Dente me deixou dez dólares pelo primeiro, mas para o segundo foi só um dólar! Morri de dor por um mísero dólar... achei pouco! Tinha que ser mais!

Estou com saudades, Kells! O Natal ainda está muito longe... será que não dá pra você voltar mais cedo? Tenta aí, por favor... as noites de filmes não são as mesmas sem o papai reclamando com você e com o Henry!

Espero que tudo esteja bem, e escreva o mais rápido que puder!

Da sua irmã que acaba de levar um tapa na cabeça porque não parou de escrever,

Sophie!